
D.E. Publicado em 21/07/2016 |
EMENTA
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBAS ACESSÓRIAS. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002503-47.2015.4.03.6111/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Leonel Ferreira (Relator): Trata-se de apelação de sentença pela qual foi julgado improcedente o pedido da parte autora em ação objetivando a concessão do benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, sob o fundamento de que não restou comprovado o requisito relativo à deficiência. A parte autora foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em R$ 800,00 (oitocentos reais), ressalvada a gratuidade da justiça. Sem condenação em custas processuais.
Em sua apelação, a autora pugna pela concessão do benefício de prestação continuada, aduzindo restarem preenchidos os requisitos para a concessão do benefício em comento.
Sem apresentação de contrarrazões.
Em parecer de fl. 86/89, o i. representante do Ministério Público Federal, opinou pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
LEONEL FERREIRA
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002503-47.2015.4.03.6111/SP
VOTO
Da remessa oficial tida por interposta
Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe:
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, que dispõe:
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de "pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação atualizada:
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a seguinte redação:
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e 'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada, seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho, ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, o perito atestou, por meio do laudo juntado à fl. 58/59, datado de 15.08.2013, que a autora o autor e, cujo laudo foi elaborado oralmente, em audiência realizada em 11.09.2015 (fl. 62/65), atestou que a autora é portadora de sequela neurológica, advinda provavelmente de paralisia cerebral, ocasionando-lhe dificuldades nas fala, bem como do movimento do braço direito. Relatou, contudo, que a autora não apresenta incapacidade para gerir sua vida pessoal, já que é casada, com filhos, não possuindo moléstia psiquiátrica, ou retardo mental.
Em que pese o perito concluir pela ausência de deficiência da autora, entendo, entretanto, que a enfermidade da qual é portadora, causando-lhe sequelas, impede que concorra em condições de igualdade no mercado de trabalho.
Com efeito, verifica-se do relatório emitido pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE, em 03.06.2014, que a autora realizava tratamento por equipe multidisciplinar, apresentado comportamento e humor oscilantes, dificuldade motora e de comunicação oral e defasagem de conteúdos (fl. 11), e ainda o atestado médico firmado por profissional da rede pública de saúde, dando conta de que possui deficiência mental e de movimentos do membro superior direito (fl. 12).
Consta, ainda, relatório médico, datado de 09.05.2014 (fl. 13), atestando que a autora recebeu atendimento junto ao Hospital das Clínicas, na especialidade de cirurgia vascular em 13.01.2014, em razão de apresentar doença arterial periférica crônica.
Preenchido, portanto, o requisito concernente à deficiência física, consoante documentação juntada aos autos.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão que recebeu a seguinte ementa:
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 02.09.2015 (fl. 42/47), constatou que a autora (26 anos de idade) reside com seu marido (69 anos de idade) e dois filhos (Raiane e Dandara, com 05 e 04 anos de idade, respectivamente). Seu marido é aposentado, com renda de um salário mínimo, desempenhando, ainda, trabalho na Fazenda São Francisco, recebendo, aproximadamente R$ 905,00. A autora possui paralisia infantil, começando a andar e falar somente aos 05 anos de idade, com dificuldades de fala e movimentação do lado direito e seu cônjuge possui problemas respiratórios. A autora informou, ainda, que sua filha Dandara é criada pela mãe, para quem contribui com R$ 200,00 (duzentos reais).
Verifica-se, ainda, dos dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais, anexos, que o marido da autora é aposentado por idade, com renda no valor de um salário mínimo, apresentando vínculo de emprego até 29.12.2015, considerando-se, ainda, que é pessoa idosa, contando atualmente com 69 anos de idade.
Por todo o exposto, entendo que o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a parte autora preenche o requisito da deficiência física, comprovando sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à concessão do benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data do presente julgamento, ocasião em que reconhecido o preenchimento dos requisitos para a sua concessão.
Os juros de mora de mora e a correção monetária deverão ser calculados pela lei de regência.
Fixados honorários advocatícios em R$ 2.000,00 (dois mil reais), consoante entendimento desta E. Turma.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora para julgar parcialmente procedente o pedido e condenar o réu a conceder-lhe o benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, a partir da data do presente julgamento. Honorários advocatícios em R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído com os devidos documentos da parte autora Edna Caroline Gonçalves, a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que seja implantado o benefício de prestação continuada, com data de início - DIB em 26.07.2016, e renda mensal inicial - RMI de um salário mínimo, tendo em vista o "caput" do artigo 497 do CPC.
É como voto.
LEONEL FERREIRA
Juiz Federal Convocado
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Data e Hora: | 13/07/2016 14:48:22 |