D.E. Publicado em 04/11/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial e dar provimento ao apelo do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0029494-02.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
A parte autora ajuizou a presente ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando, em síntese, o reconhecimento de labor rural exercido em regime de economia familiar e, portanto, sem o correspondente registro em CTPS, com fins de viabilizar a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.
Às fls. 47/48, o Juízo de Primeiro Grau concedeu os benefícios da Justiça Gratuita, porém, indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.
Prova oral colacionada à fl. 127 (gravação em mídia digital).
A sentença julgou procedente o pedido, condenando a autarquia federal a conceder o benefício de aposentadoria por idade rural em favor da autora, a partir da data do requerimento administrativo, qual seja, 27.05.2013. Concedida a tutela antecipada para determinar a implantação da benesse no prazo de 30 (trinta) dias. Consectários explicitados. Honorários advocatícios arbitrados no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), com fundamento no art. 20, § 4º, do CPC/1973. Custas na forma da lei (fls. 94/98).
Sentença submetida a reexame necessário.
Inconformado, recorre o INSS (fls. 101/107), sustentando o desacerto da r. sentença, haja vista a ausência de provas materiais do alegado exercício de atividade rurícola pela autora, bem como do implemento do requisito da carência. Assere, ainda, a inadequação do benefício em face da dedicação exclusiva do cônjuge da autora às lides urbanas, conforme documentação colacionada aos autos. Por fim, requer a alteração dos critérios de incidência dos consectários legais.
Com contrarrazões (fls. 121/123), subiram os autos para este E. Tribunal.
É o Relatório.
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0029494-02.2016.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Ab initio, insta salientar que em virtude da alteração legislativa decorrente da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei n.º 13.105/15), a remessa oficial não há de ser conhecida.
DA REMESSA OFICIAL
O novo Estatuto processual trouxe inovações no tema da remessa ex officio, mais especificamente, estreitou o funil de demandas cujo trânsito em julgado é condicionado ao reexame pelo segundo grau de jurisdição, para tanto elevou o valor de alçada, verbis:
Convém recordar que no antigo CPC, dispensava do reexame obrigatório a sentença proferida nos casos CPC, art. 475, I e II sempre que a condenação, o direito controvertido, ou a procedência dos embargos em execução da dívida ativa não excedesse a 60 (sessenta) salários mínimos. Contrario sensu, aquelas com condenação superior a essa alçada deveriam ser enviadas à Corte de segundo grau para que pudesse receber, após sua cognição, o manto da coisa julgada.
Pois bem. A questão que se apresenta, no tema Direito Intertemporal, é de se saber se as demandas remetidas ao Tribunal antes da vigência do Novo Diploma Processual - e, consequentemente, sob a égide do antigo CPC -, vale dizer, demandas com condenações da União e autarquias federais em valor superior a 60 salários mínimos, mas inferior a 1000 salários mínimos, se a essas demandas aplicar-se-ia o novel Estatuto e com isso essas remessas não seriam conhecidas (por serem inferiores a 1000 SM), e não haveria impedimento - salvo recursos voluntários das partes - ao seu trânsito em julgado; ou se, pelo contrario, incidiria o antigo CPC (então vigente ao momento em que o juízo de primeiro grau determinou envio ao Tribunal) e persistiria, dessa forma, o dever de cognição pela Corte Regional para que, então, preenchida fosse a condição de eficácia da sentença.
Para respondermos, insta ser fixada a natureza jurídica da remessa oficial.
NATUREZA JURÍDICA DA REMESSA OFICIAL
Cuida-se de condição de eficácia da sentença, que só produzirá seus efeitos jurídicos após ser ratificada pelo Tribunal.
Portanto, não se trata o reexame necessário de recurso, vez que a legislação não a tipificou com essa natureza processual.
Apenas com o reexame da sentença pelo Tribunal haverá a formação de coisa julgada e a eficácia do teor decisório.
Ao reexame necessário aplica-se o principio inquisitório (e não o principio dispositivo, próprio aos recursos), podendo a Corte de segundo grau conhecer plenamente da sentença e seu mérito, inclusive para modificá-la total ou parcialmente. Isso ocorre por não ser recurso, e por a remessa oficial implicar efeito translativo pleno, o que, eventualmente, pode agravar a situação da União em segundo grau.
Finalidades e estrutura diversas afastam o reexame necessário do capítulo recursos no processo civil.
Em suma, constitui o instituto em "condição de eficácia da sentença", e seu regramento será feito por normas de direito processual.
DIREITO INTERTEMPORAL
Como vimos, não possuindo a remessa oficial a natureza de recurso, na produz direito subjetivo processual para as partes, ou para a União. Esta, enquanto pessoa jurídica de Direito Publico, possui direito de recorrer voluntariamente. Aqui temos direitos subjetivos processuais. Mas não os temos no reexame necessário, condição de eficácia da sentença que é.
A propósito oportuna lição de Nelson Nery Jr.:
Por consequência, como o Novo CPC modificou o valor de alçada para causas que devem obrigatoriamente ser submetidas ao segundo grau de jurisdição, dizendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores inferior a 1000 salários mínimos, esse preceito tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, inobstante remetidos pelo juízo a quo na vigência do anterior Diploma Processual.
Diante disso, não conheço da remessa oficial.
Realizadas tais considerações, observo que a controvérsia havida no presente feito cinge-se à análise do implemento dos requisitos legais necessários a concessão do benefício de aposentadoria por idade à rurícola.
A Lei n.º 8.213/91, em seus artigos 39, inciso I, 48, 142 e 143, estabelece os requisitos necessários para a concessão de aposentadoria por idade rural.
Nesses termos, observo que além do requisito etário, o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rurícola, mesmo que descontínua, em número de meses idêntico à carência do benefício.
Os dispositivos legais citados devem ser analisados em consonância com o regramento contido no artigo 142, do mesmo diploma legal, que assim dispõe:
No mais, segundo o RESP n.º 1.354.908, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC/1973, art. 543-C), necessária à comprovação do tempo de atividade rural no período imediatamente anterior à aquisição da idade:
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência, como dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.
No que se refere à comprovação do labor campesino, algumas considerações se fazem necessárias, uma vez que balizam o entendimento deste Relator no que diz com a valoração das provas comumente apresentadas.
Declarações de Sindicato de Trabalhadores Rurais fazem prova do quanto nelas alegado, desde que devidamente homologadas pelo Ministério Público ou pelo INSS, órgãos competentes para tanto, nos exatos termos do que dispõe o art. 106, inc. III, da Lei nº 8.213/91, seja em sua redação original, seja com a alteração levada a efeito pela Lei nº 9.063/95.
Na mesma seara, declarações firmadas por supostos ex-empregadores ou subscritas por testemunhas, noticiando a prestação do trabalho na roça, não se prestam ao reconhecimento então pretendido, tendo em conta que equivalem a meros depoimentos reduzidos a termo, sem o crivo do contraditório, conforme entendimento já pacificado no âmbito desta Corte.
Igualmente não alcançam os fins pretendidos, a apresentação de documentos comprobatórios da posse da terra pelos mesmos ex-empregadores, visto que não trazem elementos indicativos da atividade exercida pela parte requerente.
Já a mera demonstração, por parte do autor, de propriedade rural, só se constituirá em elemento probatório válido desde que traga a respectiva qualificação como lavrador ou agricultor. No mesmo sentido, a simples filiação a sindicato rural só será considerada mediante a juntada dos respectivos comprovantes de pagamento das mensalidades.
Têm-se, por definição, como início razoável de prova material, documentos que tragam a qualificação da parte autora como lavrador, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos por órgãos públicos. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp nº 346067, Rel. Min. Jorge Scartezzini, v.u., DJ de 15.04.2002, p. 248.
Da mesma forma, a qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a partir da celebração do matrimônio, consoante remansosa jurisprudência já consagrada pelos Tribunais.
Na atividade desempenhada em regime de economia familiar, toda a documentação comprobatória, como talonários fiscais e títulos de propriedade, é expedida, em regra, em nome daquele que faz frente aos negócios do grupo familiar. Ressalte-se, contudo, que nem sempre é possível comprovar o exercício da atividade em regime de economia familiar através de documentos. Muitas vezes o pequeno produtor cultiva apenas o suficiente para o consumo da família e, caso revenda o pouco do excedente, não emite a correspondente nota fiscal, cuja eventual responsabilidade não está sob análise nesta esfera. O homem simples, oriundo do meio rural, comumente efetua a simples troca de parte da sua colheita por outros produtos de sua necessidade que um sitiante vizinho eventualmente tenha colhido ou a entrega como forma de pagamento pela parceria na utilização do espaço de terra cedido para plantar.
De qualquer forma, é entendimento já consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AG nº 463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09.09.2003) que documentos apresentados em nome dos pais, ou outros membros da família, que os qualifiquem como lavradores, constituem início de prova do trabalho de natureza rurícola dos filhos.
O trabalho urbano de membro da família não descaracteriza, por si só, o exercício de trabalho rural em regime de economia familiar de outro. Para ocorrer essa descaracterização, é necessária a comprovação de que a renda obtida com a atividade urbana é suficiente à subsistência da família.
O art. 106 da Lei n.º 8.213/91 apresenta um rol de documentos que não configura numerus clausus, já que o "sistema processual brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado" (AC nº 94.03.025723-7/SP, TRF 3ª Região, Rel. Juiz Souza Pires, 2º Turma, DJ 23.11.94, p. 67691), cabendo ao Juízo, portanto, a prerrogativa de decidir sobre a sua validade e a sua aceitação.
No que se refere ao recolhimento das contribuições previdenciárias, destaco que o dever legal de promover seu recolhimento junto ao INSS e descontar da remuneração do empregado a seu serviço compete exclusivamente ao empregador, por ser este o responsável pelo seu repasse aos cofres da Previdência, a quem cabe a sua fiscalização, possuindo, inclusive, ação própria para haver o seu crédito, podendo exigir do devedor o cumprimento da legislação. No caso da prestação de trabalho em regime de economia familiar, é certo que o segurado é dispensado do período de carência, nos termos do disposto no art. 26, inc. III, da Lei de Benefícios e, na condição de segurado especial, assim enquadrado pelo art. 11, inc. VII, da legislação em comento, caberia o dever de recolher as contribuições tão-somente se houvesse comercializado a produção no exterior, no varejo, isto é, para o consumidor final, a empregador rural pessoa física ou a outro segurado especial (art. 30, inc. X, da Lei de Custeio).
Por fim, outra questão que suscita debates é a referente ao trabalho urbano eventualmente exercido pelo segurado ou por seu cônjuge, cuja qualificação como lavrador lhe é extensiva. Perfilho do entendimento no sentido de que o desempenho de atividade urbana, de per si, não constitui óbice ao reconhecimento do direito aqui pleiteado, desde que o mesmo tenha sido exercido por curtos períodos, especialmente em época de entressafra, quando o humilde campesino se vale de trabalhos esporádicos em busca da sobrevivência.
Da mesma forma, o ingresso no mercado de trabalho urbano não impede a concessão da aposentadoria rural, na hipótese de já restar ultimada, em tempo anterior, a carência exigida legalmente, considerando não só as datas do início de prova mais remoto e da existência do vínculo empregatício fora da área rural, como também que a prova testemunhal, segura e coerente, enseje a formação da convicção deste julgador acerca do trabalho campesino exercido no período.
Na hipótese em apreço, observo que a demandante completou a idade mínima (55 anos) em 19.11.1998 (fl. 21), devendo, por consequência, comprovar o exercício de atividade rural por 102 (cento e dois) meses, a teor da tabela estabelecida pelo art. 142 da Lei de Benefícios.
Nos termos da Súmula de nº 149 do Superior Tribunal de Justiça, é necessário que a prova testemunhal venha acompanhada de, pelo menos, um início razoável de prova documental, in verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
No caso em questão, para comprovar a sua condição de trabalhadora rural, a requerente, se limitou a apresentar os seguintes documentos:
a) certidão de casamento, emitida aos 13.09.1962, indicando o ofício de "lavrador" exercido pelo cônjuge, enquanto a própria autora foi qualificada como "doméstica" (fl. 25);
b) registro de imóvel rural firmado em nome do cônjuge da autora aos 16.05.2001 (fls. 30/31 e 44/45) e recibo de entrega da declaração de ITR no ano de 2012 (fls. 36/41); e
c) declaração emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, Artur Nogueira, Paulínia e Campinas (fls. 32/34), porém, sem a necessária homologação pelo INSS e/ou Ministério Público.
Insta salientar que os documentos relativos à imóvel rural, por si só, não se prestam a comprovação da efetiva dedicação da demandante à faina campesina, como pretendido na exordial, sendo indispensável a análise cuidadosa dos demais elementos de convicção colacionados aos autos.
Nesses termos, verifico que o alegado exercício de atividade rurícola, em regime de economia familiar foi amplamente rechaçado pela notícia de que o cônjuge da autora, em verdade, exerceu atividades profissionais de natureza urbana na maior parte de sua vida laboral (CNIS - fls. 108/109), assim como a própria autora, conforme se depreende dos vínculos laborais firmados em sua CTPS (fls. 27/28).
Além disso, observo que na integralidade dos documentos apresentados, a demandante foi identificada sob a ocupação de "doméstica" ou "do lar", circunstância que não se coaduna com o alegado exercício de atividade rurícola.
Assim, tem-se que o único documento apresentado pela demandante, apto a demonstrar sua dedicação à faina campesina foi sua certidão de casamento emitida em meados de 1962, indicando o ofício de "lavrador" exercido, à época, pelo cônjuge, ou seja, mais de 35 (trinta e cinco) anos antes do implemento do requisito etário, o que somente se verificou em novembro/1998.
Assim, forçoso concluir que a ausência de início razoável de provas materiais indicando a dedicação da autora ao exercício de atividade rurícola somada a informação de que seu marido sempre se dedicou ao labor urbano, a meu ver, inviabiliza a concessão do benefício almejado, nos exatos termos explicitados pelo Juízo de Primeiro Grau.
Neste sentido, confira-se:
Consigno, por oportuno, que muito embora as testemunhas tenham afirmado o trabalho rural da autora desde a tenra idade, é impossível reconhecer o período de atividade rural com base apenas em prova oral.
Nesse sentido, os seguintes julgados desta E. 8ª Turma:
Portanto, desnecessária a incursão sobre a credibilidade ou não da prova testemunhal, uma vez que esta, isoladamente, não se presta à declaração de existência de tempo de serviço rural.
In casu, portanto, a demandante logrou êxito em demonstrar o preenchimento da condição etária, porém, não o fez quanto à comprovação do labor no meio campesino. O conjunto probatório desarmônico não permite a conclusão de que a parte autora exerceu a atividade como rurícola pelo período exigido pela Lei n.º 8.213/91.
Diante da insuficiência do conjunto probatório presente nos autos, para efeito de comprovação do exercício de atividade rural, não pode fazer jus a parte autora à concessão do benefício pleiteado, o que enseja a improcedência do pedido veiculado na exordial e a consequente revogação da tutela antecipada concedida pelo Juízo de Primeiro Grau.
Sem condenação da autora ao pagamento de custas e honorários advocatícios, em face da prévia concessão da gratuidade processual.
Isto posto, NÃO CONHEÇO DA REMESSA OFICIAL e DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para julgar improcedente o pedido de concessão do benefício de aposentadoria por idade rural à autora e, por consequência, após a certificação do trânsito em julgado, determino a revogação da tutela antecipada concedida anteriormente.
É o voto.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 19/10/2016 16:33:20 |