
D.E. Publicado em 19/12/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações do Ministério Público Estadual e da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0036906-23.2012.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Tratam-se de apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e por DIEGO DA CRUZ FONTES, incapaz, representado por JURACY VIANA FONTES E OUTRO, em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 115/116 julgou improcedente o pedido inicial e condenou o autor no pagamento dos ônus de sucumbência, observados os benefícios da gratuidade de justiça.
Em razões recursais de fls. 120/124 e fls. 126/134, MPE e autor pugnam, em síntese, pela reforma da sentença, ao fundamento do preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício.
Devidamente processados os recursos, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Em decisão proferida à fl. 147, o julgamento fora convertido em diligência, a fim de que se complementasse, na origem, o estudo social.
Parecer do Ministério Público Federal (fl. 174), no sentido do desprovimento dos recursos.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
Pleiteia o autor a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é deficiente e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
A deficiência do requerente restou incontroversa nos autos, considerando a Certidão de Interdição coligida à fl. 16, pelo que presente o impedimento de longo prazo exigido pela Lei nº 8.742/93.
No entanto, não restou comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social datado de 26 de maio de 2010 (fl. 89) informou ser o núcleo familiar composto pelo autor, seus genitores e uma irmã menor de idade; sob o mesmo teto residia, ainda, um tio do requerente, o qual não integra o núcleo familiar, a contento do disposto no art. 20, §1º, da Lei Assistencial.
Sucinto, o relatório em questão se limitou a informar que a renda familiar decorria da remuneração auferida pelo pai do demandante, no valor de dois salários mínimos.
Em cumprimento à decisão judicial de fl. 147, novo estudo social fora realizado em 08 de abril de 2014, oportunidade em que se verificou a manutenção da formação do núcleo familiar, a saber: autor, genitores e irmã menor de idade. "A residência é própria, composta de 05 cômodos, em alvenaria, em boas condições de higiene e embora simples, apresenta conforto".
A renda familiar decorre dos proventos de aposentadoria percebidos pelo pai do requerente, no valor de R$ 1.915,00, além da remuneração proveniente de seu trabalho como motorista, pelo qual aufere R$ 1.945,00, totalizando a somatória dos proventos R$ 3.860,00, quantum equivalente a 5,33 salários mínimos, considerado o valor nominal então vigente (R$724,00). O histórico remuneratório do pai do autor, aliás, revelado pelo CNIS que faço juntar aos autos é absolutamente incompatível com as ideias de miserabilidade e vulnerabilidade social.
Dessa forma, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo, portanto, o autor, jus ao benefício pleiteado.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ante o exposto, nego provimento aos recursos de apelação do Ministério Público Estadual e do autor, mantendo íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 06/12/2016 17:54:45 |