
D.E. Publicado em 21/07/2016 |
EMENTA
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBAS ACESSÓRIAS. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012918-31.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Leonel Ferreira (Relator): Trata-se de apelação de sentença pela qual foi julgado improcedente o pedido da parte autora em ação objetivando a concessão do benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, sob o fundamento de que não restou comprovado o requisito relativo à deficiência. A parte autora foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em R$ 200,00 (duzentos reais), ressalvada a gratuidade da justiça. Revogada a tutela antecipada anteriormente concedida, verificando-se à fl. 114/115 que não havia sido implantado o benefício.
Em sua apelação, o autor pugna pela concessão do benefício de prestação continuada, pleiteando, subsidiariamente, o retorno dos autos à Vara de origem para realização de nova perícia, a fim de ser analisado seu aspecto psicológico.
Sem apresentação de contrarrazões.
Em parecer de fl. 125/125vº, o i. representante do Ministério Público Federal, opinou pelo prosseguimento do feito, não se vislumbrando fundamento jurídico para a sua intervenção no feito.
É o relatório.
LEONEL FERREIRA
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012918-31.2016.4.03.9999/SP
VOTO
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, que dispõe:
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de "pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação atualizada:
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a seguinte redação:
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e 'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada, seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho, ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, o laudo médico pericial realizado em 27.03.2014 (fls. 76/82), atesta que o autor (nascido em 22.10.1974, instrução: 2º grau completo, sem laborar há dois anos, última atividade atendente de escritório em prefeitura) é portador de sequela de poliomielite, apresentando atrofia na perna que lhe causa limitação para desempenhar atividades que demandem carregamento de peso, podendo trabalhar em atividades que não sejam braçais, estando incapacitado de forma parcial e permanente para o trabalho.
Em que pese o perito concluir pela capacidade residual do autor para o trabalho, entendo, entretanto, que a enfermidade da qual é portador, causando-lhe sequelas, impede que concorra em condições de igualdade no mercado de trabalho.
Preenchido, portanto, o requisito concernente à deficiência física.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão que recebeu a seguinte ementa:
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 07.01.2013 (fl. 15/17), constatou que o autor reside em moradia alugada, de alvenaria, em cobertura de telhas "Eternit", sem forro e piso de cerâmica/madeira, devidamente abastecida com água encanada, luz elétrica, em rua sem rede de esgoto e sem pavimentação. Os móveis são simples, restringindo-se apenas ao necessário à sobrevivência da família, em condições de higiene regulares, com alguns colchões pelo chão, onde dorme o autor, sua mãe e filho. A única renda do grupo familiar, formado pelo autor (39 anos de idade), sua genitora (59 anos de idade) e seus dois filhos (10 e 07 anos de idade), provém da pensão da mãe, no valor de um salário mínimo, da qual, segundo informações de sua mãe, é descontado R$ 100,00, a título de empréstimo efetuado. O autor é portador de sequelas de poliomielite, deambulando com muita dificuldade, com uso de muletas, doadas por amigos. Informou, ainda, que a doença causou-lhe outros danos, tais como, lesões na coluna, desgaste nos ossos, artrose, dores intensas e insônica, dificultando sua convivência social e familiar, bem como o desenvolvimento da atividade laborativa. O assistente social concluiu pela situação de vulnerabilidade social em virtude da baixa renda familiar, da visível impossibilidade do requerente para o trabalho, bem como existência de criança em situação peculiar de desenvolvimento e idoso, com saúde fragilizada e fonte da única renda familiar.
Entendo, assim, que o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a parte autora preenche o requisito da deficiência física, comprovando sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à concessão do benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data da citação (10.04.2013 - fl. 18), quando o réu tomou ciência da pretensão da parte autora.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo E. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Questão de Ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da causa atualizado, nos termos do art. 85, §4º, III, do novo CPC/2015.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora para julgar parcialmente procedente o pedido e condenar o réu a conceder-lhe o benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, a partir da data da citação. Honorários advocatícios em 15% sobre o valor da causa.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído com os devidos documentos da parte autora Arnon Marques Prestes Rolim, a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que seja implantado o benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, com data de início - DIB em 10.04.2013, e renda mensal inicial - RMI a ser calculada pelo INSS, tendo em vista o "caput" do artigo 497 do CPC.
É como voto.
LEONEL FERREIRA
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Data e Hora: | 13/07/2016 14:45:52 |