
D.E. Publicado em 11/07/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juíza Federal Convocada
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0005684-79.2013.4.03.6126/SP
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança objetivando prestação jurisdicional que determine o reconhecimento do período compreendido entre 06/03/97 a 04/06/13 como laborado em atividades especiais para que, somados aos períodos já reconhecidos administrativamente, redundem na concessão da aposentadoria especial, com a implantação do benefício, sob pena de aplicação de multa diária e a condenação da autarquia ao pagamento dos valores retroativos. Não houve pedido de liminar.
A sentença concedeu a segurança para reconhecer a atividade especial no período compreendido entre 06/03/97 a 04/06/13 e determinar a concessão da aposentadoria especial a partir de 18/11/13 (data de impetração do feito). Não houve condenação em honorários advocatícios. Custas na forma da lei.
Sentença submetida ao reexame necessário.
À fl. 84, restou acostado ofício informando a implantação do benefício NB 46/156.184.551-2, com início de pagamento em 01/02/14.
Apelação interposta pelo INSS, sustentando, em síntese, a impossibilidade do enquadramento das atividades especiais, notadamente em razão da ausência de previsão legal ao agente eletricidade.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal opina pelo regular prosseguimento do feito.
É o relatório.
VOTO
O mandado de segurança é ação constitucional que obedece a procedimento célere e encontra regulamentação básica no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal.
Dentre outras exigências, é necessário que o direito cuja tutela se pretende seja líquido e certo, assim considerado o direito apurável sem a necessidade de dilação probatória, ou seja, quando os fatos em que se fundar o pedido puderem ser provados documentalmente no processo.
Aposentadoria Especial
A aposentadoria por tempo de serviço especial teve assento primeiro no artigo 31 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, que estabeleceu que seria concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinquenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, em serviços que, para esse efeito, fossem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.
Essa norma foi expressamente revogada pela Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973, que passou a discipliná-la no artigo 9º, alterando, em efeitos práticos, apenas o período de carência de 15 (quinze) anos para 5 (cinco) anos de contribuição, mantendo no mais a redação original.
Sobreveio, então, o Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, reclassificando as atividades profissionais segundo os agentes nocivos e os grupos profissionais tidos por perigosos, insalubres ou penosos, com os respectivos tempos mínimos de trabalho.
Importante ressaltar que os Decretos nºs. 53.831/64 e 83.080/79 tiveram vigências simultâneas, de modo que, conforme reiteradamente decidido pelo C. STJ, havendo colisão entre as mencionadas normas, prevalece a mais favorável ao segurado. (REsp nº 412351, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 21/10/2003, DJ 17/11/2003, pág. 355).
As atividades insalubres previstas nas aludidas normas são meramente exemplificativas, podendo outras funções ser assim reconhecidas, desde que haja similitude em relação àquelas legalmente estatuídas ou, ainda, mediante laudo técnico-pericial demonstrativo da nocividade da ocupação exercida. Nesse sentido, o verbete 198 da Súmula do TFR.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a matéria passou a ser prevista no inciso II do artigo 202 e disciplinada no artigo 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação original previa que o benefício de aposentadoria especial seria devido ao segurado que, após cumprir a carência exigida, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física, restando assegurada, ainda, a conversão do período trabalhado no exercício de atividades danosas em tempo de contribuição comum (§3º).
Em seguida, foi editada a Lei nº 9.032/95, alterando o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, dispondo que a partir desse momento não basta mais o mero enquadramento da atividade exercida pelo segurado na categoria profissional considerada especial, passando a ser exigida a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, que poderá se dar por meio da apresentação de informativos e formulários, tais como o SB-40 ou o DSS-8030.
Posteriormente, com a edição do Decreto n.º 2.172, de 05/03/1997, que estabeleceu requisitos mais rigorosos para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, passou-se a exigir-se a apresentação de laudo técnico para a caracterização da condição especial da atividade exercida. Todavia, por se tratar de matéria reservada à lei, tal exigência apenas tem eficácia a partir da edição da Lei n.º 9.528, de 10/12/1997.
Cumpre observar que a Lei nº 9528/97 também passou a aceitar o Perfil Profissiográfico Previdenciário, documento que busca retratar as características de cada emprego do segurado, de forma a facilitar a futura concessão de aposentadoria especial. Assim, identificado no documento o perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, é possível a sua utilização para comprovação da atividade especial em substituição ao laudo pericial.
Ressalto que no tocante ao reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e à forma da sua demonstração, deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho, conforme jurisprudência pacificada da matéria (STJ - Pet 9.194/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014, DJe 03/06/2014).
A extemporaneidade do documento comprobatório das condições especiais de trabalho não prejudica o seu reconhecimento como tal, "pois a situação em época remota era pior ou ao menos igual a constatada na data da elaboração do laudo, tendo em vista que as condições do ambiente de trabalho só melhoraram com a evolução tecnológica." (Des. Fed. Fausto De Sanctis, AC nº 2012.61.04.004291-4, j. 07/05/2014)
Especificamente em relação ao ruído, o Decreto nº 53.831/64 considerava insalubre o labor desempenhado com exposição permanente a ruído acima de 80 dB; já o Decreto nº 83.080/79 fixava a pressão sonora em 90 dB. Na medida em que as normas tiveram vigência simultânea, prevalece disposição mais favorável ao segurado (80 dB).
Com a edição do Decreto nº 2.172/97, a intensidade de ruído considerada para fins de reconhecimento de insalubridade foi elevada para 90 dB, mas, em 2003, essa medida foi reduzida para 85 dB, por meio do Decreto nº 4.882, de 18 de novembro de 2003.
Até 09 de outubro de 2013, os Tribunais adotavam o enunciado pela Súmula nº 32 da TNU. Contudo, esta Súmula foi cancelada em decorrência do julgamento da PET 9059 pelo Superior Tribunal de Justiça (Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJe 09/09/2013) cujo entendimento foi sufragado no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), sob a sistemática dos recursos repetitivos.
Em relação ao agente ruído, vigora o princípio do tempus regit actum. Considera-se especial a atividade desenvolvida acima do limite de 80dB até 05/03/1997, quando foi editado o Decreto nº 2.172/97, a partir de então deve-se considerar especial a atividade desenvolvida acima de 90dB até 18/11/2003, quando foi editado o Decreto nº 4882/2003. A partir de 19/11/2003 o limite passou a ser de 85 dB.
Saliente-se que a especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da atividade profissional (até 28/04/95), por meio da confecção de informativos ou formulários (no período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou perfil profissiográfico profissional (a partir de 11/12/97).
É corrente em nossos tribunais a tese de que sempre se exigiu laudo técnico para comprovar a exposição do trabalhador aos agentes físicos ruído e calor em níveis superiores aos limites máximos de tolerância. Entretanto, no tocante às atividades profissionais exercidas até 10/12/97 - quando ainda não havia a exigência legal de laudo técnico -, essa afirmação deve ser compreendida, não na literalidade, mas no sentido de ser necessário o atesto efetivo e seguro dos níveis de intensidade dos agentes nocivos a que o trabalhador esteve exposto durante sua jornada laboral.
Logo, para as atividades profissionais exercidas até 10/12/97, é suficiente que os documentos apresentados façam expressa menção aos níveis de intensidade dos agentes nocivos.
Uso de equipamento de proteção individual - EPI, como fator de descaracterização do tempo de serviço especial
A questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE nº 664335, da relatoria do E. Ministro Luiz Fux, com reconhecimento de repercussão geral, na data de 04.12.2014, em que restou decidido que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional ao reconhecimento das atividades especiais.
Restou assentado também que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
O fato de a empresa fornecer equipamento de proteção individual - EPI para neutralização dos agentes agressivos não afasta, por si só, a contagem do tempo especial, pois cada caso deve ser examinado em suas peculiaridades, comprovando-se a real efetividade do aparelho e o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1428183/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/02/2014, DJe 06/03/2014).
Ainda, conforme a jurisprudência citada, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em níveis acima dos limites legais, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Caso concreto - elementos probatórios
Os períodos compreendidos entre 06/03/97 e 10/09/99 e 27/09/99 e 04/06/13 devem ser considerados especiais, pois, nas funções executadas, restou comprovada a exposição à tensão elétrica acima do limite permitido (superior a 250 volts), conforme PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário acostado às fls. 41/45, enquadrando-se no código 1.1.8 do Decreto nº 53.831/64, bem como no disposto na Lei nº 7.369/85 e no Decreto nº 93.412/86, e na Lei nº 12.740/12.
Saliente-se que, consoante julgamento do Recurso Especial n.º 1.306.113/SC, representativo de controvérsia, pela Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, é possível reconhecer a especialidade de labor com exposição à tensão elétrica de 250 volts mesmo com a supressão do agente do rol do Decreto n.º 2.172/97.
Com efeito, embora a eletricidade não conste expressamente do rol de agentes nocivos previstos nos Decretos nº 2.172/97 e Decreto nº 3.048/99, sua condição especial permaneceu reconhecida pela Lei nº 7.369/85 e pelo Decreto nº 93.412/86, e pela Lei nº 12.740/12.
Observo que a exigência legal de comprovação de exposição a agente insalubre de forma permanente, introduzida pela Lei nº 9.032/95, que deu nova redação ao § 3º do artigo 57 da Lei nº 8.213, deve ser interpretada como o labor continuado, não eventual ou intermitente, de modo que não significa a exposição ininterrupta a agente insalubre durante toda a jornada de trabalho.
Por outro lado, o período de afastamento por incapacidade deve ser computado como comum para fins de aposentadoria por tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente do trabalho, nos termos do art. 65, parágrafo único, do Decreto 3.048/99, com redação dada pelos Decretos nº 4.882/2003 e nº 8.123/2013.
Assim, deixo de computar como especial o período de 11/09/99 a 26/09/99, tendo em vista que a parte autora esteve em gozo do benefício de auxilio-doença previdenciário.
Portanto, existente a prova pré-constituída apta a comprovar o direito líquido e certo, correta a concessão da segurança no sentido de determinar à autoridade impetrada que proceda ao reconhecimento da atividade especial no período compreendido entre 06/03/97 e 10/09/99 e 27/09/99 e 04/06/13, bem como à concessão/implantação da aposentadoria especial, com DIB na data do ajuizamento da ação, considerando a ausência de recurso do impetrante.
Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa oficial tão somente para excluir do cômputo do tempo especial o período de afastamento por auxílio doença previdenciário. Nego provimento à apelação do INSS.
É como voto.
MARISA CUCIO
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Data e Hora: | 28/06/2016 15:56:21 |