
Apelação Cível Nº 5001524-70.2021.4.04.7110/RS
RELATOR: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
APELADO: NOEMI LEMES PEDERZOLLI (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF) contra sentença proferida nos autos do Procedimento Comum nº 5001524-70.2021.4.04.7110/RS, cujo dispositivo restou assim redigido:
Ante o exposto, ratifico a decisão liminar e julgo parcialmente procedentes os pedidos para: (a) reconhecer o direito da parte autora à quitação integral do contrato de financiamento habitacional n.º 855552080401 , pela cobertura do FGHab, com a consequente liberação dso gravames incidentes sobre o imóvel e (b) condenar a requerida a restituir à parte autora os valores correspondentes aos encargos contratuais pagos após a data da concessão da aposentadoria por invalidez permanente (15/05/2018), corrigidos pelo IPCA-E e acrescidos de juros de mora de 1 %, a contar da citação.
Condeno a parte demanda, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora, os quais, com fulcro no artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil, fixo em 10% do valor da causa, atualizados pela variação do IPCA-E, até o efetivo pagamento.
Em suas razões, a parte apelante argui a pronúncia da prescrição da pretensão da autora, alegando que a aposentadoria por invalidez foi comunicada em 05-6-2018, porém o acionamento do seguro apenas ocorreu em 06-4-2020.
Com contrarrazões (evento 57, CONTRAZ1), vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Analisando o feito, o juízo a quo proferiu a seguinte decisão (processo nº 5001524-70.2021.4.04.7110/RS, evento 48, SENT1):
I)
Noemi Lemes Pederzolli ajuizou a presente ação contra Caixa Econômica Federal - CEF, pretendendo a declaração de seu direito à cobertura securitária do FGHAB (Fundo Garantidor da Habitação Popular), para quitação do contrato de financiamento habitacional n.º 855552080401, celebrado com a requerida, com repetição em dobro das parcelas pagas após a data de concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez.
Liminarmente, requereu a suspensão da exigibilidade das parcelas vincendas.
Em síntese, afirmou que em razão de sua aposentadoria por invalidez permanente, concedida em dia 15/05/2018, buscou junto ao agente financeiro demandado a liberação do fundo garantidor habitacional, mas o pedido não foi atendido, sob o argumento de ter se extinguido a garantia oferecida pelo FGHab, dado o decurso do prazo de 1 (um) ano sem comunicação do sinistro (artigo 18, § 9º, do Estatuto do Fundo Garantidor da Habitação Popular). Preliminarmente, arguiu a legitimidade da CEF e a competência da Justiça Federal, e, ainda, defendeu a desnecessidade de esgotamento da via administrativa. No mérito, alegou que o contrato celebrado com a ré não prevê prazo para a comunicação da invalidez e que o direito à cobertura securitária do saldo devedor deve ser reconhecido desde a data da concessão de seu benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez. Sustentou a necessidade de repetição do indébito, com ressarcimento em dobro dos valores descontados indevidamente após a decretação da invalidez, nos termos do artigo 940, do Código Civil. Por fim, invocou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, requerendo a inversão do ônus da prova, com fundamento no artigo 6º, VII, do CDC.
Foi deferido o pedido liminar e concedido à autora o benefício da gratuidade da justiça, conforme requerido (
).Citada, a ré apresentou contestação (
). Preliminarmente, sustentou a não aplicação do CDC, negando a existência de relação de consumo. No mérito, alegou que a autora não observou o disposto no artigo 18, § 9º, do Estatuto do FGHab, já que o sinistro foi comunicado em 05/06/2018, mas o acionamento da cobertura ocorreu em 06/04/2020, razão pela qual não foi possível a concessão do benefício. Argumentou que as parcelas não pagas pela autora, desde março/2021, devem ser declaradas exigíveis, porquanto não aplicável o seguro FGHAb. Alegou, por fim, que incabível o ressarcimento pretendido e que, ainda que cabível fosse, não estão presentes os requisitos para a repetição em dobro.Juntou documentos: Solicitação de Cobertura de Garantia por MIP (
); Demonstrativo de débito ( ); Planilha de Evolução do Financiamento ( ); Carta de Concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez permanente à autora ( ).A autora apresentou réplica, refutando as alegações da defesa e ratificando os termos da inicial (
).A tentativa de solução consensual do conflito restou inexitosa (
).Vieram os autos conclusos para sentença.
II)
Da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor
É inequívoca a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às avenças celebradas no âmbito do sistema financeiro nacional, incluídos os contratos de seguro.
O caso do autos, contudo, encerra uma peculiaridade.
Conforme consignei na decisão que deferiu a tutela de urgência, o Fundo Garantidor da Habitação Popular é um fundo público, criado, pela Lei nº 11.977/2009, que instituiu o programa Minha Casa Minha Vida, para garantir o pagamento, aos agentes financeiros, dos financiamentos populares, em caso de infortúnios do muturário, como perda de emprego, morte ou invalidez.
Não se trata, portanto, de um serviço ou produto colocado no mercado, mas de um instrumento de política estatal, acessório ao programa de habitação popular, para salvaguarda dos mutuários. A criação do fundo, ademais, evidencia, claramente, a intenção de proteger esse mutuários, mediante condições específicas, sem recorrer à atuação do mercado de seguros.
Portanto, afigura-se patente que não se está diante de relação de consumo, ficando afastada, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à hipótese dos autos.
Da cobertura do FGHab
Passo, então, a analisar a pretensão da parte autora, reiterando os argumentos exarados por ocasião do deferimento da tutela de urgência postulada na inicial.
Dos fundamentos do indeferimento administrativo do pedido da parte autora
Conforme informação enviada pela Caixa por e-mail à parte autora (evento 1, OUT8), a cobertura do FGHAB foi rejeitada sob o seguinte fundamento:
Prezadas Noemi e Marcia,
1. Em atendimento ao acionamento em questão, esclarecemos que a solicitação de cobertura referente ao contrato de financiamento 855552080401 foi indeferida em 07/05/2020.
1.1 A razão que subsidiou a negativa de cobertura pautou-se no artigo 18º, §9º, do Estatuto do Fundo Garantidor da Habitação Popular – FGHab:
§ 9o Extingue-se a responsabilidade da garantia oferecida pelo FGHab: II - em relação ao mutuário, no caso de invalidez permanente, após decorrido 1(um) ano sem que o mutuário tenha comunicado a ocorrência ao agente financeiro, contado da data da ciência da concessão da aposentadoria por invalidez permanente.
1.2 Conforme anexo, a aposentadoria por invalidez foi comunicada em 05/06/2018, porém o acionamento da cobertura ocorreu em 06/04/2020.
2. Informamos que mais informações sobre a análise indeferida podem ser solicitadas na agência da CAIXA.
Contudo, a interpretação adotada pela Caixa não é a mais adequada para a solução do caso dos autos.
Da natureza jurídica da cobertura do FGHAB
Primeiramente cumpre observar que, conforme já referido acima, o Fundo Garantidor da Habitação Popular é um fundo público, criado, pela Lei nº 11.977/2009, que instituiu o programa Minha Casa Minha Vida, para garantir o pagamento, aos agentes financeiros, dos financiamentos populares, em caso de infortúnios do muturário, como perda de emprego, morte ou invalidez.
Assim, apesar da similaridade, a proteção conferida pelo FGHAB decorre de lei, não correspondendo a uma cobertura securitária, nem se sujeitando, portanto, as regras aplicáveis aos contratos de seguro. Por consequência, a norma do artigo 206, §1º do Código Civil (que estabelece as regras de prescrição das pretensões do segurado contra o segurador) não tem aplicabilidade ao caso dos autos.
Sobre a normatização para cobertura por invalidez permanente pelo FGHAB
Diante de tal quadro normativo, cumpre perquirir se a regra do Estatuto do FGHab, invocada pela Caixa Econômica Federal, é capaz de sustentar o indefrimento do pleito da parte autora.
O artigo 20 da Lei nº 11.977/2009 apresenta a seguinte redação (sem grifo no original):
Art. 20. Fica a União autorizada a participar, até o limite de R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), de Fundo Garantidor da Habitação Popular - FGHab, que terá por finalidades:
I - garantir o pagamento aos agentes financeiros de prestação mensal de financiamento habitacional, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, devida por mutuário final, em caso de desemprego e redução temporária da capacidade de pagamento, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais); e (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011)
II - assumir o saldo devedor do financiamento imobiliário, em caso de morte e invalidez permanente, e as despesas de recuperação relativas a danos físicos ao imóvel para mutuários com renda familiar mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais). (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011)
§ 1o As condições e os limites das coberturas de que tratam os incisos I e II deste artigo serão definidos no estatuto do FGHab, que poderá estabelecer os casos em que será oferecida somente a cobertura de que trata o inciso II. (Redação dada pela Lei nº 12.249, de 2010)
(...)
A leitura dos dispositivos legais acima evidencia que o Estatuto do FGHAB detém naturza regulamentar (normativa), legitimamente exercida no âmbito da delegação estabelecida pelo §1º do artigo 20 da Lei nº 11.977/2009.
Desse modo, a fixação do prazo de um ano para comunicação do infortúnio pelo mutuário, para validade da conbertura, não contém, em si, qualquer violação ao ordenamento jurídico. Com efeito, a norma regulamentar, ao fixar tal prazo, está estabelecendo condições e limites para a fruição das coberturas previstas no artigo 20 da Lei nº 11.977/2009, nos estritos termos da delegação fixada no mesmo instrumento normativo.
Portanto, em princípio, seria viável a conclusão de que a parte autora não tem direito à cobertura do FGHAB postulada na inicial.
O caso dos autos, contudo, apresenta uma peculiaridade.
Sobre as disposições da cláusula vigésima segunda do contrato e sua interpretação
A cláusua vigésima segunda do contrato celebrado entre as partes (evento 1, CONTR7, fl. 18 do ajuste), apresenta a seguinte redação:
CLÁUSULA VIGÉSIMA SEGUNDA - COMUNICAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS PARA HABILITAÇÃO À COBERTURA DO FUNDO GARANTIDOR DA HABITAÇÃO POPULAR -
O (s) DEVEDOR (ES) declara (m) estar ciente (s) e, desde já, se compromentem a informar a seus beneficiários que, em caso de ocorrência de morte, os mesmos beneficiários deverão comunicar o evento à CEF, por escrito e imediatamente, sob pena de perda da cobertura depois de decorridos três anos contados da data do óbito.
Paragrafo Primeiro - O (s) DEVEDOR (ES) declara (m) estar ciente (s), ainda, de que deverão comunicar à CEF a ocorrência de sua invalidez permanente ou danos físicos no imóvel objeto deste contrato e apresentar a respectiva documentação.
(...)
A referida cláusula, claramente, não estabelece o prazo de um ano para comunicação do evento, em caso de invalidez permante, apresentando-se omissa e dúbia quanto à questão.
Diante de dessa omissão, duas conclusões se estabelecem.
Primeiro. À míngua de disposição legal estabelecendo o prazo de um ano para comunicação da invalidez permanente, não é possível opor ao mutuário a regra estabelecida sobre a matéria no Estatuto do FGHAB (ainda que legitimamente fixada, como visto acima), quando ela não tenha sido reproduzida no contratdo.
Com efeito, deve-se atentar neste aspecto que se está diante de contrato de financiamento popular, não sendo exigível o conhecimento, pelo mutuário, do regramento infralegal, se tal regramento não estiver expressamente reproduzido na avença.
Segundo. Sendo o contrato claramente de adesão e havendo nele ambiguidade e falta de clareza, impõe-se a aplicação da regra do artigo 423 do Código Civil, que apresenta seguinte redação:
Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
Portanto, diante da omissão contratual e da regra legal acima transcrida, a única interpretação viável para o caso dos autos é a de que a parte autora não está sujeita ao prazo de um ano para informar à CEF a sua invalidez, fazendo jus à cobertura do FGHAB a partir da comunicação formal do evento.
Saliento, por fim, que mesmo uma interpretação sistemática da cláusula vigésima segunda seria favorável à parte demandante. Isso porque, caso admitida a aplicação do prazo previsto no caput (três anos para comunicação de óbito) também para o evento referido no parágrafo primeiro, haveria que ser reconhecida a tempestividade da comunição levada a efeito pela parte autora.
Está inequivocamente evidenciado, portanto, a plausibilidade da pretensão da parte autora, impondo-se o reconhecimento do direito da autora à quitação contratual pela cobertura do FGHab.
Da repetição do indébito
Conforme a Planilha de Evolução do Financiamento apresentada pela ré (
), foram quitados os encargos contratuais mensais até março/2021.Prevê o artigo 18, caput, inciso I, e § 4º, inciso II, alínea a, do Estatuto do Fundo Garantidor da Habitação Popular - FGHab (
, fl. 11):Art. 18. O FGHab assumirá a cobertura do saldo devedor da operação de financiamento com o agente financeiro, nas seguintes condições:
[...]
II - invalidez permanente do mutuário, que ocorrer posteriormente à data da contratação da operação, causada por acidente ou doença.
§ 4º Considera-se como data da ocorrência do evento motivador da garantia do FGHab:
[...]
II - no caso de invalidez permanente:
a) a data da concessão da aposentadoria por invalidez permanente ou do recebimento do primeiro benefício, informada na notificação emitida pelo órgão previdenciário, quando tratar-se de mutuário vinculado ao Regime Especial ou Geral da Previdência Social.
No caso concreto, à vista do regramento aplicável, é devida a restituição dos valores correspondentes aos encargos pagos após a data da concessão da aposentadoria por invalidez permanente à autora, ou seja, após 15/05/2018 (
e ).Não é cabível, no entanto, a repetição em dobro, como pretende a autora.
O autor requereu a restituição em dobro dos valores indevidamente sacados de sua conta fundiária, invocando o disposto no parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor.
Porém, como já dito, o caso dos autos não comporta aplicação das leis consumeristas.
Ademais, mesmo aplicada a regra do artigo 940 do Código Civil, não há que se falar em repetição em dobro.
O referido dispositivo estabelece que:
Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.
A jurisprudência e a doutrina sobre o dispositivo em exame são firmes no sentido de que a repetição em dobro nele prevista requer a presença de má-fé do credor, o que não se verifica no caso dos autos.
Com efeito, na medida em que a demandada rejeitou a cobertura pelo fundo com base em norma regulamentar sobre a matéria, fica afastada a má-fé, ainda que reconhecida, pela presente decisão, a ausência de amparo legal para o ato.
No sentido do entendimento aqui esposado, o seguinte julgado (sem grifo no original):
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. BLOQUEIO JUDICIAL INDEVIDO EM CONTA CORRENTE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. ART. 940, DO CÓDIGO CIVIL. IMPRESCINDÍVEL DEMONSTRAÇÃO DE MÁ-FÉ. NÃO OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MEROS DISSABORES. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELO DESPROVIDO. 1. Em que pesem os argumentos da parte insurgente, para fins de aplicação do artigo 940, do Código Civil, é necessário que se vislumbre má-fé na conduta da parte demandada, não verificada no caso concreto. Ocorre que a duplicidade por si só não gera presunção de má-fé, pois esta exige prova inequívoca, devendo ser afastada a ocorrência de erro não intencional. Quanto à penalização prevista no art. 940, do Código Civil, deve ser observado o mesmo raciocínio, eis que, nos termos da Súmula n.º 159 do Supremo Tribunal Federal, a "Cobrança excessiva, mas de boa fé, não dá lugar às sanções do artigo 1.531 do Código Civil" (artigo equivalente ao art. 940, do Código Civil de 2002). 2. A Segunda Seção do E. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do REsp n.º 1.111.270/PR, sob o rito dos repetitivos (Tema 622), consolidou orientação no sentido de que "a aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (cominação encartada no artigo 1.531 do Código Civil de 1916, reproduzida no artigo 940 do Código Civil de 2002) pode ser postulada pelo réu na própria defesa, independendo da propositura de ação autônoma ou do manejo de reconvenção, sendo imprescindível a demonstração de má-fé do credor". Precedentes. 3. No que toca ao pedido, subsidiário, de indenização por danos morais, é importante lembrar que o dano ensejador de reparação é aquele que causa abalo psíquico relevante à vítima que sofreu lesão aos seus direitos da personalidade como nome, a honra, a imagem, a dignidade, ou à sua integridade física, devendo, para ser considerado como dano moral, existir a comprovação de ato ilícito ou de omissão do ofensor, que resulte em situação vexatória, e que cause prejuízo ou exponha a vítima à notória situação de sofrimento psicológico. 4. O bloqueio indevido sobre o numerário do apelante e a restituição dos valores durou pouco mais de trinta dias. Se houvesse nos autos prova de que a parte recorrente, durante este curto período de tempo, sofreu abalo psicológico, constrangimento ou vexame, ou mesmo perdeu uma chance pela indisponibilidade do dinheiro, o dever de indenizar estaria configurado. Mas não é esta a realidade dos fatos. O erro, embora incontroverso, foi prontamente solucionado, por mais incômodo que possa ter sido, nenhum prejuízo por conta dele sobreveio. 5. Mesmo que não se desconheça que a vítima de injusta violação dos seus direitos da personalidade mereça a devida reparação pelos prejuízos sofridos (art. 5º V e X, da CF; e art. 186, do CC), no caso concreto, muito embora a parte recorrente possa ter passado por aborrecimentos, não se vislumbra por parte da instituição financeira demandada ato suficiente para resultar em situação vexatória, a ponto de causar um prejuízo ou expor a vítima à notória situação de abalo psicológico, de modo que não vejo motivos para alterar o que restou decidido. Precedentes. 6. Apelação desprovida. (TRF4, AC 5000378-80.2019.4.04.7104, QUARTA TURMA, Relator VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, juntado aos autos em 10/04/2022)
No caso concreto, portanto, incabível a devolução em dobro dos valores pagos após a data da concessão da aposentadoria.
III)
Ante o exposto, ratifico a decisão liminar e julgo parcialmente procedentes os pedidos para: (a) reconhecer o direito da parte autora à quitação integral do contrato de financiamento habitacional n.º 855552080401 , pela cobertura do FGHab, com a consequente liberação dso gravames incidentes sobre o imóvel e (b) condenar a requerida a restituir à parte autora os valores correspondentes aos encargos contratuais pagos após a data da concessão da aposentadoria por invalidez permanente (15/05/2018), corrigidos pelo IPCA-E e acrescidos de juros de mora de 1 %, a contar da citação.
Condeno a parte demanda, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora, os quais, com fulcro no artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil, fixo em 10% do valor da causa, atualizados pela variação do IPCA-E, até o efetivo pagamento.
Tendo em vista a sucumbência parcial da parte autora, condeno-a ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte demanda, os quais, com fundamento no artigo 85, §8º, do Código de Processo Civil, arbitro em R$ 2.224,00 (dois mil, duzentos e vinte e quatro reais).
Contudo, por litigar sob o pálio da gratuidade de justiça, fica, a parte autora, dispensada da condenação que ora lhe foi imposta.
Custas parciais (3/4) pela demandada.
Publique-se. Intimem-se.
Ao trânsito em julgado, intime-se a autora para que apresente memória de cálculo quanto aos valores devidos.
Após, intime-se a ré para que efetue o pagamento da condenação, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de incidência da multa de 10 % (dez por cento).
Efetuado o pagamento, intime-se a parte para que se manifeste se pretende a expedição de alvará ou se prefere a realização de transferência eletrônica, devendo então indicar a instituição bancária, agência, operação (caso necessário), número da conta, bem como nome e CPF/CNPJ do titular da conta bancária, e ficando ciente da possibilidade da cobrança de tarifa em caso de transferência interbancária.
Informada a satisfação do crédito ou no silêncio, dê-se baixa e arquivem-se os autos.
Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso interposto e passo à análise do apelo.
Pois bem.
A parte autora firmou contrato por instrumento particular, com efeito de escritura pública, de compra e venda de terreno e mútuo com obrigações e alienação fiduciária com apoio à produção - programa carta de crédito FGTS e Programa Minha Casa, Minha Vida.
Consta da Cláusula Vigésima Primeira da avença (evento 1, CONTR7) que, durante a vigência do contrato, o Fundo Garantidor da Habitação Popular (FGHAB) cobrirá o risco de invalidez permanente, e na Cláusula Vigésima Segunda que os devedores estão cientes que deverão comunicar ao credor a ocorrência do risco.
Diante da concessão de aposentadoria por invalidez a partir de 15-5-2018 (evento 10, ANEXO5) e da negativa de cobertura securitária porquanto extrapolado o prazo de 1 ano para comunicação, a autora ajuizou a demanda.
No entanto, em que pese a sensibilidade da situação concreta, é fato que o prazo prescricional para o mutuário buscar cobertura securitária em decorrência do sinistro de invalidez permanente é de 1 (um) ano, conforme o art. 206, § 1º, inciso II do Código Civil. Nesse sentido (grifei):
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SFH. INVALIDEZ PERMANENTE. MUTUÁRIO. SEGURO. COBERTURA. PRESCRIÇÃO. PRAZO DE UM ANO. RECURSO PROVIDO.
1. A questão da legitimidade passiva da Caixa Econômica Federal encontra óbice na Súmula 7/STJ.
2. A Segunda Seção desta Corte decidiu que é de um ano o prazo prescricional das ações do segurado/mutuário contra a seguradora, nas quais se busca a cobertura de sinistro relacionado a contrato de mútuo firmado no âmbito do SFH (EREsp 1272518/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/06/2015, DJe 30/06/2015).
2. O cômputo do prazo ânuo começa a correr da data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral (Súmula nº 278/STJ), permanecendo suspenso entre a comunicação do sinistro e a data da recusa do pagamento da indenização (Súmula nº 229/STJ) (AgRg nos EDcl no REsp 1507380/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 18/09/2015).
3. No caso, decorrido mais de um ano entre a concessão da aposentadoria e a comunicação do sinistro, declara-se a prescrição.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1367497/AL, Quarta Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 28-3-2017, DJe 06-4-2017)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SEGURO. INVALIDEZ PERMANENTE DE MUTUÁRIO. COBERTURA. PRESCRIÇÃO ANUAL. PRECEDENTES. TERMO INICIAL DO PRAZO. DATA EM QUE O SEGURADO TEVE CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO CARÁTER PERMANENTE DA INVALIDEZ. SUSPENSÃO ENTRE A COMUNICAÇÃO DO SINISTRO E A DATA DA RECUSA DO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO. SÚMULAS N. 229 E 278 DO STJ. PRETENSÃO PRESCRITA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Na hipótese de contrato de mútuo habitacional firmado no âmbito do Sistema Financeiro Habitacional (SFH), é ânuo o prazo prescricional da pretensão do mutuário/segurado para fins de recebimento de indenização relativa ao seguro habitacional obrigatório. Precedentes. 2. O termo inicial do prazo prescricional ânuo, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral (Súmula nº 278/STJ), permanecendo suspenso entre a comunicação do sinistro e a data da recusa do pagamento da indenização (Súmula nº 229/STJ). Precedentes. 3. Razões recursais insuficientes para a revisão do julgado. 4. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 1115628/RS, Terceira Turma, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 05-6-2018, DJe 15-6-2018)
Ademais, sobre a aplicação do prazo prescricional anual nos casos em que o próprio mutuário pleiteia a indenização securitária (portanto, não se trata de pleito de seus herdeiros), cumpre transcrever a seguinte abordagem realizada pela relatora do Recurso Especial 1.694.257/SP, por ser bastante elucidativa (Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 28-8-2018, DJe 31-8-2018, grifei):
De fato, não se descura que a 2ª Seção desta Corte Superior já se manifestou no sentido de que se aplica o prazo prescricional anual às ações do segurado/mutuário contra a seguradora, buscando a cobertura de sinistro relacionado a contrato de mútuo habitacional celebrado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (REsp 871.983/RS, 2ª Seção, DJe 21/05/2012).
Vale destacar que nos fundamentos do voto do referido recurso, a Min. Maria Isabel Gallotti, relatora dos autos, consignou que “a existência de agente financeiro que figura como estipulante, conforme previsão expressa no contrato de mútuo, não altera a qualidade do mutuário como segurado (em nome do qual age o estipulante) e muito menos a circunstância de que ele é conhecedor da existência do seguro e o da ocorrência do sinistro que afeta a sua própria pessoa (invalidez) ou o imóvel de que é proprietário”.
Destarte, a par da discussão de que seria o mutuário verdadeiro beneficiário – e não segurado – do seguro habitacional, tem-se que este STJ dirimiu a controvérsia quando do julgamento do mencionado recurso especial, afinal, considerou que o mutuário tinha sim o status de segurado, motivo pelo qual, aplicar-se-ia a prescrição ânua.
Logo, considerando que o prazo prescricional está previsto em lei e no Estatuto e que há cláusulas do contrato falando sobre a cobertura e informando a necessidade de comunicação junto à instituição financeira, não verifico ilegalidade que possa ensejar desfecho diverso ao presente feito que não seja o da improcedência do pedido da parte autora.
Por outro lado, não é possível afirmar que o prazo fixado no Estatuto vá de encontro aos objetivos do Fundo, porquanto em caso de insegurança jurídica quanto ao tempo em que seria possível exercer o direito discutido (o prazo prescricional), estariam à mercê do arbítrio do segurado não somente o Fundo, mas todos os outros beneficiários e o próprio sistema a ser garantido.
Nessa linha vem decidindo esta Corte:
CIVIL E ADMINISTRATIVO. HABITACIONAL. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. FGHAB. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRESCRIÇÃO. 1. Cabe ao magistrado determinar as providências que entender pertinentes e indeferir as que julgar desnecessárias no que tange à produção de provas, não ocorrendo cerceamento de defesa no caso em tela. 2. É de um ano o prazo legal e contratual para requerimento da ativação do FGHAB em financiamento habitacional, após a ocorrência do sinistro. (TRF4, AC 5007314-23.2016.4.04.7009, Terceira Turma, Relatora Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 30-7-2019)
ADMINISTRATIVO. FGHAB. INUNDAÇÃO. PRESCRIÇÃO. 1. A comunicação formal/administrativa pelos autores, acerca alegados dos danos ao imóvel, ocorreu mais de um ano após os fatos que os geraram. Logo, é possível constatar a ocorrência de perda da garantia em virtude do escoamento do prazo contratual de 1 (um) ano para a comunicação do sinistro, no termos do contrato. 2. Apelação improvida. (TRF4, AC 5003528-94.2018.4.04.7204, Quarta Turma, Relator Desembargador Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 29-8-2019)
APELAÇÃO. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. FINANCIAMENTO HABITACIONAL. COBERTURA PELO FGHAB. INVALIDEZ PERMANENTE. APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL ANUAL. PRESCRIÇÃO CONFIGURADA. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (TRF4, AC 5017289-82.2019.4.04.7003, Quarta Turma, Relator Desembargador Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 08-4-2021)
Logo, resta mantido o indeferimento da cobertura postulada, com a alteração do entendimento exposto na sentença objurgada, e a improcedência da demanda autoral.
Provido o apelo.
Sucumbência
Reformada a sentença, invertem-se os ônus sucumbenciais. Condeno a parte autora ao pagamento de custas e de honorários advocatícios à parte ré, os quais vão fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, conforme o disposto no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada a concessão da justiça gratuita.
Prequestionamento
Em face do disposto nas súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal e 98 do Superior Tribunal de Justiça, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, bem assim desestimular a interposição de recursos protelatórios ou desnecessários, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições constitucionais e legais prequestionadas pelas partes.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5001524-70.2021.4.04.7110/RS
RELATOR: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
APELADO: NOEMI LEMES PEDERZOLLI (AUTOR)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. CONTRATOS BANCÁRIOS. APELAÇÃO cível. SISTEMA FINANCEIRO HABITACIONAL (SFH). COBERTURA PELO FUNDO GARANTIDOR DA HABITAÇÃO POPULAR (FGHAB). INVALIDEZ PERMANENTE. APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL ANUAL. PRESCRIÇÃO CONFIGURADA. provimento.
1. Na hipótese de contrato de mútuo habitacional firmado no âmbito do Sistema Financeiro Habitacional (SFH), é de 1 (um) ano o prazo prescricional da pretensão do mutuário/segurado para fins de recebimento de indenização relativa ao seguro habitacional obrigatório, nos termos do Estatuto do FGHab. Precedentes.
2. Modificada a solução da causa, invertem-se os ônus da sucumbência.
3. Apelação provida. Sentença reformada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de setembro de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 14/09/2022
Apelação Cível Nº 5001524-70.2021.4.04.7110/RS
RELATOR: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
PRESIDENTE: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
APELADO: NOEMI LEMES PEDERZOLLI (AUTOR)
ADVOGADO: MARCIA LOPES DINIZ (OAB RS106444)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 14/09/2022, na sequência 102, disponibilizada no DE de 01/09/2022.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
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