
D.E. Publicado em 22/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial, rejeitar a preliminar de coisa julgada e, no mérito, dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0001697-95.2009.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
A r. sentença julgou procedente o pedido, condenando o réu a conceder o benefício e pagar aos herdeiros as parcelas devidas entre a data da citação (26/10/2007) e a data do óbito (20/06/2013). Juros da mora e correção monetária segundo critérios fixados pelo Manual de Orientação e Procedimentos para o Cálculos na Justiça Federal. Verba honorária fixada em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença. Foi determinado o reexame necessário.
Apelou o INSS. Preliminarmente, aponta a existência de coisa julgada. No mérito, pleiteia a integral reforma do julgado. Alternativamente, busca modificar os critérios para cálculo dos juros da mora e da correção monetária.
Subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0001697-95.2009.4.03.9999/SP
VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
DA REMESSA OFICIAL
O novo Estatuto processual trouxe inovações no tema da remessa ex officio, mais especificamente, estreitou o funil de demandas cujo trânsito em julgado é condicionado ao reexame pelo segundo grau de jurisdição, para tanto elevou o valor de alçada, verbis:
Convém recordar que no antigo CPC, dispensava do reexame obrigatório a sentença proferida nos casos CPC, art. 475, I e II sempre que a condenação, o direito controvertido, ou a procedência dos embargos em execução da dívida ativa não excedesse a 60 (sessenta) salários mínimos. Contrario sensu, aquelas com condenação superior a essa alçada deveriam ser enviadas à Corte de segundo grau para que pudesse receber, após sua cognição, o manto da coisa julgada.
Pois bem. A questão que se apresenta, no tema Direito Intertemporal, é de se saber se as demandas remetidas ao Tribunal antes da vigência do Novo Diploma Processual - e, consequentemente, sob a égide do antigo CPC -, vale dizer, demandas com condenações da União e autarquias federais em valor superior a 60 salários mínimos, mas inferior a 1000 salários mínimos, se a essas demandas aplicar-se-ia o novel Estatuto e com isso essas remessa s não seriam conhecidas (por serem inferiores a 1000 SM), e não haveria impedimento - salvo recursos voluntários das partes - ao seu transito em julgado; ou se, pelo contrario, incidiria o antigo CPC (então vigente ao momento em que o juízo de primeiro grau determinou envio ao Tribunal ) e persistiria, dessa forma, o dever de cognição pela Corte Regional para que, então, preenchida fosse a condição de eficácia da sentença.
Para respondermos, insta ser fixada a natureza jurídica da remessa oficial.
Natureza Juridica Da remessa Oficial
Cuida-se de condição de eficácia da sentença, que só produzirá seus efeitos jurídicos após ser ratificada pelo Tribunal.
Portanto, não se trata o reexame necessário de recurso, vez que a legislação não a tipificou com essa natureza processual.
Apenas com o reexame da sentença pelo Tribunal haverá a formação de coisa julgada e a eficácia do teor decisório.
Ao reexame necessário aplica-se o principio inquisitório ( e não o principio dispositivo, próprio aos recursos), podendo a Corte de segundo grau conhecer plenamente da sentença e seu mérito, inclusive para modificá-la total ou parcialmente. Isso ocorre por não ser recurso, e por a remessa oficial implicar efeito translativo pleno, o que, eventualmente, pode agravar a situação da União em segundo grau.
Finalidades e estrutura diversas afastam o reexame necessário do capítulo recursos no processo civil.
Em suma, constitui o instituto em "condição de eficácia da sentença", e seu regramento será feito por normas de direito processual.
Direito Intertemporal
Como vimos, não possuindo a remessa oficial a natureza de recurso, na produz direito subjetivo processual para as partes, ou para a União. Esta, enquanto pessoa jurídica de Direito Publico, possui direito de recorrer voluntariamente. Aqui temos direitos subjetivos processuais. Mas não os temos no reexame necessário, condição de eficácia da sentença que é.
A propósito oportuna lição de Nelson Nery Jr.:
Por consequência, como o Novo CPC modificou o valor de alçada para causas que devem obrigatoriamente ser submetidas ao segundo grau de jurisdição, dizendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores inferior a 1000 salários mínimos, esse preceito tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, inobstante remetidos pelo juízo a quo na vigência do anterior Diploma Processual.
Declarações de Sindicato de Trabalhadores Rurais fazem prova do quanto nelas alegado, desde que devidamente homologadas pelo Ministério Público ou pelo INSS, órgãos competentes para tanto, nos exatos termos do que dispõe o art. 106, III, da Lei 8.213/91, seja em sua redação original, seja com a alteração levada a efeito pela Lei 9.063/95.
Na mesma seara, declarações firmadas por supostos ex-empregadores ou subscritas por testemunhas, noticiando a prestação do trabalho na roça, não se prestam ao reconhecimento então pretendido, tendo em conta que equivalem a meros depoimentos reduzidos a termo, sem o crivo do contraditório, conforme entendimento já pacificado no âmbito desta Corte.
Igualmente não alcançam os fins pretendidos, a apresentação de documentos comprobatórios da posse da terra pelos mesmos ex-empregadores, visto que não trazem elementos indicativos da atividade exercida pela parte requerente.
Já a mera demonstração, por parte do autor, de propriedade rural, só se constituirá em elemento probatório válido desde que traga a respectiva qualificação como lavrador ou agricultor. No mesmo sentido, a simples filiação a sindicato rural só será considerada mediante a juntada dos respectivos comprovantes de pagamento das mensalidades.
Tem-se, por definição, como início razoável de prova material, documentos que tragam a qualificação da parte autora como lavrador, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos por órgãos públicos. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp nº 346067, Rel. Min. Jorge Scartezzini, v.u., DJ de 15.04.2002, p. 248.
Da mesma forma, a qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a partir da celebração do matrimônio, consoante remansosa jurisprudência já consagrada pelos Tribunais.
Na atividade desempenhada em regime de economia familiar, toda a documentação comprobatória, como talonários fiscais e títulos de propriedade, é expedida, em regra, em nome daquele que faz frente aos negócios do grupo familiar. Ressalte-se, contudo, que nem sempre é possível comprovar o exercício da atividade em regime de economia familiar através de documentos. Muitas vezes o pequeno produtor cultiva apenas o suficiente para o consumo da família e, caso revenda o pouco do excedente, não emite a correspondente nota fiscal, cuja eventual responsabilidade não está sob análise nesta esfera. O homem simples, oriundo do meio rural, comumente efetua a simples troca de parte da sua colheita por outros produtos de sua necessidade que um sitiante vizinho eventualmente tenha colhido ou a entrega como forma de pagamento pela parceria na utilização do espaço de terra cedido para plantar.
De qualquer forma, é entendimento já consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AG nº 463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09/09/03) que documentos apresentados em nome dos pais, ou outros membros da família, que os qualifiquem como lavradores, constituem início de prova do trabalho de natureza rurícola dos filhos.
O trabalho urbano de membro da família não descaracteriza, por si só, o exercício de trabalho rural em regime de economia familiar de outro. Para ocorrer essa descaracterização, é necessária a comprovação de que a renda obtida com a atividade urbana é suficiente à subsistência da família.
O art. 106 da Lei 8.213/91 apresenta um rol de documentos que não configura numerus clausus, já que o "sistema processual brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado" (AC nº 94.03.025723-7/SP, TRF 3ª Região, Rel. Juiz Souza Pires, 2º Turma, DJ 23/11/1994, p. 67691), cabendo ao Juízo, portanto, a prerrogativa de decidir sobre a sua validade e a sua aceitação.
No que se refere ao recolhimento das contribuições previdenciárias, destaco que o dever legal de promover seu recolhimento junto ao INSS e descontar da remuneração do empregado a seu serviço compete exclusivamente ao empregador, por ser este o responsável pelo seu repasse aos cofres da Previdência, a quem cabe a sua fiscalização, possuindo, inclusive, ação própria para haver o seu crédito, podendo exigir do devedor o cumprimento da legislação.
No caso da prestação de trabalho em regime de economia familiar, é certo que o segurado é dispensado do período de carência, nos termos do disposto no art. 26, III, da Lei de Benefícios e, na condição de segurado especial, assim enquadrado pelo art. 11, VII, da legislação em comento, caberia o dever de recolher as contribuições tão-somente se houvesse comercializado a produção no exterior, no varejo, isto é, para o consumidor final, a empregador rural pessoa física ou a outro segurado especial (art. 30, X, da Lei de Custeio).
Por fim, outra questão que suscita debates é a referente ao trabalho urbano eventualmente exercido pelo segurado ou por seu cônjuge, cuja qualificação como lavrador lhe é extensiva. Perfilho do entendimento no sentido de que o desempenho de atividade urbana, de per si, não constitui óbice ao reconhecimento do direito aqui pleiteado, desde que o mesmo tenha sido exercido por curtos períodos, especialmente em época de entressafra, quando o humilde campesino se vale de trabalhos esporádicos em busca da sobrevivência.
Da mesma forma, o ingresso no mercado de trabalho urbano não impede a concessão da aposentadoria rural, na hipótese de já restar ultimada, em tempo anterior, a carência exigida legalmente, considerando não só as datas do início de prova mais remoto e da existência do vínculo empregatício fora da área rural, como também que a prova testemunhal, segura e coerente, enseje a formação da convicção deste julgador acerca do trabalho campesino exercido no período.
Ao caso dos autos.
Inicialmente, verifico que a requerente nasceu em 1925 e preencheu a idade mínima exigida em 1980, antes do advento da Lei nº 8.213/91, motivo pelo qual o regime jurídico adotado para o deslinde da causa seria aquele vigente à época da ocorrência dos fatos necessários para gerar o direito ao benefício. No caso vertente, à época do implemento da idade mínima exigida para a concessão do benefício, vigorava a Lei Complementar nº 11/71, que segundo entendimento firmado pelo Excelso Pretório, ao dispor que o art. 202, I, da Constituição da República, em sua redação original, não era auto-aplicável (STF; Tribunal Pleno; RE 175520 embargos/RS; Rel. Min. Moreira Alves; j. 29.10.1997; DJ 06.02.1998), sendo que aquele diploma legal estabelecia como idade mínima para a concessão do benefício de aposentadoria por velhice 65 anos (art. 4º) no valor de 50% do maior salário mínimo vigente no país, devido somente ao chefe ou arrimo de família, razão pela qual, à luz da Lei Complementar nº 11/71, a autora não fazia jus ao benefício de aposentadoria por velhice.
Entretanto, com o advento da Lei n. 8.213/91, os fatos postos em Juízo devem ser apreciados segundo o regramento traçado por este diploma legal, em consonância com o disposto no art. 462 do Código de Processo Civil, que impinge ao julgador considerar fato constitutivo, modificativo ou extintivo de direito que possa influir no julgamento da lide. Assim, tem a autora direito à aposentadoria, conforme a nova sistemática, desde que comprove o trabalho no campo, ainda que de forma descontínua, nos 60 (sessenta) meses anteriores à sua edição.
No mais, nos termos da Súmula de nº 149 do Superior Tribunal de Justiça, é necessário que a prova testemunhal venha acompanhada de início razoável de prova documental, in verbis:
No caso em questão, a requerente apresentou cópia da certidão de óbito de seu cônjuge, ocorrido em 16/11/1998, na qual ele foi qualificado como lavrador aposentado (fl. 15).
É pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira.
No entanto, o extrato do sistema CNIS de fls. 257 demonstra que ao menos desde 1986, e até o ano de sua morte, em 1998, o marido da autora exerceu apenas atividades de natureza urbana, o que infirma o valor probatório do documento de fls. 15.
Ademais, não veio aos autos a certidão de casamento da promovente, que indicaria o tempo de vida em comum durante o qual seria possível a esta valer-se da qualificação profissional de seu cônjuge. Por outro lado, a fls. 254/verso há notícia de que o casamento teria ocorrido em 1996, pouco mais de dois anos antes do óbito do cônjuge varão.
Assim, inidôneo o único documento trazido pela parte autora, inexiste nos autos qualquer elemento, ainda que indiciário, que demonstre sua condição de rurícola da autora pelo tempo necessário à concessão do benefício almejado.
Muito embora as testemunhas tenham afirmado o trabalho rural, é impossível reconhecer o período de atividade rural com base apenas em prova oral.
Nesse sentido, os seguintes julgados desta 8ª Turma:
Observo ainda que não veio aos autos qualquer documento em que a promovente tenha sido qualificada como trabalhadora rural.
Dessa forma, em face da ausência dos requisitos legais para a concessão do benefício, a sentença deve ser reformada.
Consoante entendimento firmado pela Terceira Seção desta Corte, deixo de condenar a parte autora ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, pois que beneficiária da assistência judiciária gratuita (TRF - 3ª Seção, AR n.º 2002.03.00.014510-0/SP, Rel. Des. Fed. Marisa Santos, j. 10.05.2006, v.u., DJU 23.06.06, p. 460).
Por fim, advirto a promovente acerca do disposto nos arts. 79 e 80, II VI e VII do Código de Processo Civil.
Ante o exposto, não conheço da remessa oficial, rejeito a preliminar de coisa julgada e, no mérito, dou provimento à apelação do INSS, para reformar a r. sentença e julgar improcedente o pedido, nos termos da fundamentação.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 05/06/2017 17:44:18 |