
D.E. Publicado em 21/07/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, e negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006864-10.2010.4.03.6103/SP
RELATÓRIO
Retifique-se a autuação, tendo em vista que o autor foi interditado no curso do processo e está representado por seu curador, Tiago Lemos Soares, qualificado na procuração de fls. 99.
Cuida-se de remessa oficial, havida como submetida, e de apelação em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 09/09/2010, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi deferido após a realização da perícia médica e do estudo social.
No curso do processo foi procedida a interdição do autor e ante o falecimento da sua genitora e curadora, foi nomeada a Defensoria Pública da União para o exercício da curadoria especial, posteriormente substituída pelo curador definitivo nomeado na ação de interdição.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido e ratificou a tutela concedida, condenando a Autarquia a conceder o benefício assistencial à autoria, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data do requerimento administrativo, e pagar os valores atrasados corrigidos na forma do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação, nos termos da Súmula 111 do STJ.
Apela a Autarquia, pleiteando a reforma da sentença, sustentando que a parte autora não preenche os requisitos legais para a concessão da benesse. Assevera, ainda, que a concessão do benefício assistencial sem a indicação da correspondente fonte de custeio, afronta o Art. 195, § 5º, da Constituição Federal e prequestiona a matéria debatida para fins recursais.
Subiram os autos, com contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo desprovimento do recurso interposto.
É o relatório.
VOTO
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que o autor Samuel Lemos da Silva, nascido aos 23/01/1976, é portador de Transtorno Mental compatível com Esquizofrenia, concluindo o experto que o periciando encontra-se incapacitado de forma parcial e definitiva para o exercício de atividade laborativa e que necessita de terceiros para orientação (fls. 27/29).
Em que pese a conclusão do laudo pericial, colhe-se dos autos que o autor foi interditado e declarado absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os autos da vida civil, por ser portador de Esquizofrenia - CID 10 F.20, conforme edital de interdição, por cópia juntada à fl. 101, recaindo os encargos da curatela na pessoa de Tiago Lemos Soares, sobrinho do autor, conforme noticiado às fls. 98/101, em substituição à genitora falecida.
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os fins do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar originário quando da propositura da demanda em 09/09/2010, era constituído pelo autor Samuel Lemos da Silva, nascido aos 23/01/1976, solteiro, desempregado e sua genitora Anezia Lemos Soares, nascida aos 29/04/1946, viúva, titular de benefício de aposentadoria por invalidez previdência, que faleceu em 23/12/2011, conforme certidão de óbito juntada à fl. 79.
Na visita domiciliar realizada no dia 19/05/2011, constatou a Assistente Social que a família residia em imóvel próprio, edificado sob meio lote, sem acabamento, composto por um quarto, sala, cozinha e banheiro, guarnecidos com poucos móveis velhos e danificados.
Naquela ocasião, a renda familiar era proveniente do benefício de aposentadoria por invalidez da genitora, no valor de um salário mínimo (R$540,00), que segundo a ótica da experta, não era suficiente para proporcionar ao autor uma vida digna.
Relatou a experta que mãe e filho eram acometidos de doença mental e apresentavam dificuldades de comunicação e não souberam informar, com clareza, os dados das duas irmãs casadas do autor, nem mesmo os valores das despesas mensais da família.
Concluiu a Perita Judicial que "mãe e filho apresentam problema mental, falta de clareza, cuidados e noções básicas no cotidiano" e que o quadro denotava pobreza e falta de recursos, "mesmo não sendo apresentados os valores das despesas mensais." (fls. 34/37).
Na complementação do estudo social, informou a Assistente Social que os medicamentos utilizados pelo autor eram fornecidos pela rede pública e que o quesito atinente às despesas do núcleo familiar com alimentação, água, luz, impostos, vestuário, transporte, etc., não havia sido respondido por falta de esclarecimento das partes e por falta de comprovantes de pagamentos, consignando que no relatório anterior "foram observadas as dificuldades vivenciadas apenas com um salário mínimo mensal vivendo assim de forma extremamente precária." (fl. 84).
Os extratos do sistema DATAPREV juntados aos autos pela Autarquia, comprovam que a família não possuía nenhuma outra renda, além daquela declarada.
Nos termos das normas citadas e das jurisprudências colacionadas, deve ser excluído da renda familiar o valor de um salário mínimo, porquanto se destinava à manutenção da genitora idosa, de modo que não havia renda para suprir as necessidades vitais do autor.
Ademais, restou comprovado nos autos que o benefício de aposentadoria por invalidez da genitora foi cessado pelo Sistema de Óbitos da DTP, em razão do seu falecimento na data 23/ 23/12/2011, e que não gerou pensão por morte a nenhum dos seus filhos, bem como que o benefício de amparo assistencial antecipado ao autor por força de tutela, também havia sido cessado em 31/01/2013 (fls. 107/111).
Destarte, o conjunto probatório comprova que o autor encontra-se em situação de vulnerabilidade e risco social, de modo que preenchidos os requisitos legais, faz jus à percepção do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo apresentado em 01/07/2010 (fl. 12), em conformidade com o entendimento assente no c. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde o requerimento administrativo, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo e. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme entendimento consolidado na c. 3ª Seção desta Corte (AL em EI nº 0001940-31.2002.4.03.610). A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 124, da Lei nº 8.213/91.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Por derradeiro, quanto à alegada afronta ao Art. 195, § 5º da Constituição Federal, anoto que a questão encontra-se pacificada pela Egrégia Corte, no sentido de que o reconhecimento dos requisitos legais para a concessão do benefício assistencial não viola o princípio da precedência da fonte de custeio, porquanto não se trata de benefício criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio, vez que independe de contribuição à seguridade social, cabendo ao Poder Judiciário apenas a verificação no caso concreto, se o postulante preenche os requisitos exigidos para a concessão da benesse.
Nesse sentido:
Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, para adequar os honorários advocatícios e nego provimento à apelação.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 12/07/2016 17:50:04 |