
D.E. Publicado em 21/07/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida pela parte autora e, no mérito, dar parcial provimento à sua apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012130-17.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Leonel Ferreira (Relator): Trata-se de apelação de sentença pela qual foi julgado improcedente o pedido da autora em ação que visa a concessão do benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição da República. A parte autora foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais), bem como custas e despesas processuais, exigíveis nos termos da Lei nº 1.060/50.
Em sua apelação, a autora requer, preliminarmente, a anulação da sentença por cerceamento de defesa, necessária a realização de prova testemunhal. No mérito, sustenta restarem preenchidos os requisitos para a concessão do benefício em comento.
Sem apresentação de contrarrazões.
Em parecer de fl. 254/257vº, o i. representante do Ministério Público Federal, opinou pelo provimento da apelação.
É o relatório.
LEONEL FERREIRA
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012130-17.2016.4.03.9999/SP
VOTO
Da preliminar
Rejeito a preliminar arguida pela parte autora, no que tange ao alegado cerceamento de defesa, vez que entendo ser despicienda a realização de prova testemunhal, já que suficiente a prova coletada nos autos para o deslinde da matéria.
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, que dispõe:
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de "pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação atualizada:
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a seguinte redação:
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e 'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada, seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho, ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia médica, realizada em 07.10.2014 (fl. 189/192) atestou que o autor, menor (05 anos de idade), acompanhado de sua avó, é portador de perda auditiva moderada bilateral, com dificuldades para adaptação de prótese auditiva, cujo uso foi considerado desnecessário pela fonoaudióloga. Apresenta alterações de comportamento, prejudicado pela conduta dos pais (usuários de drogas, segundo sua acompanhante, com hiperatividade e inquietação), evidenciando troca e omissões de fala, não apresentando coordenação motora fina para a escrita, necessitando de acompanhamento ambulatorial especializado, nas áreas audiológica e psicopedagógica.
Entendo, assim, que a parte autora fará jus ao benefício assistencial caso preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas', já que portador de problema auditivo e psicológico.
Preenchido, portanto, o requisito concernente à deficiência física.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão que recebeu a seguinte ementa:
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 06.09.2012 (fl. 149/151, atesta que o autor reside com seus genitores e um irmão de oito meses de idade, em imóvel alugado, sendo que seu pai havia sido admitido para um emprego, em agosto, junto à empresa APTI, com remuneração de R$ 900,00 (novecentos reais); a família não possui imóvel ou automóvel. O autor realiza tratamento para sua deficiência auditiva junto à Universidade Estadual de Campinas, sendo que seu dia-a-dia demanda cuidados específicos, principalmente devido à comunicação que requer maior atenção/tempo dos responsáveis. Os gastos familiares à época, consoante informado pelo assistente social, no valor de R$ 853,00 (oitocentos e cinquenta e três reais).
Em consulta aos dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais, anexos, verifica-se que o genitor do autor, Roneo Marques dos Santos, recebeu em janeiro/2016, junto à empresa Via Varejo S/A, o valor de R$ 958,98, gozando do benefício de auxílio-doença no período de 07.02.2016 a 11.04.2016, com renda mensal inicial no valor de R$ 1.176,04.
Entendo, assim, que o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a parte autora preenche o requisito da deficiência física, comprovando sua hipossuficiência econômica, já que a renda "per capita" é inferior ao salário mínimo, fazendo jus à concessão do benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data do presente julgamento, quando reconhecidos os requisitos para sua concessão.
Os juros de mora de mora e a correção monetária deverão ser calculados pela lei de regência, a partir do mês seguinte à publicação do presente acórdão.
Fixados honorários advocatícios em R$ 2.000,00 (dois mil reais), consoante entendimento desta E. Turma.
Diante do exposto, rejeito a preliminar arguida pela parte autora e, no mérito, dou parcial provimento à sua apelação para julgar parcialmente procedente o pedido e condenar o réu a conceder-lhe o benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, a partir da data do presente julgamento. Honorários advocatícios em R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído com os devidos documentos da parte autora Estevam Marques dos Santos (incapaz representado por sua genitora Beatriz Aparecida Queiroz Marques dos Santos), a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que seja implantado o benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, com data de início - DIB em 28.06.2016, e renda mensal inicial - RMI a ser calculada pelo INSS, tendo em vista o "caput" do artigo 497 do CPC.
É como voto.
LEONEL FERREIRA
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Data e Hora: | 13/07/2016 14:46:22 |