
D.E. Publicado em 22/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária, e dar provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0010002-92.2014.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 22/04/2010 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 12-17).
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo (fl. 19).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 20).
Citação em 22/10/2010 (fl. 28).
Estudo socioeconômico (fls. 102-104).
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo (fls. 121-126).
Sentença prolatada em 05/11/2013. Julgado procedente o pedido (fls. 121-126).
Apelação do INSS e contrarrazões (fls. 133-135 e fls. 139-142).
Decisão proferida por esta E. Corte, anulando a r. sentença prolatada, e determinando a devolução dos autos ao Juízo de origem, para realização de nova perícia socioeconômica (fls. 158-159 v.).
Baixa dos autos a Instância inferior, em 17/11/2014 (fls. 163).
Estudo socioeconômico (fls. 120-140).
A r. sentença, prolatada em 09/09/2015, julgou procedente o pedido e antecipou os efeitos jurídicos da tutela. Determinado o pagamento do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data da citação. Sentença submetida ao reexame oficial (fls. 195-200).
Apelação do INSS. No mérito, pugnou, em suma, pela reforma integral do julgado (fls. 213-218).
Com contrarrazões (fls. 221-225) subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0010002-92.2014.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Ab initio, insta salientar que em virtude da alteração legislativa decorrente da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), a remessa oficial a qual foi submetida a r. sentença pelo douto Juiz a quo, não há de ser conhecida, consoante as seguintes considerações.
DA REMESSA NECESSÁRIA
O novo Estatuto processual trouxe inovações no tema da remessa ex officio, mais especificamente, estreitou o funil de demandas cujo transito em julgado é condicionado ao reexame pelo segundo grau de jurisdição, para tanto elevou o valor de alçada, verbis:
Convém recordar que no antigo CPC, dispensava do reexame obrigatório a sentença proferida nos casos CPC, art. 475, I e II sempre que a condenação, o direito controvertido, ou a procedência dos embargos em execução da dívida ativa não excedesse a 60 (sessenta) salários mínimos. Contrario sensu, aquelas com condenação superior a essa alçada deveriam ser enviadas à Corte de segundo grau para que pudesse receber, após sua cognição, o manto da coisa julgada.
Pois bem. A questão que se apresenta, no tema Direito Intertemporal, é de se saber se as demandas remetidas ao Tribunal antes da vigência do Novo Diploma Processual - e, consequentemente, sob a égide do antigo CPC -, vale dizer, demandas com condenações da União e autarquias federais em valor superior a 60 salários mínimos, mas inferior a 1000 salários mínimos, se a essas demandas aplicar-se-ia o novel Estatuto e com isso essas remessas não seriam conhecidas (por serem inferiores a 1000 SM), e não haveria impedimento - salvo recursos voluntários das partes - ao seu trânsito em julgado; ou se, pelo contrário, incidiria o antigo CPC (então vigente ao momento em que o juízo de primeiro grau determinou envio ao Tribunal) e persistiria, dessa forma, o dever de cognição pela Corte Regional para que, então, preenchida fosse a condição de eficácia da sentença.
Para respondermos, insta ser fixada a natureza jurídica da remessa oficial.
Natureza Jurídica Da Remessa Oficial
Cuida-se de condição de eficácia da sentença, que só produzirá seus efeitos jurídicos após ser ratificada pelo Tribunal.
Portanto, não se trata o reexame necessário de recurso, vez que a legislação não a tipificou com essa natureza processual.
Apenas com o reexame da sentença pelo Tribunal haverá a formação de coisa julgada e a eficácia do teor decisório.
Ao reexame necessário aplica-se o principio inquisitório (e não o principio dispositivo, próprio aos recursos), podendo a Corte de segundo grau conhecer plenamente da sentença e seu mérito, inclusive para modificá-la total ou parcialmente. Isso ocorre por não ser recurso, e por a remessa oficial implicar efeito translativo pleno, o que, eventualmente, pode agravar a situação da União em segundo grau.
Finalidades e estrutura diversas afastam o reexame necessário do capítulo recursos no processo civil.
Em suma, constitui o instituto em "condição de eficácia da sentença", e seu regramento será feito por normas de direito processual.
Direito Intertemporal
Como vimos, não possuindo a remessa oficial a natureza de recurso, na produz direito subjetivo processual para as partes, ou para a União. Esta, enquanto pessoa jurídica de Direito Público, possui direito de recorrer voluntariamente. Aqui temos direitos subjetivos processuais. Mas não os temos no reexame necessário, condição de eficácia da sentença que é.
A propósito oportuna lição de Nelson Nery Jr.:
Por consequência, como o Novo CPC modificou o valor de alçada para causas que devem obrigatoriamente ser submetidas ao segundo grau de jurisdição, dizendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores inferiores a 1000 salários mínimos, esse preceito tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, inobstante remetidos pelo juízo a quo na vigência do anterior Diploma Processual.
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa idosa e hipossuficiente.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, com redação dada pela Lei nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei nº 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei nº 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei nº 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei nº 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Por sua vez, laudo social elaborado em 15/04/2015 (fls. 177-188), revela que o núcleo familiar era constituído pela própria parte autora, 75 anos de idade, e por seu cônjuge, Jair Bonelli, 78 anos de idade, aposentado.
O núcleo familiar residia em casa própria, construída em alvenaria, constituída por uma sala, dois dormitórios, cozinha e um banheiro, com garagem coberta, quintal cimentado e área de serviço em forma de edícula nos fundos. O estado de conservação do imóvel foi classificado como "bom"; possuía laje em todos os cômodos, "com piso em todos os cômodos", e revestimento no banheiro e cozinha.
A residência encontrava-se guarnecida com os móveis básicos, com dois aparelhos de televisão, sendo um novo na sala, e um mais antigo no dormitório. Além disso, a residência também possuía linha telefônica fixa instalada.
A renda familiar era constituída pelos proventos de aposentadoria do cônjuge da autora, em valor (líquido) superior a um salário-mínimo mensal (R$ 929,60), à época estabelecido em R$ 788,00.
A despesa mensal do núcleo familiar compreendia gastos com, energia elétrica (R$ 60,00), água (R$ 55,00). Segundo a autora, a conta telefônica, no valor de R$ 42,54, era paga pelas filhas, assim como seu convênio médico, no valor de R$ 552,20 por mês.
Ressalto que não procede a justificativa da demandante de que tem que comprar todos os medicamentos que utiliza em razão deles não fazerem parte da lista de distribuição gratuita, e de que não são aceitos no SUS os receituários fornecidos pelos profissionais dos planos de saúde. Primeiro, a maioria dos medicamentos elencados no estudo social consta da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais - RENAME. Segundo, a Portaria 2928/2011, que regulamenta a dispensação de medicamentos no SUS, dispõe que documentos provenientes do serviço privado de saúde também são aceitos.
Restou demonstrado que a parte autora tem todas suas necessidades básicas supridas; considerando que ela percebe auxílio financeiro contínuo das filhas, no qual se inclui convênio médico particular de valor equivalente a 70% do salário-mínimo vigente à época, medicamentos que totalizavam R$ 334,00 por mês adquiridos em farmácias particulares, e toda sua alimentação, pois a autora sequer soube declinar o valor de tal despesa, ainda que de forma aproximada.
Assim, in casu, a renda per capita do núcleo familiar, no valor aproximado de R$ 463,00 por mês, ultrapassa sobremaneira o limite legal, e não se verificam outros elementos subjetivos bastantes para se afirmar que se trata de família que viveria em estado de miserabilidade.
De tudo, conclui-se que os recursos obtidos pela família da parte requerente encontram-se, pois, suficientes para cobrir os gastos ordinários e os cuidados especiais que lhes sejam imprescindíveis, não estando configurada situação de miserabilidade.
Cabe ressaltar, por oportuno, que a concessão de benefício assistencial não tem caráter de complementação de renda familiar, o que, por certo, traria distorção ao propósito da instituição do benefício no universo da assistência social. Ademais, a assistência social estatal é subsidiária àquela que deve ser prestada pelos familiares, notadamente pelos filhos aos pais idosos.
Neste diapasão, não comprovados pela parte autora todos os requisitos necessários, não faz ela jus à concessão do benefício assistencial, devendo ser reformada a r. sentença.
Por conseguinte, impõe-se a cassação da tutela jurisdicional deferida pelo r. Juízo de Primeira Instância. Determino seja remetida esta decisão por via eletrônica à autoridade administrativa, a fim de que seja cessado o pagamento do benefício ora pleiteado, após o trânsito em julgado.
Consoante entendimento firmado pela Terceira Seção desta Corte, deixo de condenar a parte autora ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, porquanto beneficiária da assistência judiciária gratuita (TRF - 3ª Seção, AR n.º 2002.03.00.014510-0/SP, Rel. Des. Fed. Marisa Santos, j. 10.05.2006, v.u., DJU 23.06.06, p. 460).
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 05/06/2017 17:55:26 |