
D.E. Publicado em 21/07/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo retido do INSS, rejeitar a preliminar e dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003304-94.2014.4.03.6111/SP
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de conhecimento, objetivando a concessão de benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal), sobreveio sentença de improcedência do pedido.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, sustentando, preliminarmente, a nulidade da sentença, ao argumento de cerceamento de defesa, uma vez que ausente a realização do estudo social, como forma de comprovar o estado de miserabilidade da parte autora e perícia médica indireta. No mérito, postula a reforma da sentença, para que seja julgado procedente o pedido, sustentando ter demonstrado o preenchimento dos requisitos legais à concessão do benefício pleiteado.
Sem as contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento do recurso de apelação interposto pela autora, e extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, IX, do Código de Processo Civil de 1973.
Agravo retido interposto pelo INSS (fls. 109/110).
É o relatório.
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Preliminarmente, não conheço do agravo retido da autarquia previdenciária, uma vez que sua apreciação não foi requerida expressamente, a teor do que preleciona o artigo 523, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973.
Não merece acolhimento a alegação de cerceamento de defesa, uma vez que as provas necessárias para a constatação dos requisitos do benefício assistencial foram juntadas aos autos. Além disso, não se justifica estender a fase probatória quando presentes elementos suficientes a formar o convencimento do magistrado.
Superada tal questão, analiso o mérito da demanda.
Considerando tratar-se de benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal e Lei nº 8.742/93, portanto, personalíssimo, não é possível sua transferência a terceiros, de maneira que cessa com a morte do beneficiário. No entanto, as parcelas eventualmente devidas a esse título até a data do óbito da parte autora representam crédito constituído em vida, o que não exclui a pretensão dos sucessores de receberem o que não foi pago para o beneficiário.
No caso em exame, a parte autora Dalva Cristina da Silva postulou a concessão de benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal), vindo a falecer no curso do processo, em 03/08/2014, conforme certidão de óbito juntada à fl. 97 e, à fl. 111, foi deferida a habilitação de sua genitora Marli Gonçalves de Jesus Silva.
O benefício assistencial está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, bem como na Lei nº 8.742/93.
Consoante regra do art. 203, inciso V, da CF, a assistência social será prestada à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem "não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família".
A Lei nº 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, veio regulamentar o referido dispositivo constitucional, estabelecendo em seu art. 20 os requisitos para sua concessão, quais sejam, ser pessoa portadora de deficiência ou pessoa idosa, bem como ter renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo.
Considera-se pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, aquela que segundo o disposto no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela lei nº 12.470/2011, tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
Com relação ao primeiro requisito, deve-se atentar para a cópia do laudo pericial juntado às fls. 71/74, segundo o qual a parte autora Dalva é portadora de incapacidade laborativa total, decorrente de sequela de anoxia neonatal, que gera retardo mental não especificado, com dificuldade no aprendizado, o que é suficiente para o cumprimento da exigência legal.
Acresce-se ao retardo mental, o fato de a parte autora Dalva ter sido diagnosticada com neoplasia maligna da mama, não especificada (CID C50.9 - fl. 23) e, mesmo submetida a tratamento com cirurgia (mastectomia radical esquerda - fl. 25), quimioterapia e radioterapia, verificou-se o agravamento da moléstia que, inclusive, foi uma das causas da sua morte (certidão de óbito - fl. 97 - causa da morte - insuficiência múltipla de órgãos; metástases hepáticas; câncer da mama).
Quanto à insuficiência de recursos para prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a manutenção do idoso ou incapaz, de modo a assegurar-lhe uma qualidade de vida digna. Por isso, para sua concessão não há que se exigir uma situação de miserabilidade absoluta, bastando a caracterização de que o beneficiário não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
Todavia, o disposto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 não é o único meio de comprovação da miserabilidade do deficiente ou do idoso, devendo a respectiva aferição ser feita, também, com base em elementos de prova colhidos ao longo do processo, observada as circunstâncias específicas relativas ao postulante do benefício. Lembra-se aqui precedente do Superior Tribunal de Justiça, que não restringe os meios de comprovação da condição de miserabilidade do deficiente ou idoso: "O preceito contido no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no artigo 203, V, da Constituição Federal. A renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo deve ser considerada como um limite mínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a condição de miserabilidade da família do autor." (REsp nº435871/SP, Relator Ministro Felix Fischer, j. 19/09/2002, DJ 21/10/2002, p. 391).
A jurisprudência passou, então, a admitir a possibilidade do exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família, interpretação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do CPC (REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28/10/2009; DJ 20/11/2009).
A questão voltou à análise do Supremo Tribunal Federal, sendo que após o reconhecimento da existência de repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4.374 - PE, julgada em 18/04/2013, prevaleceu o entendimento segundo o qual as significativas mudanças econômicas, bem como as legislações em matéria de benefícios previdenciários e assistenciais trouxeram outros critérios econômicos que aumentaram o valor padrão da renda familiar per capita, de maneira que, ao longo de vários anos, desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS, passou por um processo de inconstitucionalização, conforme ementa a seguir transcrita:
No presente caso, a cópia do mandado de constatação, realizado em maio/2006 (fls. 60/70), revela que a requerente Dalva residia com sua mãe Marli em imóvel próprio. A renda da unidade familiar era composta apenas pela pensão auferida pela mãe Marli, no valor de um salário mínimo. De acordo com os comprovantes de endereços de fls. 16/17, a parte autora Dalva ainda reside no mesmo imóvel e, conforme extrato INFBEN à fl. 123, a genitora Marli ainda percebe benefício previdenciário de pensão por morte de trabalhador rural no valor de 1 (um) salário mínimo.
Acresce relevar que, da data da realização do mandado de constatação de fls. 60/70 (maio/2006) até a data da propositura da presente ação (julho/2014) transcorreram 8 (oito) anos, tempo que deve ser considerado ao analisar o aspecto sócio-econômico do núcleo familiar.
De acordo com a petição inicial (fls. 02/12), a parte autora Dalva morava apenas com sua genitora Marli, ou seja, o núcleo familiar em 2014 era o mesmo de 2006. Todavia, a documentação médica (fls. 19/39) comprova que a parte autora Dalva foi diagnosticada como portadora de neoplasia maligna em 2010 (fl. 25) e, mesmo submetida a tratamento, não obteve melhora vindo a óbito. Verifica-se do receituário de fl. 39 que a doença da parte autora Dalva aumentou consideravelmente as despesas da família, uma vez que a mesma necessitava de suporte clínico intenso, inclusive com medicações contínuas, suplementos e dieta diferenciada.
Além disso, em 2006 a genitora Marli contava com 56 anos de idade (fl. 14) e, em 2014, já estava com 64 anos, de modo que o benefício recebido pela mãe Marli deve ser excluído do cálculo da renda familiar da requerente Dalva, a teor do decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sessão de julgamento realizada em 18/04/2013, no Recurso Especial 580963/PR, Relator Ministro Gilmar Mendes, no qual foi declarada a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, e que o benefício previdenciário no valor de um salário mínimo recebido por idoso integrante do grupo familiar não pode compor o cálculo da renda familiar "per capita" para a apuração da condição de hipossuficiente da parte requerente do benefício assistencial, uma vez que o ordenamento jurídico não admite discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social (LOAS) em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
No mesmo sentido, julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
Assim, os elementos de prova coligidos são suficientes para evidenciar as condições econômicas em que vivia a parte autora Dalva, inserindo-se ela no grupo de pessoas economicamente carentes que a norma instituidora do benefício assistencial visou amparar.
Por tais razões, a parte autora Dalva fazia jus à percepção do benefício assistencial, uma vez que restou demonstrado o implemento dos requisitos legais para sua concessão.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (29/04/2013- fl. 40) e o termo final na data do óbito (03/08/2014 - fl. 97).
Juros de mora e correção monetária na forma prevista no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, com a redação atualizada pela Resolução 267/2013, observando-se, no que couber, o decidido pelo C. STF no julgado das ADI's 4.357 e 4.425.
No tocante à verba honorária, esta fica a cargo do INSS, uma vez que restou vencido na demanda, ora arbitrada em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, conforme entendimento sufragado pela 10ª Turma desta Corte Regional. A base de cálculo sobre a qual incidirá mencionado percentual se comporá apenas do valor das prestações vencidas entre o termo inicial do benefício e a data desta decisão, em consonância com a Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Na hipótese, considera-se a data desta decisão como termo final da base de cálculo dos honorários advocatícios em virtude de somente aí, com a reforma da sentença de improcedência, haver ocorrido a condenação do INSS.
Por fim, a autarquia previdenciária está isenta do pagamento de custas e emolumentos, nos termos do art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96, do art. 24-A da Lei nº 9.028/95 (dispositivo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.180-35/01) e do art. 8º, § 1º, da Lei nº 8.620/93, o que não inclui as despesas processuais. Todavia, a isenção de que goza a autarquia não obsta a obrigação de reembolsar as custas suportadas pela parte autora, quando esta é vencedora na lide. Entretanto, no presente caso, não há falar em custas ou despesas processuais, por ser a autora beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Diante do exposto, NÃO CONHEÇO DO AGRAVO RETIDO DO INSS, REJEITO A PRELIMINAR E DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA para, reformando a sentença, condenar o INSS a conceder-lhe o benefício assistencial, desde a data do requerimento administrativo até a data do óbito, com correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
É o voto.
LUCIA URSAIA
Desembargadora Federal
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Data e Hora: | 12/07/2016 17:47:24 |