
D.E. Publicado em 12/07/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001354-11.2013.4.03.6006/MS
RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação previdenciária proposta em 14/10/2013 com vistas à concessão de aposentadoria por idade a trabalhadora rural.
Documentos (fls. 22-83).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 86).
Citação, em 14/11/2013 (fls. 88).
Prova testemunhal (fls. 106-111).
A r. sentença, prolatada em 24/04/2015, julgou procedente o pedido. Deferida a concessão do benefício sub judice, no valor de um salário-mínimo mensal, desde a data do pedido administrativo, 24/04/2013 (fls. 129-132).
O réu interpôs recurso de apelação. No mérito, pleiteia a reforma da sentença em virtude da ausência de comprovação do labor rural pelo tempo exigido. Para o caso de manutenção do decisum, requer seja o termo inicial do benefício fixado na data da audiência de conciliação e julgamento; a redução da verba honorária para 5% (cinco por cento), incidente somente sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, e incidência de correção monetária e juros de mora de acordo com o art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09 (fls. 135-142).
Com contrarrazões da parte autora (fls. 149-161), subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001354-11.2013.4.03.6006/MS
VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Do benefício de aposentadoria por idade ai trabalhador rural
Declarações de Sindicato de Trabalhadores Rurais fazem prova do quanto nelas alegado, desde que devidamente homologadas pelo Ministério Público ou pelo INSS, órgãos competentes para tanto, nos exatos termos do que dispõe o art. 106, III, da Lei 8.213/91, seja em sua redação original, seja com a alteração levada a efeito pela Lei 9.063/95.
Na mesma seara, declarações firmadas por supostos ex-empregadores ou subscritas por testemunhas, noticiando a prestação do trabalho na roça, não se prestam ao reconhecimento então pretendido, tendo em conta que equivalem a meros depoimentos reduzidos a termo, sem o crivo do contraditório, conforme entendimento já pacificado no âmbito desta Corte.
Igualmente não alcançam os fins pretendidos, a apresentação de documentos comprobatórios da posse da terra pelos mesmos ex-empregadores, visto que não trazem elementos indicativos da atividade exercida pela parte requerente.
Já a mera demonstração, por parte do autor, de propriedade rural, só se constituirá em elemento probatório válido desde que traga a respectiva qualificação como lavrador ou agricultor. No mesmo sentido, a simples filiação a sindicato rural só será considerada mediante a juntada dos respectivos comprovantes de pagamento das mensalidades.
Tem-se, por definição, como início razoável de prova material, documentos que tragam a qualificação da parte autora como lavrador, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos por órgãos públicos. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp nº 346067, Rel. Min. Jorge Scartezzini, v.u., DJ de 15.04.2002, p. 248.
Da mesma forma, a qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a partir da celebração do matrimônio, consoante remansosa jurisprudência já consagrada pelos Tribunais.
Na atividade desempenhada em regime de economia familiar, toda a documentação comprobatória, como talonários fiscais e títulos de propriedade, é expedida, em regra, em nome daquele que faz frente aos negócios do grupo familiar. Ressalte-se, contudo, que nem sempre é possível comprovar o exercício da atividade em regime de economia familiar através de documentos. Muitas vezes o pequeno produtor cultiva apenas o suficiente para o consumo da família e, caso revenda o pouco do excedente, não emite a correspondente nota fiscal, cuja eventual responsabilidade não está sob análise nesta esfera. O homem simples, oriundo do meio rural, comumente efetua a simples troca de parte da sua colheita por outros produtos de sua necessidade que um sitiante vizinho eventualmente tenha colhido ou a entrega como forma de pagamento pela parceria na utilização do espaço de terra cedido para plantar.
De qualquer forma, é entendimento já consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AG nº 463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09/09/03) que documentos apresentados em nome dos pais, ou outros membros da família, que os qualifiquem como lavradores, constituem início de prova do trabalho de natureza rurícola dos filhos.
O trabalho urbano de membro da família não descaracteriza, por si só, o exercício de trabalho rural em regime de economia familiar de outro. Para ocorrer essa descaracterização, é necessária a comprovação de que a renda obtida com a atividade urbana é suficiente à subsistência da família.
O art. 106 da Lei 8.213/91 apresenta um rol de documentos que não configura numerus clausus, já que o "sistema processual brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado" (AC nº 94.03.025723-7/SP, TRF 3ª Região, Rel. Juiz Souza Pires, 2º Turma, DJ 23/11/1994, p. 67691), cabendo ao Juízo, portanto, a prerrogativa de decidir sobre a sua validade e a sua aceitação.
Aprecio também a questão, insistentemente trazida à discussão pelo Ente Previdenciário, de que a comprovação do exercício da atividade rural deva se referir ao período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, tal como estabelecido no art. 143 da Lei 8.213/91, com redação alterada pela Lei 9.063/95.
Adoto o entendimento que inexiste a exigência de que o tempo de trabalho rural deva ser exercido no período imediatamente anterior ao requerimento. Com efeito, a Lei 10.666/2003 dispõe:
Ora, vê-se que a lei não distinguiu entre trabalhadores urbanos e rurais, ao introduzir o preceito de que a perda da qualidade de segurado não infirma o direito à aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade, se os requisitos do tempo de contribuição e da carência foram adimplidos em momento anterior.
A circunstância, ainda, de o citado artigo mencionar "tempo de contribuição" não exclui o rurícola, pois o legislador contentou-se aqui em explicitar o requisito geral, que é o da contribuição, nem por isso tencionando afastar de sua abrangência o trabalhador rural que, em alguns casos, por norma especial, é dispensado dos recolhimentos; ademais, o raciocínio albergado pela lei é aplicável do ponto de vista fático tanto aos urbanos como aos rurais, sendo de invocar-se o brocardo Ubi eadem ratio ibi idem jus.
A equiparação dos trabalhadores urbanos e rurais, para fins previdenciários, é garantia da Carta de 1988 e não pode ser olvidada, sem justificativa plausível, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia e à previsão contida no seu art. 194, parágrafo único, II.
No entanto, penso que se as lides campesinas foram abandonadas pela parte autora muitos anos antes do implemento do requisito etário, já não há porque se aplicar a redução de 5 (cinco) anos mencionada no art. 48, §1º, da Lei 8.213/1991, uma vez que tal determinação visou proteger o idoso que, submetido às penosas condições do trabalho no campo, teria o direito de aposentar-se mais cedo. Esse, a meu ver, o raciocínio adotado pelo legislador no art. 48, §3º, da Lei de Benefícios, ao prever o afastamento da redução etária se, para completar o tempo de carência, houver contagem de períodos sob outras categorias.
No que se refere ao recolhimento das contribuições previdenciárias, destaco que o dever legal de promover seu recolhimento junto ao INSS e descontar da remuneração do empregado a seu serviço compete exclusivamente ao empregador, por ser este o responsável pelo seu repasse aos cofres da Previdência, a quem cabe a sua fiscalização, possuindo, inclusive, ação própria para haver o seu crédito, podendo exigir do devedor o cumprimento da legislação.
No caso da prestação de trabalho em regime de economia familiar, é certo que o segurado é dispensado do período de carência, nos termos do disposto no art. 26, III, da Lei de Benefícios e, na condição de segurado especial, assim enquadrado pelo art. 11, VII, da legislação em comento, caberia o dever de recolher as contribuições tão-somente se houvesse comercializado a produção no exterior, no varejo, isto é, para o consumidor final, a empregador rural pessoa física ou a outro segurado especial (art. 30, X, da Lei de Custeio).
Por fim, outra questão que suscita debates é a referente ao trabalho urbano eventualmente exercido pelo segurado ou por seu cônjuge, cuja qualificação como lavrador lhe é extensiva. Perfilho do entendimento no sentido de que o desempenho de atividade urbana, de per si, não constitui óbice ao reconhecimento do direito aqui pleiteado, desde que o mesmo tenha sido exercido por curtos períodos, especialmente em época de entressafra, quando o humilde campesino se vale de trabalhos esporádicos em busca da sobrevivência.
Da mesma forma, o ingresso no mercado de trabalho urbano não impede a concessão da aposentadoria rural, na hipótese de já restar ultimada, em tempo anterior, a carência exigida legalmente, considerando não só as datas do início de prova mais remoto e da existência do vínculo empregatício fora da área rural, como também que a prova testemunhal, segura e coerente, enseje a formação da convicção deste julgador acerca do trabalho campesino exercido no período.
Ao caso dos autos.
A parte autora, nascida em 08/03/1958 (fl. 26), implementou o requisito etário (cinquenta e cinco anos de idade) no ano de 2013, devendo, portanto, comprovar o exercício de atividade rural por 180 meses (15 anos).
Nos termos da Súmula de nº 149 do Superior Tribunal de Justiça, é necessário que a prova testemunhal venha acompanhada de início razoável de prova documental, in verbis:
a) certidão expedida em 09/04/2013 pelo Juízo da 2ª Zona Eleitoral de Naviraí - MS, no sentido de que consta da inscrição da requerente, cuja data não foi informada, a seguinte ocupação: "trabalhador rural" (fl. 31);
b) comprovantes de aquisição de vacina em nome do marido da autora e de Marcos Roberto Soares, datados de 01/11/1999 (Chácara São Paulo), 11/12/2000 (Sítio São Pedro), 27/04/2000, 09/10/2001, 04/03/2002, 27/02/2002, 08/10/2002, 25/02/2003, e 16/02/2005 (Sítio do Doca) (fls. 32-39, 41, e 43);
c) nota fiscal de entrada, datada em 10/03/2004, relativa a venda de leite in natura, em que Marcos Roberto Soares figura como remetente (fl. 48);
d) carnê de mensalidades da Associação dos Pequenos Produtores de Leite In Natura de Naviraí/MS, em nome do cônjuge da demandante, com pagamentos realizados entre novembro de 1999 e abril de 2003 (fls. 62-80)
Quanto à certidão de casamento e à carteira de trabalho da demandante (fls. 27 e 28-30) não se prestam ao fim a que se destina nestes autos, ou seja, comprovar o exercício de atividade laboral no período informado na exordial. Explico.
Na carteira de trabalho em questão consta vínculo laboral no período de 21/05/1983 a 11/12/1985. No período retromencionado a autora exerceu a profissão de zeladora, a atividade de notória natureza urbana.
Inicialmente, a autora informou que não reside na propriedade rural, a qual teria sido arrendada do Sr. Hipólito há cinco anos. Confessou que seu cônjuge labora como empregado numa usina "já tem uns dez anos que ele voltou pra usina", assim como um de seus filhos, trabalha como motorista. Além de tais rendas, a família também aufere outra, proveniente do aluguel mensal de uma residência na cidade, no valor de R$ 300,00 por mês.
MARIA SEBASTIANA LENIA afirmou conhecer a parte autora há mais de 14 anos. Afirmou, a autora trabalha num sítio com um filho, mexendo com leite, e que outro filho da autora, solteiro, nome Renato, reside com os genitores e, assim como o pai, também trabalha empregado numa usina, como tratorista.
MARIA MIRANDA DO AMARAL disse conhecer a autora por ser vizinha da sua casa na cidade. Afirmou nunca ter ido ao sítio arrendado pela demandante. Informou que o marido da autora trabalha na usina.
Outrossim, da pesquisa realizada no CNIS - Cadastro Nacional de Informações Social (fl. 53) se extrai que o cônjuge da requerente laborou como empregado durante quase toda a sua vida profissional - de 1976 a 2013, à exceção do período de 2001 a 2006, em que verteu contribuições como contribuinte individual.
In casu, portanto, a parte autora logrou êxito em demonstrar o preenchimento da condição etária, porém não o fez quanto à comprovação do labor como rurícola pelo período exigido pela Lei 8.213/91.
Dessa forma, não preenchidos os requisitos legais, é indevido o benefício de aposentadoria por idade pleiteado, devendo ser reformada a r. sentença, na íntegra.
Consoante entendimento firmado pela Terceira Seção desta Corte, deixo de condenar a parte autora ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, porquanto beneficiária da assistência judiciária gratuita (TRF - 3ª Seção, AR n.º 2002.03.00.014510-0/SP, Rel. Des. Fed. Marisa Santos, j. 10.05.2006, v.u., DJU 23.06.06, p. 460).
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 27/06/2016 18:43:08 |