
D.E. Publicado em 22/08/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao reexame necessário, tido por ocorrido, e à apelação do INSS, bem como negar provimento ao recurso adesivo da parte autora, e fixar, de ofício, os critérios de atualização do débito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | PAULO SERGIO DOMINGUES:10112 |
Nº de Série do Certificado: | 27A84D87EA8F9678AFDE5F2DF87B8996 |
Data e Hora: | 09/08/2016 14:39:23 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0025981-07.2008.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS e de recurso adesivo interposto pela parte autora em face da sentença proferida nos autos da ação em que se pleiteia a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, mediante o reconhecimento de período laborado em atividade rural sem registro em carteira e atividades especiais.
A sentença proferida julgou procedente o pedido, para reconhecer o período rural de 01/01/74 a 31/12/80 e 01/01/82 a 31/12/88, e como tempo especial o período de 10/05/90 a 24/08/98 e 02/10/98 a 23/05/06, bem como conceder a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, desde o requerimento administrativo (10/11/04). Correção monetária a partir dos respectivos vencimentos (Súmula STJ n° 148 e Súmula TRF n° 8). Juros de mora pela SELIC, desde os respectivos vencimentos. Condenação do INSS ao pagamento de honorários advocatícios em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos da Súmula STJ n° 111. Isenção de custas em favor do INSS (Lei n° 8.620/93). Antecipação dos efeitos da tutela concedida.
Dispensado o reexame necessário, nos termos do §2° do artigo 475 do CPC/73.
Apela o INSS. Sustenta, em suma, que: não há prova do labor rural, de vez que os documentos são frágeis e que a via testemunhal não basta a tal comprovação; a ausência de documentos sobre as atividades exercidas nos períodos postulados na ação, aptos a comprovar a insalubridade. Requer a reforma da sentença para que sejam julgados improcedentes os pedidos formulados na petição inicial.
Em recurso adesivo, a parte autora argumenta, em síntese, que a verba honorária deve ser majorada. Requer a reforma da sentença a fim de que sejam majorados os honorários advocatícios, fixando-os em 15% do valor da condenação ou em 15% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença somadas a um ano de parcelas vincendas.
Com contrarrazões de ambas as partes, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Remessa Oficial
Considerando que a sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, passo ao exame da admissibilidade da remessa oficial prevista no seu artigo 475.
Embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício (10/11/04 - fl. 143), seu valor aproximado (R$ 730,98 - Competência 08/2007 - fl. 151) e a data da sentença (23/07/07 - fl. 144), que o valor total da condenação alcançará a importância de 60 (sessenta) salários mínimos estabelecida no § 2º.
Assim, tenho por ocorrido o reexame necessário.
Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição - requisitos
A aposentadoria por tempo de serviço, atualmente denominada aposentadoria por tempo de contribuição, admitia a forma proporcional e a integral antes do advento da Emenda Constitucional 20/98, fazendo jus à sua percepção aqueles que comprovem tempo de serviço (25 anos para a mulher e 30 anos para o homem na forma proporcional, 30 anos para a mulher e 35 anos para o homem na forma integral) desenvolvido totalmente sob a égide do ordenamento anterior, respeitando-se, assim, o direito adquirido.
Aqueles segurados que já estavam no sistema e não preencheram o requisito temporal à época da Emenda Constitucional 20 de 15 de dezembro de 1998, fazem jus à aposentadoria por tempo de serviço proporcional desde que atendam às regras de transição expressas em seu art. 9º, caso em que se conjugam o requisito etário (48 anos de idade para a mulher e 53 anos de idade para o homem) e o requisito contributivo (pedágio de 40% de contribuições faltantes para completar 25 anos, no caso da mulher e para completar 30 anos, no caso do homem).
Atualmente, são requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições (30 anos para a mulher e 35 anos para o homem), ressaltando-se que o tempo de serviço prestado anteriormente à referida Emenda equivale a tempo de contribuição, a teor do art. 4º da Emenda Constitucional 20/98.
Aposentadoria Especial
A aposentadoria por tempo de serviço especial teve assento primeiro no artigo 31 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, que estabeleceu que seria concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinquenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, em serviços que, para esse efeito, fossem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.
Essa norma foi expressamente revogada pela Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973, que passou a discipliná-la no artigo 9º, alterando, em efeitos práticos, apenas o período de carência de 15 (quinze) anos para 5 (cinco) anos de contribuição, mantendo no mais a redação original.
Sobreveio, então, o Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, reclassificando as atividades profissionais segundo os agentes nocivos e os grupos profissionais tidos por perigosos, insalubres ou penosos, com os respectivos tempos mínimos de trabalho.
Importante ressaltar que os Decretos nºs. 53.831/64 e 83.080/79 tiveram vigências simultâneas, de modo que, conforme reiteradamente decidido pelo C. STJ, havendo colisão entre as mencionadas normas, prevalece a mais favorável ao segurado. (REsp nº 412351, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 21/10/2003, DJ 17/11/2003, pág. 355).
As atividades insalubres previstas nas aludidas normas são meramente exemplificativas, podendo outras funções ser assim reconhecidas, desde que haja similitude em relação àquelas legalmente estatuídas ou, ainda, mediante laudo técnico-pericial demonstrativo da nocividade da ocupação exercida. Nesse sentido, o verbete 198 da Súmula do TFR.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a matéria passou a ser prevista no inciso II do artigo 202 e disciplinada no artigo 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação original previa que o benefício de aposentadoria especial seria devido ao segurado que, após cumprir a carência exigida, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física, restando assegurada, ainda, a conversão do período trabalhado no exercício de atividades danosas em tempo de contribuição comum (§3º).
Em seguida, foi editada a Lei nº 9.032/95, alterando o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, dispondo que a partir desse momento não basta mais o mero enquadramento da atividade exercida pelo segurado na categoria profissional considerada especial, passando a ser exigida a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, que poderá se dar por meio da apresentação de informativos e formulários, tais como o SB-40 ou o DSS-8030.
Posteriormente, com a edição do Decreto n.º 2.172, de 05/03/1997, que estabeleceu requisitos mais rigorosos para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, passou-se a exigir-se a apresentação de laudo técnico para a caracterização da condição especial da atividade exercida. Todavia, por se tratar de matéria reservada à lei, tal exigência apenas tem eficácia a partir da edição da Lei n.º 9.528, de 10/12/1997.
Cumpre observar que a Lei nº 9528/97 também passou a aceitar o Perfil Profissiográfico Previdenciário, documento que busca retratar as características de cada emprego do segurado, de forma a facilitar a futura concessão de aposentadoria especial. Assim, identificado no documento o perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, é possível a sua utilização para comprovação da atividade especial em substituição ao laudo pericial.
Ressalto que no tocante ao reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e à forma da sua demonstração, deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho, conforme jurisprudência pacificada da matéria (STJ - Pet 9.194/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014, DJe 03/06/2014).
A extemporaneidade do documento comprobatório das condições especiais de trabalho não prejudica o seu reconhecimento como tal, "pois a situação em época remota era pior ou ao menos igual a constatada na data da elaboração do laudo, tendo em vista que as condições do ambiente de trabalho só melhoraram com a evolução tecnológica." (Des. Fed. Fausto De Sanctis, AC nº 2012.61.04.004291-4, j. 07/05/2014)
Especificamente em relação ao ruído, o Decreto nº 53.831/64 considerava insalubre o labor desempenhado com exposição permanente a ruído acima de 80 dB; já o Decreto nº 83.080/79 fixava a pressão sonora em 90 dB. Na medida em que as normas tiveram vigência simultânea, prevalece disposição mais favorável ao segurado (80 dB).
Com a edição do Decreto nº 2.172/97, a intensidade de ruído considerada para fins de reconhecimento de insalubridade foi elevada para 90 dB, mas, em 2003, essa medida foi reduzida para 85 dB, por meio do Decreto nº 4.882, de 18 de novembro de 2003.
Até 09 de outubro de 2013, os Tribunais adotavam o enunciado pela Súmula nº 32 da TNU. Contudo, esta Súmula foi cancelada em decorrência do julgamento da PET 9059 pelo Superior Tribunal de Justiça (Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJe 09/09/2013) cujo entendimento foi sufragado no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), sob a sistemática dos recursos repetitivos.
Em relação ao agente ruído, vigora o princípio do tempus regit actum. Considera-se especial a atividade desenvolvida acima do limite de 80dB até 05/03/1997, quando foi editado o Decreto nº 2.172/97, a partir de então deve-se considerar especial a atividade desenvolvida acima de 90dB até 18/11/2003, quando foi editado o Decreto nº 4882/2003. A partir de 19/11/2003 o limite passou a ser de 85 dB.
Saliente-se que a especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da atividade profissional (até 28/04/95), por meio da confecção de informativos ou formulários (no período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou perfil profissiográfico profissional (a partir de 11/12/97).
É corrente em nossos tribunais a tese de que sempre se exigiu laudo técnico para comprovar a exposição do trabalhador aos agentes físicos ruído e calor em níveis superiores aos limites máximos de tolerância. Entretanto, no tocante às atividades profissionais exercidas até 10/12/97 - quando ainda não havia a exigência legal de laudo técnico -, essa afirmação deve ser compreendida, não na literalidade, mas no sentido de ser necessário o atesto efetivo e seguro dos níveis de intensidade dos agentes nocivos a que o trabalhador esteve exposto durante sua jornada laboral.
Logo, para as atividades profissionais exercidas até 10/12/97, é suficiente que os documentos apresentados façam expressa menção aos níveis de intensidade dos agentes nocivos.
Uso de equipamento de proteção individual - EPI, como fator de descaracterização do tempo de serviço especial
A questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE nº 664335, da relatoria do E. Ministro Luiz Fux, com reconhecimento de repercussão geral, na data de 04.12.2014, em que restou decidido que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional ao reconhecimento das atividades especiais.
Restou assentado também que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
O fato de a empresa fornecer equipamento de proteção individual - EPI para neutralização dos agentes agressivos não afasta, por si só, a contagem do tempo especial, pois cada caso deve ser examinado em suas peculiaridades, comprovando-se a real efetividade do aparelho e o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1428183/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/02/2014, DJe 06/03/2014).
Ainda, conforme a jurisprudência citada, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em níveis acima dos limites legais, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Conversão do tempo de serviço especial em comum
Deve ser afastada qualquer tese de limitação temporal de conversão de tempo de serviço especial em comum, seja em períodos anteriores à vigência da Lei nº 6.887, de 10/12/1980, ou posteriores a Lei nº 9.711, de 20/11/1998, permanecendo, assim, a possibilidade legal de conversão, inclusive para períodos posteriores a maio de 1998, uma vez que a norma prevista no artigo 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91 permanece em vigor, tendo em vista que a revogação pretendida pela 15ª reedição da MP 1663 não foi mantida quando da conversão na Lei nº 9.711/98. Nesse sentido decidiu a Terceira Seção do STJ no Resp 1.151.363/MG, Relator Ministro Jorge Mussi, data do julgamento: 23/03/2011.
O Decreto nº 83.080/79 foi renovado pelo Decreto nº 3.048/99 e este, por sua vez, prevê expressamente em seu art. 70 e seguintes (na redação dada pelo Decreto nº 4.827/03), que os fatores de conversão (multiplicadores) nele especificados aplicam-se na conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum ao trabalho prestado em qualquer período.
Tempo de serviço rural anterior e posterior à Lei de Benefícios
A aposentadoria do trabalhador rural apresenta algumas especificidades, em razão sobretudo da deficiência dos programas de seguridade voltados a essa categoria de trabalhadores no período anterior à Constituição Federal de 1988 e do descumprimento da legislação trabalhista no campo. Assim é que, no seu art. 55, §2º, a Lei 8.213/91 estabeleceu ser desnecessário o recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência. Neste sentido, já decidiu esta E. Corte: SÉTIMA TURMA, APELREEX 0005026-42.2014.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 21/07/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/07/2014 e TERCEIRA SEÇÃO, AR 0037095-93.2010.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON BERNARDES, julgado em 28/11/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2013.)
Já em relação ao tempo de serviço rural trabalhado a partir da competência de novembro de 1991 (art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto 3.048/99), ausente o recolhimento das contribuições, somente poderá ser aproveitado pelo segurado especial para obtenção dos benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91.
A prova do exercício de atividade rural
Muito se discutiu acerca da previsão contida no art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, segundo a qual a comprovação do tempo de serviço exige início de prova material. O que a Lei nº 8.213/91 exige é apenas o início de prova material e é esse igualmente o teor da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça.
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Exigir documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se quer reconhecer equivaleria a erigir a prova documental como a única válida na espécie, com desconsideração da prova testemunhal produzida, ultrapassando-se, em desfavor do segurado, a exigência legal. Neste sentido, o C. STJ: AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014.
Tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
É pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira, bem como da filha solteira residente na casa paterna. (REsp 707.846/CE, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 14/3/2005)
Idade mínima para o trabalho rural
Não se olvida que há jurisprudência no sentido de admitir-se o labor rural a partir dos 12 (doze) anos de idade, por ser realidade comum no campo, segundo as regras ordinárias de experiência, mormente se a prova testemunhal é robusta e reforçada por documentos que indicam a condição de lavradores dos pais do segurado.
O raciocínio invocado em tais decisões é o de que a norma constitucional que veda o trabalho ao menor de 16 anos visa à sua proteção, não podendo ser invocada para, ao contrário, negar-lhe direitos. (RESP 200200855336, Min. Jorge Scartezzini, STJ - Quinta Turma, DJ 02/08/2004, p. 484.).
Tal ponderação não é isenta de questionamentos. De fato, emprestar efeitos jurídicos para situação que envolve desrespeito a uma norma constitucional, ainda que para salvaguardar direitos imediatos, não nos parece a solução mais adequada à proposta do constituinte - que visava dar ampla e geral proteção às crianças e adolescentes, adotando a doutrina da proteção integral, negando a possibilidade do trabalho infantil.
Não se trata, assim, de restringir direitos ao menor que trabalha, mas sim, de evitar que se empreste efeitos jurídicos, para fins previdenciários, de trabalho realizado em desacordo com a Constituição. Considero, desta forma, o ordenamento jurídico vigente à época em que o(a) autor(a) alega ter iniciado o labor rural para admiti-lo ou não na contagem geral do tempo de serviço, para o que faço as seguintes observações:
As Constituições Brasileiras de 1824 e 1891 não se referiram expressamente à criança e adolescente tampouco ao trabalho infantil.
A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar expressamente da proteção à infância e à juventude e em seu artigo 121 consagrou, além de outros direitos mais favoráveis aos trabalhadores, a proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos; e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
Por sua vez, a Constituição de 1937, repetiu a fórmula da proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
A Constituição de 1946 elevou a idade mínima para a execução de trabalho noturno de 16 para 18 anos, mantendo as demais proibições de qualquer trabalho para menores de 14 anos e em indústrias insalubres para menores de 18 anos, além de proibir a diferença de salário para o mesmo trabalho por motivo de idade.
A Constituição de 1967, embora tivesse mantido a proibição para o trabalho noturno e insalubre para menores de 18 anos, reduziu de 14 para 12 anos a idade mínima para qualquer trabalho.
Por fim, a Constituição da República de 1988, proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre para os menores de 18 anos; e, inicialmente, de qualquer trabalho para menores de 14 anos, como constava nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Todavia, com a Emenda Constitucional 20, de 1998, a idade mínima foi elevada para 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.
Caso concreto - elementos probatórios
A pretensão veiculada nesta ação consiste na concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição desde a data do requerimento administrativo, mediante o reconhecimento de período laborado em atividade rural sem registro em carteira (01/01/74 a 31/12/80 e 01/01/82 a 31/12/88) e atividades especiais relativas ao trabalho prestado na função de motorista às empresas Katayama Alimentos Ltda e Reunidas Paulista Transporte Ltda.
Entretanto, após a realização de entrevista rural com o segurado em 19/11/04 (fls. 37/38), o INSS lavrou o Termo de Homologação da Atividade Rural lavrado em 06/01/05, reconhecendo o exercício da atividade rural nos períodos de 01/01/75 a 31/12/75, 01/01/78 a 31/12/78, 01/01/80 a 12/11/80 e 01/01/85 a 31/12/85 (fl. 40). Ademais, a teor da decisão administrativa proferida (voto) pelo INSS em 08/11/05, houve reconhecimento do tempo especial em relação ao período de 10/05/90 a 28/04/95 (fl. 63). Tais períodos reconhecidos administrativamente são incontroversos.
Assim, considerando-se o teor da sentença, o recurso de apelação do INSS e a parcela incontroversa, resulta que a controvérsia reside em relação a parte dos períodos rurais (1ª parte: 01/01/74 a 31/12/74, 01/01/76 a 31/12/77, 01/01/79 a 31/12/79 e 13/11/80 a 31/12/80 - 2ª parte: 01/01/82 a 31/12/84 e 01/01/86 a 31/12/88) e especiais (29/04/95 a 24/08/98 e 02/10/98 a 23/05/06), e ao direito à aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.
Atividade rural
A parte autora, nascida em 23/04/1956, trouxe aos autos, para comprovar o exercício de atividade rural:
- Certificado de Dispensa de Incorporação emitido pelo Ministério do Exército, relativo ao dispensa no ano de 1975, em que a parte autora é qualificada como lavrador (fl. 28);
- Certidão de Casamento, celebrado em 20/09/80, em que é qualificado como lavrador (fl. 30);
- Certidões de Nascimento dos filhos da parte autora, ocorridos em 10/09/78 e 06/07/85, em que é qualificada como lavrador (fls. 29 e 31).
A parte autora juntou, também, a Declaração de Exercício de Atividade Rural expedida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Moreira Sales, abrangendo o período de 01/01/74 a 31/12/80 e 01/01/82 a 31/12/88, laborado no Sítio São Bento Goierê, de propriedade de Bruno José Bandolin, sem homologação do INSS. No entanto, consoante mencionado acima, consta um Termo de Homologação da Atividade Rural lavrado pelo INSS em 06/01/05, em relação aos períodos de 01/01/75 a 31/12/75, 01/01/78 a 31/12/78, 01/01/80 a 12/11/80 e 01/01/85 a 31/12/85, os quais são incontroversos (fl. 40).
As declarações do proprietário do imóvel rural, onde a parte autora teria atuado, e de terceiros, não possuem valor probante, visto que não foram produzidas contemporaneamente ao período que se deseja provar, sendo datadas do ano de 2004 (fls. 24/27).
Os documentos imobiliários dizem respeito a terceiros (Bruno José Bandolin), não possuindo nenhum vínculo com o suposto trabalho rural da parte autora (fls. 21/23).
Por fim, as testemunhas afirmaram conhecer a parte autora de longa data (desde 1974 - fl. 112; desde a infância - fl. 113). Afirmaram que ela se vinculou às lides rurais de 1974 a 1988, sendo que morou com sua família no Sítio São Bento (município de Moreira Sales), de propriedade de "Bruno", e trabalhou no local como parceiro rural, auxiliado pela família e sem empregados, atuando no cultivo de café, cereais, arroz, feijão e outros. Afirmaram, ainda, que, eventualmente, a parte autora trabalhava em outras propriedades rurais da região do município de Moreira Sales (diarista).
Assim, os depoimentos revelam-se consistentes e idôneos, sendo aptos a corroborar o início de prova material e a estender a sua eficácia probatória.
Nesse sentido, conforme já decidido pela E. 7ª Turma, e tendo em vista o julgamento do Recurso Especial n.º 1.348.633/SP, representativo de controvérsia, pela 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, é possível a admissão de tempo de serviço rural anterior à prova documental, desde que corroborado por prova testemunhal idônea, o que de fato ocorreu.
Entretanto, o período de 13/11/80 a 31/12/80 não pode ser reconhecido como labor rural, eis que consta registro de vínculo empregatício urbano em CTPS no período de 13/11/80 a 19/08/81, trabalhado na função de ajudante em estabelecimento industrial.
Dessa forma, diante dos períodos controversos, a sentença deve ser mantida apenas no tocante ao reconhecimento dos períodos de 01/01/74 a 31/12/74, 01/01/76 a 31/12/77, 01/01/79 a 31/12/79, 01/01/82 a 31/12/84, 01/01/86 a 31/12/88, os quais, associados aos períodos homologados administrativamente e considerados na sentença, totalizam os períodos de 01/01/74 a 12/11/80 e 01/01/82 a 31/12/88.
Atividade especial
O período compreendido entre 29/04/95 a 24/08/98 (82 dB) deve ser parcialmente reconhecido como especial, de vez que apenas no interregno de 29/04/95 a 05/03/97 restou comprovada a exposição habitual e permanente a ruído acima do limite permitido, conforme o formulário acostado à fl. 42, enquadrando-se no código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64 e no item 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79, sendo que o período de 06/03/97 a 24/08/98 não excedeu ao limite legal de 90 dB, vigente a partir de 06/03/97 até 18/11/03.
Já o período de 02/10/98 a 23/05/06 (75dB), laborado na função de motorista de ônibus, não deve ser reconhecido como especial, seja porque é inviável o enquadramento legal por categoria profissional a partir de 29/04/95, seja porque não restou comprovada a exposição habitual e permanente a ruído acima do limite permitido, conforme PPP acostado à fls. 43/44 (emitido em 29/11/04), não se enquadrando no item 2.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e no item 2.0.1 do Decreto nº 3.048/99 c/c Decreto n.º 4.882/03.
Dessa forma, considerando o tempo de serviço rural reconhecido nos autos, bem como o tempo especial e aquele com registro em CTPS/constante no CNIS (fls. 14, 48/49 e CNIS), verifica-se que, na data do requerimento administrativo, a parte autora não havia preenchido o tempo de serviço necessário à concessão da aposentadoria proporcional por tempo de serviço, nos termos do art. 52 e 53 da Lei de Benefícios, bem como não havia atendido ao requisito etário exigido para a concessão da aposentadoria proporcional por tempo de serviço, nos moldes da regra de transição fixada pela EC n° 20/98. Ademais, na data do ajuizamento da ação, não havia atendido ao requisito etário exigido para a concessão da aposentadoria proporcional por tempo de serviço, nos moldes da regra de transição fixada pela EC n° 20/98, bem como não preenchia o tempo de serviço necessário à concessão da aposentadoria integral, na forma das regras atuais.
Contudo, o tempo de serviço posterior ao ajuizamento deve ser computado, segundo o disposto no art. 493 do CPC/2015, e tendo em vista que tal informação consta no banco de dados (CNIS) da Autarquia, não se trata, portanto, de fato novo ao INSS.
Verifica-se, assim, que a parte autora ultrapassou os 35 anos exigidos para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço, nos termos do art. 201, §7º, I, da Constituição da República.
O termo inicial do benefício deverá ser fixado na data em que a parte autora completou todos os requisitos, tendo-se em conta a contagem de tempo posterior ao ajuizamento da ação.
De ofício, determino que as parcelas vencidas sejam corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora, a partir do termo inicial do benefício previdenciário, de acordo com os critérios fixados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. Na esteira desse entendimento, cumpre destacar decisões desta E. Sétima Turma: AgLegal/ApelReex nº 0000319-77.2007.4.03.6183/SP, Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis, 7ª Turma, data do julgamento 23/02/2015; AC nº 0037843-62.2014.4.03.9999/SP, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, 7ª Turma, data do julgamento 26/02/2015; AC nº 0000458-61.2013.4.03.6005/SP, Rel. Des. Fed. Denise Avelar, 7ª Turma, data do julgamento 27/02/2015.
Insta esclarecer que não desconhece este Relator o alcance e abrangência da decisão proferida nas ADIs nºs 4.357 e 4.425, nem tampouco a modulação dos seus efeitos pelo STF ou a repercussão geral reconhecida no RE 870.947 pelo E. Ministro Luiz Fux no tocante à constitucionalidade da TR como fator de correção monetária do débito fazendário no período anterior à sua inscrição em precatório.
Contudo, a adoção dos índices estabelecidos no Manual de Cálculos da Justiça Federal para a elaboração da conta de liquidação é medida de rigor, porquanto suas diretrizes são estabelecidas pelo Conselho da Justiça Federal observando estritamente os ditames legais e a jurisprudência dominante, objetivando a unificação dos critérios de cálculo a serem adotados na fase de execução de todos os processos sob a sua jurisdição.
Deixo de condenar a autarquia em honorários advocatícios, uma vez que a procedência do pedido baseou-se em período laborado no curso da ação. À época do requerimento e do ajuizamento, a parte autora não havia preenchido os requisitos para a obtenção do benefício, não tendo a autarquia, portanto, dado causa à demanda.
Mantida, no mais, a sentença.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao reexame necessário, tido por ocorrido, e à apelação do INSS para modificar o termo inicial do benefício previdenciário e os honorários advocatícios, nos termos supra, nego provimento ao recurso adesivo da parte autora e, de ofício, fixo os critérios de atualização do débito, na forma acima fundamentada.
É como voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | PAULO SERGIO DOMINGUES:10112 |
Nº de Série do Certificado: | 27A84D87EA8F9678AFDE5F2DF87B8996 |
Data e Hora: | 09/08/2016 14:39:27 |