
D.E. Publicado em 12/07/2016 |
EMENTA
V - Remessa oficial não conhecida. Apelação da autora parcialmente provida. Apelação do réu improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação do réu e dar parcial provimento à apelação da autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0005393-95.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de remessa oficial e apelações em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 109/110 julgou procedente o pedido e condenou o INSS a conceder o benefício pleiteado, acrescido dos consectários que especifica. Feito submetido ao reexame necessário.
Apela a autora (fls. 112/118), insurgindo-se contra os critérios de fixação de honorários advocatícios.
Em razões recursais de fls. 124/127, pugna a Autarquia Previdenciária pela reforma da sentença, ao argumento de que não restaram comprovados os requisitos necessários à concessão do benefício. Suscita prequestionamento.
Devidamente processados os recursos, subiram os autos a esta instância.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 143/145), no sentido do parcial provimento do recurso da autora e improvimento do recurso do réu.
Às fls. 146/149, requer a autora a concessão da tutela antecipada.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, considerando que entre o termo inicial do benefício (18/04/2012), seu valor (salário mínimo) e a data da sentença (29/04/2014), as parcelas em atraso não atingem valor a determinar o reexame necessário, nos termos da legislação processual, não conheço da remessa oficial.
No mérito, a República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, IV, que instituiu o benefício do amparo social.
A Lei nº 6.179/74 instituiu, em nosso ordenamento jurídico, a renda mensal vitalícia, passando a ser amparados pela Previdência Social os maiores de 70 anos e os inválidos, definitivamente incapacitados para o trabalho, desde que não exercessem atividades remuneradas ou não auferissem rendimentos. O valor do benefício correspondia à metade do maior salário-mínimo vigente no país, arredondada para a unidade de cruzeiro imediatamente superior, não podendo ultrapassar 60% do valor do salário-mínimo do local de pagamento.
Com a promulgação da Carta Magna, em 05 de outubro de 1988, o valor do benefício foi aumentado para 1 (um) salário-mínimo, pelo art. 203, inciso V:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos.
O art. 139 da Lei n.º 8.213/91 dispunha que a renda mensal vitalícia continuaria integrando o elenco de benefícios da Previdência Social, até que o artigo constitucional fosse regulamentado.
A Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, deu eficácia ao inciso V do art. 203 da Constituição Federal e extinguiu a renda mensal vitalícia em seu art. 40, resguardando, entretanto, o direito daqueles que o requeressem até o dia 31 de dezembro de 1995, desde que preenchidos os requisitos previstos na Lei Previdenciária.
A Lei de Assistência foi regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei assistencial e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente portador de deficiência ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa portadora de deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser provido pela sua família.
Pessoa portadora de deficiência é a incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na redação dada pela Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade para a vida independente, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento sem o amparo de alguém.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, de acordo com a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, definiu-se o conceito de família como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/2011, fora estabelecido, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo, anoto que fora ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, pelo Procurador-Geral da República, julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
Os debates, entretanto, não cessaram, por ser tormentosa a questão e envolver princípios fundamentais contidos na Carta da República, situação que culminou, inclusive, com o reconhecimento, pelo mesmo STF, da ocorrência de repercussão geral.
A Suprema Corte acabou por declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, inclusive por considerar defasada essa forma meramente aritmética de se apreciar a situação de miserabilidade dos idosos ou deficientes que visam a concessão do benefício assistencial (Plenário, RCL 4374, j. 18.04.2013, DJE de 04/09/2013).
No entanto, é preciso que se tenha a possibilidade de ao menos entrever, a partir da renda informada, eventual quadro de pobreza em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, até que o Poder Legislativo estabeleça novas regras.
Para tanto, faz-se necessário o revolvimento de todo o conjunto probatório, através do qual se possa aferir eventual miserabilidade. E assim o é diante do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, já mencionado no início desta decisão, com vistas à garantia de suas necessidades básicas de subsistência, o que leva o julgador a interpretar a normação legal de sorte a conceder proteção social ao cidadão economicamente vulnerável.
Por outro lado, observo que a Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, passou a considerar como de "baixa renda" a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos, ainda que para os fins específicos de custeio ali limitado. Na mesma trilha, as Leis que criaram o Bolsa Família (10.836/04), Programa Nacional de Acesso à Alimentação (10.689/03) e o Bolsa Escola (10.219/01) estabeleceram parâmetros mais coerentes de renda familiar mínima quanto em cotejo com aquele estabelecido de ¼ do salário mínimo, agora declarado inconstitucional.
Por fim, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 580.963/PR (DJe 14.11.2013), assentou a inconstitucionalidade por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo." Assim, entendo que deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor decorrente de benefício de valor mínimo recebido por idoso ou inválido, pertencente ao núcleo familiar.
Feitas essas considerações, passo à análise do conjunto probatório formado nestes autos.
No caso dos autos, o laudo pericial de fls. 84/91 atesta ser a autora portadora de artrose de fêmur esquerdo e osteófito lombro sacro, encontrando-se parcial e temporariamente incapacitada para o trabalho.
Observo que a autora conta com 63 anos de idade e relatou ao perito médico ter laborado como trabalhadora rural, sendo improvável sua reabilitação e reinserção no mercado de trabalho, ao menos a curto prazo.
Ressalto que o benefício assistencial deve ser revisto a cada 2 (dois) anos, para a avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, nos termos do art. 21 da Lei de Assistência e art. 42 do Decreto nº 6.214/07.
Destarte, entendo preenchido o requisito legal da deficiência.
A ausência de condições de prover o seu próprio sustento ou tê-lo provido pela sua família foi demonstrada no caso. O estudo social datado 18 de março de 2013 (fls. 68/72) informa que a requerente reside com sobrinha, em imóvel próprio, inacabado, sem forro, composto de quarto, sala, cozinha, banheiro e varanda.
A renda familiar deriva do labor informal da sobrinha como diarista, recebendo R$200,00, e dos Programas Bolsa Família (R$102,00) e Ação Jovem (R$80,00). Todavia, com relação ao valor decorrente de ajuda governamental (Bolsa-Escola, Bolsa-Família e outros), o mesmo não será computado no cálculo da renda per capita, conforme orientação contida no item 16.7 da OI INSS/DIRBEN nº 81, de 15 de janeiro de 2003.
O estudo social informa que a autora recebe R$300,00 em alimentação de um filho, bem como que há gastos com medicamentos, no valor de R$300,00.
Desta forma, do conjunto probatório dos autos, verifico que a demandante logrou demonstrar a hipossuficiência econômica, sendo de rigor o acolhimento do pedido inicial.
Honorários advocatícios devidos pelo INSS no percentual de 10% das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou deste acórdão no caso da sentença de improcedência reformada nesta Corte, nos termos da Súmula 111 do STJ.
Deixo de aplicar o artigo 85 do CPC/2015, considerando que o recurso fora interposto na vigência do Código de Processo Civil anterior.
Demais critérios de fixação de consectários legais mantidos, ante a ausência de impugnação das partes, no particular.
Cumpre salientar que, diante de todo o explanado, a r. sentença não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento apresentado pelo Instituto Autárquico em seu apelo.
Por outro lado, a hipótese da ação comporta a outorga de tutela específica. Dessa forma, visando assegurar o resultado concreto buscado na demanda e a eficiência da prestação jurisdicional, independentemente do trânsito em julgado, determino seja enviado e-mail ao INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, instruído com os documentos da autora, a fim de serem adotadas as providências cabíveis ao cumprimento desta decisão, para a implantação do benefício no prazo máximo de 20 (vinte) dias, fazendo constar que se trata de benefício assistencial deferido a NATALIA NASCIMENTO ALVES com data de início do benefício - (DIB: 18/04/2012), no valor de 01 salário mínimo mensal.
Ante o exposto, não conheço da remessa oficial, nego provimento à apelação do réu e dou parcial provimento à apelação da autora, para reformar a sentença no tocante aos honorários advocatícios. Concedo a tutela específica.
É o voto.
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 29/06/2016 17:08:03 |