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. TRF3. 0038635-21.2011.4.03.9999

Data da publicação: 12/07/2020 01:16:14

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA. ARTS. 39, I, 48, e 143 DA LEI Nº 8.213/91. PROVAS MATERIAL E TESTEMUNHAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. CARÊNCIA CUMPRIDA. BENEFÍCIO CONCEDIDO. VERBA HONORÁRIA. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. - O benefício de aposentadoria por idade, ao trabalhador rural, encontra-se disciplinado nos artigos 39, inciso I, 48 e 143, da Lei nº 8.213/91. - Além do requisito etário, o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício. - Suficiência do conjunto probatório (documentos e testemunhas). - Verba honorária fixada em 10% (dez por cento), considerados a natureza, o valor e as exigências da causa, sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ. - A correção monetária e os juros moratórios incidirão nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor, por ocasião da execução do julgado. - Apelação parcialmente provida. (TRF 3ª Região, OITAVA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1683026 - 0038635-21.2011.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS, julgado em 23/05/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/06/2016 )


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 09/06/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0038635-21.2011.4.03.9999/SP
2011.03.99.038635-8/SP
RELATOR:Desembargador Federal DAVID DANTAS
APELANTE:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP233235 SOLANGE GOMES ROSA
:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
APELADO(A):MARIA DA CONCEICAO LOPES
ADVOGADO:SP087017 GUSTAVO MARTINI MULLER
No. ORIG.:10.00.00056-8 1 Vr ITARARE/SP

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA. ARTS. 39, I, 48, e 143 DA LEI Nº 8.213/91. PROVAS MATERIAL E TESTEMUNHAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. CARÊNCIA CUMPRIDA. BENEFÍCIO CONCEDIDO. VERBA HONORÁRIA. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA.
- O benefício de aposentadoria por idade, ao trabalhador rural, encontra-se disciplinado nos artigos 39, inciso I, 48 e 143, da Lei nº 8.213/91.
- Além do requisito etário, o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.
- Suficiência do conjunto probatório (documentos e testemunhas).
- Verba honorária fixada em 10% (dez por cento), considerados a natureza, o valor e as exigências da causa, sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ.
- A correção monetária e os juros moratórios incidirão nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor, por ocasião da execução do julgado.
- Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 23 de maio de 2016.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0038635-21.2011.4.03.9999/SP
2011.03.99.038635-8/SP
RELATOR:Desembargador Federal DAVID DANTAS
APELANTE:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP233235 SOLANGE GOMES ROSA
:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
APELADO(A):MARIA DA CONCEICAO LOPES
ADVOGADO:SP087017 GUSTAVO MARTINI MULLER
No. ORIG.:10.00.00056-8 1 Vr ITARARE/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:

Cuida-se de ação proposta por Maria da Conceição Lopes em 10/05/2010, com vistas à concessão de aposentadoria por idade a rurícola.

Data de nascimento da parte autora - 13/07/1932 (fl. 07).

Documentos (fls. 07/12).

Justiça gratuita concedida (fl. 14).

Depoimentos testemunhais colhidos em audiência (fls. 42/43).

A sentença prolatada em 04/04/2011 (fls. 45/48) julgou procedente o pedido, condenando o INSS ao pagamento do benefício, com termo inicial na data da citação, e correção monetária e juros de mora sobre os atrasados. Pagamento de custas e despesas processuais pelo INSS, além de verba honorária no importe de R$ 800,00. Remessa oficial não-determinada.

O INSS apelou (fls. 50/58), pela reforma integral do julgado; noutra hipótese, da manutenção do benefício, pelas fixação dos juros de mora e correção monetária nos termos da Lei nº 11.960/09, e estipulação da verba honorária em 10% sobre a condenação, observada a letra da Súmula 111 do C. STJ.

Com as contrarrazões ofertadas pela parte autora (fls. 62/66), subiram os autos este Egrégio Tribunal - consigno que os presentes autos foram distribuídos nesta Corte em 22/09/2011, conforme se observa de fl. 67vº, sendo que, por força do Ato nº 11.934, de 04/10/2013, fui designado para compor a 8ª Turma, a partir de então.

Aos 15/03/2014 (fls. 74/79), proferi decisão monocrática nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil/1973, dando provimento ao apelo autárquico, reformando in totum a r. sentença.

Na sequência, foram interpostos pela parte autora agravo legal (fls. 92/102) e embargos de declaração (fls. 122/132), sendo que aquele primeiro teve negado seu provimento, em voto unânime da Oitava Turma, aos 09/06/2014 (fls. 103/109); quanto aos últimos, os declaratórios, foram também unanimemente rejeitados, aos 13/10/2014 (fls. 133/136).

Por sua vez, o Recurso Especial interposto com espeque no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c" da Excelsa Carta (fls. 156/173) restara admitido em decisão prolatada aos 09/06/2015 (fls. 177/178), de lavra da Exma. Vice-Presidente Desembargadora Federal Cecília Marcondes.

Remetidos os autos ao C. Superior Tribunal de Justiça, foram distribuídos ao Exmo. Ministro Sérgio Kukina que, aos 24/09/2015, decidiu dar parcial provimento ao recurso especial, em menor extensão ao pedido deduzido pela parte recorrente, determinando o regresso dos autos ao TRF3, para prosseguimento do julgamento da causa, com análise da possibilidade da prova testemunhal ampliando-se a eficácia probatória dos documentos acostados nos autos, atestando o efetivo exercício de atividade rural, no período de carência legalmente exigido para a percepção do benefício postulado.

Alfim, o agravo legal (fls. 193vº/197) combatendo o decisum suprarreferido teve seu provimento negado, nos termos do acórdão prolatado pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 27/10/2015.

Certificado o trânsito em julgado da decisão em 11/12/2015, retornou o feito a este Tribunal Federal, abrindo-se-me a conclusão em 08/04/2016.

É O RELATÓRIO.


DAVID DANTAS
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0038635-21.2011.4.03.9999/SP
2011.03.99.038635-8/SP
RELATOR:Desembargador Federal DAVID DANTAS
APELANTE:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP233235 SOLANGE GOMES ROSA
:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
APELADO(A):MARIA DA CONCEICAO LOPES
ADVOGADO:SP087017 GUSTAVO MARTINI MULLER
No. ORIG.:10.00.00056-8 1 Vr ITARARE/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:

De início, quanto à r. sentença, cumpre dar ênfase às datas, de sua prolação (aos 04/04/2011 - fl. 48) e ciência (disponibilização, via sistema informatizado, aos 18/04/2011 - fl. 49; e intimação pessoal do INSS, aos 03/05/2011 - fl. 48).

Senão vejamos.

A Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural - FUNRURAL, em seu art. 4º, dispunha ser a aposentadoria por velhice devida ao trabalhador rural que completasse 65 (sessenta e cinco) anos. Em 30 de outubro de 1973, foi publicada a Lei Complementar nº 16, que alterou dispositivos da supracitada lei e fixou, no seu art. 5º, que a qualidade de trabalhador rural dependeria da comprovação de sua atividade pelo menos nos últimos três anos anteriores à data do pedido do benefício, ainda que de forma descontínua.

Também o Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, que aprovou o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social dispunha, litteris:

"Art. 297. A aposentadoria por velhice é devida, a contar da data da entrada do requerimento, ao trabalhador rural que completa 65 (sessenta e cinco) anos de idade e é o chefe ou arrimo de unidade familiar, em valor igual ao da aposentadoria por invalidez (artigo 294)".

A Constituição Federal de 1988 trouxe, em sua redação original, o art. 202, I, in verbis:

"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
I - aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher, reduzido em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, neste incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal" (grifei).

A partir da edição da Lei nº 8.213/91, tal dispositivo constitucional foi definitivamente regulamentado e, portanto, a idade para a concessão da aposentadoria do trabalhador rural diminuída para 60 (sessenta anos), se homem e 55 (cinquenta e cinco), se mulher.

Enquanto a Lei Complementar nº 16/73 exigia que o beneficiário comprovasse o exercício da atividade rural por pelo menos 3 (três) anos, o período de carência estabelecido pela Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, é aquele a que remete a tabela progressiva constante do seu art. 142.

Também neste sentido preceitua a Lei nº 8.213/91, ao prescrever em seus arts. 39, I, 48, §1º e 143 que o benefício da aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais em regime de economia familiar é devido ao segurado especial, assim considerado pelo art. 11, VII, do diploma legal citado, que completar 60 (sessenta) anos de idade, se homem, ou 55 (cinquenta e cinco) anos, se mulher e comprovar o exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período equivalente à carência exigida, nos termos dos art. 26, III, e 142 do referido texto legal.

A lei deu tratamento diferenciado ao rurícola e ao produtor rural em regime de economia familiar, dispensando-os do período de carência, que é o número mínimo de contribuições mensais necessárias para a concessão do benefício, a teor do que preceitua o art. 26, III, c.c. o art. 39, I, ambos da Lei nº 8.213/91, bastando comprovar, tão-somente, o exercício da atividade rural nos termos da tabela progressiva, de caráter transitório, prevista no art. 142 da Lei Previdenciária, que varia de acordo com o ano de implementação das condições legais.

O benefício de aposentadoria por idade, ao trabalhador rural, encontra-se disciplinado nos artigos 39, inciso I, 48 e 143, da Lei nº 8.213/91.

Além do requisito etário, o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.

O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o artigo 142, que assim dispõe:

"Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá a seguinte tabela, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício. (...)".

Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência, como dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.

No que se refere à comprovação do labor campesino, algumas considerações se fazem necessárias, uma vez que balizam o entendimento deste Relator no que diz com a valoração das provas comumente apresentadas.

Declarações de Sindicato de Trabalhadores Rurais fazem prova do quanto nelas alegado, desde que devidamente homologadas pelo Ministério Público ou pelo INSS, órgãos competentes para tanto, nos exatos termos do que dispõe o art. 106, III, da Lei nº 8.213/91, seja em sua redação original, seja com a alteração levada a efeito pela Lei nº 9.063/95.

Na mesma seara, declarações firmadas por supostos ex-empregadores ou subscritas por testemunhas, noticiando a prestação do trabalho na roça, não se prestam ao reconhecimento então pretendido, tendo em conta que equivalem a meros depoimentos reduzidos a termo, sem o crivo do contraditório, conforme entendimento já pacificado no âmbito desta Corte.

Igualmente não alcançam os fins pretendidos, a apresentação de documentos comprobatórios da posse da terra pelos mesmos ex-empregadores, visto que não trazem elementos indicativos da atividade exercida pela parte requerente.

Já a mera demonstração, por parte do autor, de propriedade rural, só se constituirá em elemento probatório válido desde que traga a respectiva qualificação como lavrador ou agricultor. No mesmo sentido, a simples filiação a sindicato rural só será considerada mediante a juntada dos respectivos comprovantes de pagamento das mensalidades.

Tem-se, por definição, como início razoável de prova material, documentos que tragam a qualificação da parte autora como lavrador, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos por órgãos públicos. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp nº 346067, Rel. Min. Jorge Scartezzini, v.u., DJ de 15.04.2002, p. 248.

Da mesma forma, a qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a partir da celebração do matrimônio, consoante remansosa jurisprudência já consagrada pelos Tribunais.

Na atividade desempenhada em regime de economia familiar, toda a documentação comprobatória, como talonários fiscais e títulos de propriedade, é expedida, em regra, em nome daquele que faz frente aos negócios do grupo familiar. Ressalte-se, contudo, que nem sempre é possível comprovar o exercício da atividade em regime de economia familiar através de documentos. Muitas vezes o pequeno produtor cultiva apenas o suficiente para o consumo da família e, caso revenda o pouco do excedente, não emite a correspondente nota fiscal, cuja eventual responsabilidade não está sob análise nesta esfera. O homem simples, oriundo do meio rural, comumente efetua a simples troca de parte da sua colheita por outros produtos de sua necessidade que um sitiante vizinho eventualmente tenha colhido ou a entrega como forma de pagamento pela parceria na utilização do espaço de terra cedido para plantar.

De qualquer forma, é entendimento já consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AG nº 463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09/09/03) que documentos apresentados em nome dos pais, ou outros membros da família, que os qualifiquem como lavradores, constituem início de prova do trabalho de natureza rurícola dos filhos.

O trabalho urbano de membro da família não descaracteriza, por si só, o exercício de trabalho rural em regime de economia familiar de outro. Para ocorrer essa descaracterização, é necessária a comprovação de que a renda obtida com a atividade urbana é suficiente à subsistência da família.

O art. 106 da Lei nº 8.213/91 apresenta um rol de documentos que não configura numerus clausus, já que o "sistema processual brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado" (AC nº 94.03.025723-7/SP, TRF 3ª Região, Rel. Juiz Souza Pires, 2º Turma, DJ 23.11.94, p. 67691), cabendo ao Juízo, portanto, a prerrogativa de decidir sobre a sua validade e a sua aceitação.

Aprecio também a questão, insistentemente trazida à discussão pelo Ente Previdenciário, de que a comprovação do exercício da atividade rural deva se referir ao período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, tal como estabelecido no art. 143 da Lei nº 8.213/91, com redação alterada pela Lei nº 9.063/95.

Adoto o entendimento que inexiste a exigência de que o tempo de trabalho rural deva ser exercido no período imediatamente anterior ao requerimento. Com efeito, a Lei 10.666/2003 dispõe:

Art. 3º. A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§1º. Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.

Ora, vê-se que a lei não distinguiu entre trabalhadores urbanos e rurais, ao introduzir o preceito de que a perda da qualidade de segurado não infirma o direito à aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade, se os requisitos do tempo de contribuição e da carência foram adimplidos em momento anterior.

A circunstância, ainda, de o citado artigo mencionar "tempo de contribuição" não exclui o rurícola, pois o legislador contentou-se aqui em explicitar o requisito geral, que é o da contribuição, nem por isso tencionando afastar de sua abrangência o trabalhador rural que, em alguns casos, por norma especial, é dispensado dos recolhimentos; ademais, o raciocínio albergado pela lei é aplicável do ponto de vista fático tanto aos urbanos como aos rurais, sendo de invocar-se o brocardo Ubi eadem ratio ibi idem jus.

A equiparação dos trabalhadores urbanos e rurais, para fins previdenciários, é garantia da Carta de 1988 e não pode ser olvidada, sem justificativa plausível, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia e à previsão contida no seu art. 194, parágrafo único, II.

No entanto, penso que se as lides campesinas foram abandonadas pela parte autora muitos anos antes do implemento do requisito etário, já não há porque se aplicar a redução de 5 (cinco) anos mencionada no art. 48, §1º, da Lei 8.213/1991, uma vez que tal determinação visou proteger o idoso que, submetido às penosas condições do trabalho no campo, teria o direito de aposentar-se mais cedo. Esse, a meu ver, o raciocínio adotado pelo legislador no art. 48, §3º, da Lei de Benefícios, ao prever o afastamento da redução etária se, para completar o tempo de carência, houver contagem de períodos sob outras categorias.

No que se refere ao recolhimento das contribuições previdenciárias, destaco que o dever legal de promover seu recolhimento junto ao INSS e descontar da remuneração do empregado a seu serviço compete exclusivamente ao empregador, por ser este o responsável pelo seu repasse aos cofres da Previdência, a quem cabe a sua fiscalização, possuindo, inclusive, ação própria para haver o seu crédito, podendo exigir do devedor o cumprimento da legislação. No caso da prestação de trabalho em regime de economia familiar, é certo que o segurado é dispensado do período de carência, nos termos do disposto no art. 26, III, da Lei de Benefícios e, na condição de segurado especial, assim enquadrado pelo art. 11, VII, da legislação em comento, caberia o dever de recolher as contribuições tão-somente se houvesse comercializado a produção no exterior, no varejo, isto é, para o consumidor final, a empregador rural pessoa física ou a outro segurado especial (art. 30, X, da Lei de Custeio).

Por fim, outra questão que suscita debates é a referente ao trabalho urbano eventualmente exercido pelo segurado ou por seu cônjuge, cuja qualificação como lavrador lhe é extensiva. Perfilho do entendimento no sentido de que o desempenho de atividade urbana, de per si, não constitui óbice ao reconhecimento do direito aqui pleiteado, desde que o mesmo tenha sido exercido por curtos períodos, especialmente em época de entressafra, quando o humilde campesino se vale de trabalhos esporádicos em busca da sobrevivência.

Da mesma forma, o ingresso no mercado de trabalho urbano não impede a concessão da aposentadoria rural, na hipótese de já restar ultimada, em tempo anterior, a carência exigida legalmente, considerando não só as datas do início de prova mais remoto e da existência do vínculo empregatício fora da área rural, como também que a prova testemunhal, segura e coerente, enseje a formação da convicção deste julgador acerca do trabalho campesino exercido no período.

Já a mera demonstração, por parte do autor, de propriedade rural, só se constituirá em elemento probatório válido desde que traga a respectiva qualificação como lavrador ou agricultor. No mesmo sentido, a simples filiação a sindicato rural só será considerada mediante a juntada dos respectivos comprovantes de pagamento das mensalidades.

Têm-se, por definição, como início razoável de prova material, documentos que tragam a qualificação da parte autora como lavrador, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos por órgãos públicos. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp nº 346067, Rel. Min. Jorge Scartezzini, v.u., DJ de 15.04.2002, p. 248.

Da mesma forma, a qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a partir da celebração do matrimônio, consoante remansosa jurisprudência já consagrada pelos Tribunais.

Na atividade desempenhada em regime de economia familiar, toda a documentação comprobatória, como talonários fiscais e títulos de propriedade, é expedida, em regra, em nome daquele que faz frente aos negócios do grupo familiar. Ressalte-se, contudo, que nem sempre é possível comprovar o exercício da atividade em regime de economia familiar através de documentos. Muitas vezes o pequeno produtor cultiva apenas o suficiente para o consumo da família e, caso revenda o pouco do excedente, não emite a correspondente nota fiscal, cuja eventual responsabilidade não está sob análise nesta esfera. O homem simples, oriundo do meio rural, comumente efetua a simples troca de parte da sua colheita por outros produtos de sua necessidade que um sitiante vizinho eventualmente tenha colhido ou a entrega como forma de pagamento pela parceria na utilização do espaço de terra cedido para plantar.

De qualquer forma, é entendimento já consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AG nº 463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09/09/03) que documentos apresentados em nome dos pais, ou outros membros da família, que os qualifiquem como lavradores, constituem início de prova do trabalho de natureza rurícola dos filhos.

O art. 106 da Lei nº 8.213/91 apresenta um rol de documentos que não configura numerus clausus, já que o "sistema processual brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado" (AC nº 94.03.025723-7/SP, TRF 3ª Região, Rel. Juiz Souza Pires, 2º Turma, DJ 23.11.94, p. 67691), cabendo ao Juízo, portanto, a prerrogativa de decidir sobre a sua validade e a sua aceitação.

Ao caso dos autos.

A parte autora implementou o requisito etário em 13/07/1987 (fl. 07).

Verifica-se que o preenchimento da idade mínima exigida dera-se antes do advento da Lei nº 8.213/91, motivo pelo qual o regime jurídico adotado para o deslinde da causa seria aquele vigente à época da ocorrência dos fatos necessários para gerar o direito ao benefício. No caso vertente, à época do implemento da idade mínima exigida para a concessão do benefício, vigorava a Lei Complementar n. 11/71, que segundo entendimento firmado pelo Excelso Pretório, ao dispor que o art. 202, I, da Constituição da República, em sua redação original, não era autoaplicável (STF; Tribunal Pleno; RE 175520 embargos/RS; Rel. Min. Moreira Alves; j. 29.10.1997; DJ 06.02.1998), sendo que aquele diploma legal estabelecia como idade mínima para a concessão do benefício de aposentadoria por velhice 65 anos (art. 4º) no valor de 50% do maior salário mínimo vigente no país, devido somente ao chefe ou arrimo de família, razão pela qual, à luz da Lei Complementar n. 11/71, a parte autora não fazia jus ao benefício de aposentadoria por velhice.

Entretanto, com o advento da Lei n. 8.213/91, os fatos postos em Juízo devem ser apreciados segundo o regramento traçado por este diploma legal, em consonância com o disposto no art. 462 do Código de Processo Civil, que impinge ao julgador considerar fato constitutivo, modificativo ou extintivo de direito, que possa influir no julgamento da lide.

Dessa forma, cumprido o requisito etário no ano de 1987, como já referido em parágrafo anterior, deverá a parte autora comprovar o exercício de atividade rural por 60 meses.

No caso em questão, a autora apresentou cópia da certidão de seu casamento com o Sr. Ismael Domingues Lopes, celebrado em 29/07/1950 (fl. 08), anotada a profissão do cônjuge varão como "lavrador", idêntica qualificação profissional vista na cópia da certidão de nascimento da prole, datada de 28/05/1957 (fl. 09).

E a pesquisa ao banco de dados CNIS/Plenus (fls. 28, 59 e 69/72) acusa, em nome da parte autora, a concessão de "pensão por morte de trabalhador rural", desde 01/08/1977.

É pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitindo a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira.

Não desconheço o teor do julgado proferido no REsp n. 1.348.633/SP e, compulsando os autos, verifico que o teor dos depoimentos colhidos (fls. 42/43) reputam-se fonte segura para acolhimento do período rural que pretende a parte autora reconhecer nestes autos como sendo de sua prestação laborativa.

A propósito, o seguinte julgado do C. STJ:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.
2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).
3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.
4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91 levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.
5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.
6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.
7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(STJ, Primeira Seção, REsp nº 1.348.633/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 28/08/2013, DJe 05/12/2014)

Dessa forma, ante o início de prova material corroborado por prova testemunhal, impõe-se reconhecer que a parte autora comprovou o exercício de atividade rural pelo período legalmente exigido.

Satisfeitos os requisitos, é de conceder-se o benefício, segundo orientação dominante do Superior Tribunal de Justiça:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA. PROVA MATERIAL. CERTIDÃO DE CASAMENTO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO NA ESTEIRA DE SÓLIDA JURISPRUDÊNCIA. DISSÍDIO PRETORIANO. Na esteira de sólida jurisprudência da 3ª Seção (cf. EREsp nºs 176,089/SP e 242.798/SP), afasta-se a incidência da Súmula 07/STJ para reconhecer do recurso). A qualificação profissional de lavrador ou agricultor do marido constante dos assentamentos de registro civil, é extensível à esposa, e constitui indício aceitável de prova material do exercício da atividade rural, corroborada com os depoimentos das testemunhas. Divergência jurisprudencial não comprovada a teor do art. 255 e parágrafos do RISTJ. Recurso conhecido, nos termos acima expostos e, neste aspecto, provido para, reformando o v. acórdão de origem, restabelecer a r. sentença monocrática que julgou procedente o pedido da autora, em todos os seus termos." (REsp 272.365 SP, Min. Jorge Scartezzini; REsp 357.646 SP, Min. Gilson Dipp).

Quanto à verba honorária, fixo-a em 10% (dez por cento), considerados a natureza, o valor e as exigências da causa, sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ.

A correção monetária e os juros moratórios incidirão nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor, por ocasião da execução do julgado.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, apenas para fixar o quantum honorário e ditar os critérios de incidência dos juros de mora e correção monetária nos termos supraexpostos.

É COMO VOTO.


DAVID DANTAS
Desembargador Federal


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