D.E. Publicado em 27/09/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação interposta pela parte autora, para anular a sentença e, com fundamento no artigo 515 do CPC/73 (artigo 1.013 do NCPC), julgar parcialmente procedente o pedido da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, sendo que a Desembargadora Federal Marisa Santos e o Desembargador Federal Gilberto Jordan acompanharam o relator, com ressalva de entendimento pessoal.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0024368-54.2005.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Cuida-se de apelação da parte autora contra sentença que extinguiu o processo, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267 , inciso VI, do Código de Processo Civil/73.
Alega, em síntese, ser devido o benefício assistencial desde o ajuizamento da ação, não havendo que se falar em falta de interesse de agir pela concessão administrativa do benefício em 13/12/2006.
O INSS não apresentou contrarrazões.
O DD. Órgão do Ministério Público Federal sugere o parcial provimento da apelação da parte autora, reconhecendo que são devidos os valores compreendidos entre a citação e sua concessão administrativa.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço do recurso, porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.
Preambularmente, registro não ter ocorrido a carência da ação, por falta de interesse processual superveniente.
Em 21/5/2002 ingressou com pedido judicial de benefício assistencial. Houve contestação.
Adveio sentença de procedência do pedido (10/5/2004), com termo inicial a partir da citação.
Nesta Corte, a sentença foi anulada para que fosse feito estudo social.
Antes da realização do estudo, a autora, por meio de petição de f. 180/183, informa a concessão administrativa do benefício em 13/12/2006, pugnando pelo prosseguimento da ação.
O estudo social apenas ratifica a informação quanto à concessão administrativa do benefício.
Embora o benefício assistencial tenha sido deferido pelo INSS no curso do processo, remanesce o interesse da parte autora quanto ao recebimento das parcelas referentes ao período entre o ajuizamento e a data da concessão administrativa do benefício.
A Autarquia Previdenciária ao contestar o feito, adentrou no mérito da medida, tornando evidente a existência de resistência à pretensão formulada pela parte autora, a admitir, em tese, a concessão do benefício em período anterior ao fixado na esfera administrativa, de modo que não há cogitar de carência da ação por falta de interesse processual superveniente.
Entretanto, quanto à questão de fundo, não há óbice a que o julgador, ultrapassada a preliminar, passe à análise do mérito propriamente dito. Esse entendimento decorre do artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil/73, que corresponde ao artigo 1.013, §3º, I, do NCPC.
Nesse sentido: STJ, REsp n. 866.997/PB, Relator Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, Julgado em 16/6/2009, DJe 5/8/2009.
Nesta E. Corte, o dispositivo em comento ganhou interpretação extensiva, em homenagem ao princípio da economia processual. Assim, ações com decisões que, antes, logravam anulação em Segundo Grau, agora, ultrapassado o vício processual, terão apreciado seu mérito nesta mesma instância. Confira-se:
A despeito de o estudo social não trazer informações relevantes, -cinge-se a informar a respeito da concessão administrativa do benefício-, acolho o parecer do Ministério Público Federal para dispensar tal exigência na hipótese específica.
Neste momento processual, a determinação de novo estudo social só tumultuaria ainda mais o processo, pois dificilmente conseguiria retratar fatos tão longínquos, o que militaria em prejuízo ao bom andamento do processo.
Com efeito, anulo a r. sentença e, com fundamento no artigo 515 do CPC/73 (artigo 1.013 do NCPC), passo a apreciar o pedido, com base nos elementos existentes, os quais são capazes de garantir a eficiência da prestação jurisdicional.
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
O critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova, conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Ressalte-se que o critério do meio salário mínimo foi estabelecido para outros benefícios diversos do amparo social. Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Vale dizer, não se pode tomar como "taxativo" o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS, mesmo porque toda regra jurídica deve pautar-se na realidade fática. Entendo pessoalmente que, em todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à noção de hipossuficiência, devendo ser apurado se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
Sendo assim, podem-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de cada caso, como por exemplo: a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis; b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis; c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser miseráveis; d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da Constituição Federal) não são miseráveis.
Vamos adiante.
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência, faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n. 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos para a percepção do benefício.
Menciona-se também o conceito apresentado pela ONU, elaborado por meio da Resolução n.° XXX/3.447, que conforma a Declaração, em 09/12/1975, in verbis:"1. O termo 'pessoa deficiente' refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais".
Esse conceito dá maior ênfase à necessidade, inclusive da vida individual, ao passo que o conceito proposto por Luiz Alberto David Araujo prioriza a questão da integração social, como se verá.
Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos para sua definição: "desvio acentuado dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento físico, mental, sensorial ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento separada, combinada ou globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito, n. XXXIV. São Paulo: Saraiva, 1999).
Luiz Alberto David Araujo, por sua vez, compilou muitos significados da palavra deficiente, extraídos dos dicionários de Língua Portuguesa. Observa ele que, geralmente, os dicionários trazem a idéia de que a pessoa deficiente sofre de falta, de carência ou de falha.
Esse autor critica essas noções porque a idéia de deficiência não se apresenta tão simples, à medida que as noções de falta, de carência ou de falha não abrangem todas as situações de deficiência, como, por exemplo, o caso dos superdotados, ou de um portador do vírus HIV que consiga levar a vida normal, sem manifestação da doença, ou ainda de um trabalhador intelectual que tenha um dedo amputado.
Por ser a noção de falta, carência ou falha insuficiente à caracterização da deficiência, Luiz Alberto David Araujo propõe um norte mais seguro para se identificar a pessoa protegida, cujo fator determinante do enquadramento, ou não, no conceito de pessoa portadora de deficiência, seja o meio social:
"O indivíduo portador de deficiência, quer por falta, quer por excesso sensorial ou motor, deve apresentar dificuldades para seu relacionamento social. O que define a pessoa portadora de deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para a sua integração social é o que definirá quem é ou não portador de deficiência". (A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p. 18-22).
E quanto mais complexo o meio social, maior rigor se exigirá da pessoa portadora de deficiência para sua adaptação social. De outra parte, na vida em comunidades mais simples, como nos meios agrícolas, a pessoa portadora de deficiência poderá integrar-se com mais facilidade.
Desse modo, o conceito de Luiz Alberto David Araujo é adequado e de acordo com a norma constitucional, motivo pelo qual é possível seu acolhimento para a caracterização desse grupo de pessoas protegidas nas várias situações reguladas na Constituição Federal, nos arts. 7o, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, V e 208, III.
Mas é preciso delimitar a proteção constitucional apenas àquelas pessoas que realmente dela necessitam, porquanto existem graus de deficiência que apresentam menores dificuldades de adaptação à pessoa. E tal verificação somente poderá ser feita diante de um caso concreto.
Luiz Alberto David Araujo salienta que os casos-limite podem, desde logo, ser excluídos, como o exemplo do bibliotecário que perde um dedo ou do operário que perde um artelho; em ambos os casos, ambos continuam integrados socialmente. Ou ainda pequenas manifestações de retardo mental (deficiência mental leve) podem passar despercebidas em comunidades simples, pois tal pessoa poderá "não encontrar problemas de adaptação a sua realidade social (escola, trabalho, família)", de maneira que não se pode afirmar que tal pessoa deverá receber proteção, "tal como aquele que sofre restrições sérias em seu meio social" (obra citada, páginas 42/43).
"A questão, assim, não se resolve sob o ângulo da deficiência, mas, sim sob o prisma da integração social. Há pessoas portadoras de deficiência que não encontram qualquer problema de adaptação no meio social. Dentro de uma comunidade de doentes, isolados por qualquer motivo, a pessoa portadora de deficiência não encontra qualquer outro problema de integração, pois todos têm o mesmo tipo de dificuldade" (obra citada, p. 43).
Enfim, a constatação da existência de graus de deficiência é de fundamental importância para identificar aqueles que receberão a proteção social prevista no art. 203, V, da Constituição Federal.
Feitas essas considerações, torna-se possível inferir que não será qualquer pessoa portadora de deficiência que se subsumirá no molde jurídico protetor da Assistência Social.
CRIANÇAS E ADOLESCENTES ATÉ 16 ANOS
Um caso peculiar de pessoa com deficiência, à luz da Constituição e legislação infraconstitucional, é a criança e o adolescente até dezesseis anos, demandando análise pormenorizada do intérprete a fim de aferir a possibilidade jurídica de concessão do benefício a tais espécies de requerentes, pelas razões passo a expor.
O conceito de pessoa portadora de deficiência, para fins do benefício de amparo social, foi tipificada no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, que em sua redação original assim dispunha:
"§ 2º - Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho."
Como se vê, pressupunha-se que o deficiente era aquele que: a) tinha necessidade de trabalhar, mas não podia, por conta da deficiência; b) estava também incapacitado para a vida independente. Ou seja, o benefício era devido a quem deveria trabalhar, mas não poderia e, além disso, não tinha capacidade para uma vida independente sem a ajuda de terceiros.
Lícito é concluir que, tal qual os benefícios previdenciários, o benefício de amparo social, enquanto em vigor a redação original do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, era substitutivo do salário. Isto é, era reservado aos que tinham a possibilidade jurídica de trabalhar, mas não tinham a possibilidade física ou mental para tanto.
Dito isso, o próximo ponto a ser levado em linha de conta é se as crianças e adolescentes - impedidas de trabalhar por força de norma constitucional - enquadravam-se, ou não, dentre os possíveis percipiente do benefício de amparo social.
Eis a redação do artigo 7º, XXXIII, da Constituição Federal, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998:
"XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;"
Impende inferir, segundo o Texto Magno, que os menores de 16 (dezesseis) anos não poderão trabalhar, ainda que o pudessem e quisessem.
Pergunta-se então: à luz da redação original do artigo 2º, § 2º, da LOAS, qual sentido em conceder-se um benefício a quem (crianças e adolescentes até dezesseis anos) não poderia juridicamente trabalhar, nem que o quisesse?
Realmente, forçoso identificar nesse contexto um contrassenso, porquanto se dessume, da norma constitucional, que qualquer criança ou adolescente até dezesseis anos deverá ter provido o sustento por sua família, não por ela própria, já que impedida de trabalhar.
A propósito, o Código Civil e a própria Constituição Federal, esta no artigo 229, determina aos pais que cuidem de seus filhos, enquanto menores.
À vista de tais considerações, pela interpretação lógico-sistemática da Constituição, conclui-se que as crianças e adolescentes até 16 (dezesseis) anos não tinham direito ao benefício assistencial.
De fato, a Seguridade Social é instrumento de proteção social a ser concedida àqueles que não podem trabalhar, por alguma contingência ou algum risco social, e exatamente por isso não conseguem sustento algum.
Deve ser evocado, outrossim, aqui, o princípio do primado do trabalho, esculpido no artigo 193 da Constituição Federal. Vale dizer, o Estado só pode prover a subsistência da pessoa em casos excepcionais, quando ela não tem possibilidades físicas ou mentais de trabalhar.
Nunca é demais relembrar que o trabalho não é apenas um direito, previsto no artigo 6º da Carta Magna, mas um dever, pois sem o trabalho não há sociedade, não há nação e não se concebe a própria noção de Ordem Social ou mesmo de Estado.
Consequentemente, partindo-se da premissa que o benefício de amparo social é devido somente a quem, por ser deficiente ou idoso, não pode trabalhar, aquele que está constitucionalmente impedido de trabalhar (crianças e adolescentes até dezesseis anos) não terá direito o esse tipo de benefício, exatamente porque se presume que terão o sustento provido por suas respectivas famílias ou responsáveis, de quem são dependentes.
Cuida-se uma questão de interpretação lógico-sistemática, notadamente porque a Seguridade Social, bem de todos, deve ser concedida somente quando a sociedade não puder lidar, ela própria, com suas contingências sociais. O sistema de proteção social não tem o escopo de substituir a sociedade naquilo que concerne às suas próprias obrigações.
Jamais se pode olvidar que cabe à família, em primeiro lugar, buscar seu próprio sustento por meio do trabalho, só podendo o Estado assumir a subsistência da pessoa em casos excepcionalíssimos: exatamente aqueles previstos no art. 203, inciso V, da CF.
Mas vamos adiante.
A redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS foi alterada pelo Congresso Nacional, exatamente porque sua dicção gerava um sem número de controvérsias interpretativas na jurisprudência.
A Lei n º 12.435/2011 deu nova redação ao § 2º do artigo 20 da LOAS, que esculpe o perfil da pessoa com deficiência para fins assistenciais, da seguinte forma:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Uma vez mais, há referência do legislador à impossibilidade de trabalhar, de modo que o benefício continuou sendo destinado àqueles deficientes que: a) tinha necessidade de trabalhar, mas não podia, por conta de limitações físicas ou mentais; b) estava também incapacitado para a vida independente.
Consequentemente, aos fatos ocorridos na vigência da Lei n. 12.435/2011, reputo continuar impossível juridicamente a concessão de benefício de amparo social aos menores de 16 (dezesseis) anos de idade.
Todavia, o legislador, não satisfeito, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, e o conceito de pessoa com deficiência foi uma vez mais alterado, pela Lei nº 11.470/2011, passando a ter a seguinte dicção:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)."
Nota-se que, com o advento desta novel lei, dispensou-se a menção à incapacidade para o trabalho ou à incapacidade para a vida independente, como requisito à concessão do benefício assistencial.
Destarte, tal circunstância (a entrada em vigor de nova lei) deve ser levada em conta neste julgamento, ex vi o artigo 462 do CPC/73 e 493 do NCPC.
Finalmente, a Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência", com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da LOAS, in verbis:
"§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Reafirma-se, assim, que o foco, doravante, para fins de identificação da pessoa com deficiência, passa a ser a existência de impedimentos de longo prazo, apenas e tão somente, tornando-se despicienda a referência à necessidade de trabalho.
À vista de tais considerações, alterando entendimento anterior após melhor análise da questão, concluo que apenas e tão somente em 31/8/2011, quando entrou em vigor a Lei nº 12.470, passaram as crianças e adolescentes a adquirir direito ao recebimento do benefício de amparo social, desde que satisfeitos os requisitos da nova legislação.
Em derradeiro, deverá ser levados em linha de conta o impacto na economia familiar do menor, por exigir a dedicação de um dos membros do grupo para seus cuidados, prejudicando a capacidade daquele grupo familiar de gerar renda.
Nesse sentido, o precedente da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, in verbis (g.n.):
"PREVIDENCIÁRIO. LOAS. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. PARADIGMA QUE SE REPORTA A JULGADO DE TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. DESCABIMENTO. ART. 14, § 2º, DA LEI Nº 10.259/2001. SIMILITUDE FÁTICA ENTRE O ARESTO FUSTIGADO E OS PARADIGMAS JUNTADOS. TESES DISCREPANTES QUANTO À POSSIBILIDADE DE SE CONCEDER BENEFÍCIO (LOAS) A REQUERENTE MENOR DE 16 (DEZESSEIS) ANOS, TENDO EM VISTA A MENORIDADE. INCIDENTE CONHECIDO. TESE ATUALMENTE UNIFORMIZADA NESTA TNUJEF's NO SENTIDO DE QUE, PARA A CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL A MENOR, OBSERVAM-SE OS CONDICIONANTES ESTABELECIDOS NO ARESTO PROFERIDO NO PROCESSO Nº 2007.83.03.50.1412-5. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO PROVIDO EM PARTE. I. A divergência, passível de ser conhecida pela TNUJEF's, decorre de "pedido fundado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de Uniformização, integrada por juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal", na forma do §2º do art. 14 da Lei nº 10.259/2001. II. Decisões oriundas de tribunais regionais federais ou de turmas recursais vinculadas à mesma Região da Justiça Federal da Turma de origem não podem ser conhecidas para efeito de constar como paradigmas, nos termos legais. III. Quanto aos paradigmas oriundos de Turmas Recursais vinculadas à Região diferente (3ª Região) daquela da Turma de origem, evidencia-se do exame do aresto recorrido que há discrepância entre a tese trazida neste e a apontada no excerto desses julgados trazidos pela parte recorrente. É que a decisão fustigada firmou a tese de que, no caso de menor de 16 (dezesseis) anos, a incapacidade pode ser presumida. Os paradigmas, de sua parte, ressaltam que essa incapacitação deve decorrer de questão médica. IV. Esta TNU, a partir do julgamento proferido no Processo nº 2007.83.03.50.1412-5, julgamento este proferido após o voto anterior deste Relator neste feito, ora retificado acolhendo as razões do voto-vista do juiz federal José Antônio Savaris, firmou a tese de que, em se tratando de benefício decorrente da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), a incapacitação, para efeito de concessão do benefício a menor de 16 (dezesseis) anos, deve observar, além da deficiência, que implique limitação ao desempenho de atividades ou restrição na participação social, compatíveis com a idade do menor, bem como o impacto na economia do grupo familiar do menor, seja por exigir a dedicação de um dos membros do grupo para seus cuidados, prejudicando a capacidade daquele grupo familiar de gerar renda. V. Aplicação ao caso em análise de todos os condicionantes estabelecidos no voto-vista, proferido neste feito, bem como no aresto proferido no julgamento do Processo nº 2007.83.03.50.1412-5, razão pela qual os autos devem retornar à Origem, a fim de que perfaça o cotejo fático diante da tese firmada nesta TNU e aplicada à situação retratada no incidente. VI. Pedido de uniformização conhecido e provido em parte" (PEDILEF 200580135061286, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL, Relator(a) JUIZ FEDERAL RONIVON DE ARAGÃO, TNU, Data da Decisão 11/10/2010, Fonte/Data da Publicação DOU 08/07/201).
CASO DOS AUTOS
No caso vertente, a parte autora, que tinha 13 (treze) anos de idade na data do ajuizamento desta ação, requereu o benefício assistencial por ser deficiente.
Segundo o perito judicial, a parte autora é portadora de deficiência mental e distúrbios de comportamento, os quais lhe acarretam incapacidade total e permanente para o trabalho e para os atos da vida civil.
Não obstante, concluo pela impossibilidade de concessão do benefício à parte autora enquanto menor de 16 anos (vide supra).
Nesse aspecto, entendo que, comprovada a miserabilidade, a concessão do benefício somente se faria possível a partir de 6/11/2004, quando o autor completa 16 anos.
Quanto ao requisito atinente à miserabilidade, a concessão administrativa do benefício em época contemporânea (13/12/2006), aliada a prova testemunhal, permitem concluir pelo preenchimento deste requisito.
Colhe-se dos depoimentos (16/2/2004) que o autor reside com a mãe e a irmã, nascida em 20/9/1992, em casa cedida pelo avô.
A genitora do autor não trabalha fora de casa, pois tem que cuidar do filho. Trabalha eventualmente como costureira.
A família sobrevive com a pensão que é paga às duas crianças, no valor de R$ 50,00 para cada uma e do trabalho informal e esporádico da mãe.
Possuem despesas com medicamentos.
Destaco, por oportuno, que, para o cômputo da renda familiar, devem ser considerados apenas os rendimentos estáveis, porquanto se provenientes de fontes volúveis, sujeitos a bruscas variações, não se pode inferir com certeza se tal grupo continuaria a percebê-los ou se o seu montante seria reduzido.
Vale ressaltar, ainda, que os gastos pertinentes a remédios e à manutenção de uma família são permanentes, mormente se houver pessoa deficiente.
Logo, a renda per capita familiar é inferior à metade do valor do salário mínimo vigente.
Em decorrência, concluo pelo preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
O termo inicial do benefício deve ser fixado em 6/11/2004, quando o autor completou 16 anos de idade.
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/81 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, observado o disposto na Lei n. 11.960/2009, consoante Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 16/4/2015, Rel. Min. Luiz Fux.
Com relação aos juros moratórios, estes são fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês, contados da citação, por força dos artigos 1.062 do antigo CC e 219 do CPC/73, até a vigência do novo CC (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos termos dos artigos 406 do novo CC e 161, § 1º, do CTN, devendo, a partir de julho de 2009, serem mantidos no percentual de 0,5% ao mês, observadas as alterações introduzidas no art. 1-F da Lei n. 9.494/97 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/09, pela MP n. 567, de 03 de maio de 2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07 de agosto de 2012, e por legislação superveniente.
Em relação às parcelas vencidas antes da citação, os juros são devidos desde então de forma global e, para as vencidas depois da citação, a partir dos respectivos vencimentos, de forma decrescente.
Levando em conta que a autora decaiu de parte mínima e que o valor atribuído à causa é irrisório, condeno o INSS a pagar honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00, consoante entendimento consolidado nesta Nona Turma.
Considerando que a apelação foi interposta na vigência do CPC/1973, não incide ao presente caso a regra de seu artigo 85, §§ 1º e 11, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal.
Com relação às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/74, 8.620/93 e 9.289/96, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/85 e 11.608/03. Contudo, tal isenção não exime a Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Inviável, por fim, a concessão da tutela antecipada de urgência, diante da concessão administrativa do benefício em 13/12/2006.
Os valores já pagos a título de benefícios não cumuláveis deverão ser abatidos.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação interposta pela parte autora, para anular a sentença e, com fundamento no artigo 515 do CPC/73 (artigo 1.013 do NCPC), julgar parcialmente procedente o pedido da parte autora, para conceder o benefício assistencial nos termos da fundamentação supra.
Dê-se ciência desta decisão ao DD. Órgão do Ministério Público Federal.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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