
Apelação Cível Nº 5005902-32.2017.4.04.7200/SC
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: MARINES BORGES DE GOES (AUTOR)
ADVOGADO: RAFAEL DOS SANTOS (OAB SC021951)
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada por MARINES BORGES DE GOES, servidora pública vinculado à Secretaria da Receita Federal em Santa Catarina, em face da UNIÃO FEDERAL postulando, inclusive em caráter de urgência, a determinação para que a ré se abstenha de proceder a quaisquer atos de cobrança, a título de reposição ao erário, de valores que lhe foram pagos entre maio de 2002 e julho de 2007, em virtude de decisão judicial provisória, posteriormente revogada, exarada nos autos da Ação Ordinária nº 2002.72.00.002565-6 e, ao final, a revogação do ato administrativo objeto da notificação enviada em 15/02/2017 e a devolução de valores eventualmente descontados de sua remuneração.
Foi indeferido o pedido de tutela de urgência. A parte autora interpôs o Agravo de Instrumento nº 5069952-36.2017.4.04.0000, ao qual foi dado provimento, 'para determinar que cessem os descontos em folha de pagamento da agravante, a título de reposição ao erário'.
A sentença, integrada por embargos declaratórios (eventos 69 e 92, origem), ratificou a tutela de urgência deferida no AI nº 5069952-36.2017.4.04.0000 e julgou procedentes os pedidos, para (a) declarar a ilegalidade do ato que determinou a reposição ao erário dos valores repassados à autora entre maio de 2002 e julho de 2007; (b) condenar a ré a revogar o referido ato administrativo e a cessar os descontos em folha de pagamento, além de devolver à demandante os valores eventualmente descontados a este título, acrescidos de juros e correção monetária. A ré foi isenta das custas (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e condenada a pagar à autora honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, a teor do art. 85, §§ 2º e 3º, I, do NCPC. A sentença não restou sujeita ao reexame necessário (art. 496, I e §3º, I, do CPC).
A demandante apelou (evento 99, origem), requerendo a reforma da sentença, no ponto em que afastada a arguição da decadência administrativa, pois, segundo alegado pela ora recorrente, equivocou-se o Juízo a quo ao tomar como termo inicial o trânsito em julgado da ação 2002.72.00.002565-6 (09/02/2012). Defende que, com base no princípio da actio nata, os prazos prescricional (art. 1º do Decreto nº 20.910/32) e decadencial (art. 54 da Lei nº 9.784/99) começaram a fluir em setembro de 2007, quando houve a reforma da sentença pelo TRF da 4ª Região e a revogação da decisão precária que impedia a Administração de suprimir a rubrica indevidamente paga à servidora, de modo que, em setembro de 2013, quando instaurado o processo administrativo de reposição ao erário, já havia transcorrido o prazo de cinco anos de que dispunha a Administração.
A União apelou (evento 101, origem), defendendo (a) a não configuração da decadência e a inocorrência do transcurso do prazo prescricional para a Administração reaver os valores repassados de forma indevida à parte autora. Sustentou (a) a legitimidade da reposição na via administrativa, face ao princípio geral de vedação ao enriquecimento sem causa e em decorrência de previsão legal (art. 46 da Lei nº 8.112), independentemente de expresso comando judicial nos autos da ação 2002.72.00.002565-6; (b) a possibilidade de repetição dos valores, pois decorrentes de decisão judicial posteriormente reformada, e não de errônea interpretação ou de má aplicação da lei pela Administração; (c) a ausência de boa-fé na percepção dos valores pagos a título de URP; (d) a observância da garantia da ampla defesa e do contraditório no bojo do processo administrativo para a reposição ao erário. Pugnou pela reforma da sentença.
Com contrarrazões de ambas as partes (eventos 106 e 110, origem), foi efetuada a remessa eletrônica dos autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Síntese Fática
A autora, servidora pública federal, foi beneficiado pela Ação Trabalhista n. 725/1989, ajuizada pelo SINDPREVS/SC, na qual reconhecido o direito ao reajuste remuneratório específico de 26,05%, segundo variação da Unidade de Referência de Preços (URP) de fevereiro de 1989.
Com a incorporação do reajuste, referida verba passou a ser paga em rubrica específica, até que, em 2002, a Administração passou a entender que o percentual deveria ser deduzido em datas-bases seguintes, o que acarretaria a cessação da rubrica ainda em janeiro de 1989.
Determinada a cessação, o referido sindicato ajuizou a Ação Coletiva nº 2002.72.00.002565-6, com o intuito de afastar a referida supressão da URP de fevereiro de 1989. Na referida demanda, foi concedida tutela antecipada (2002) determinando a manutenção dos pagamentos, a qual foi confirmada em sentença, mas cassada por este Regional (2007). O acórdão transitou em julgado em 09/02/2012.
Em setembro de 2013, a autora foi comunicada acerca da instauração do Processo Administrativo nº 11516.000153/2013-96, por meio do qual a Administração deu início ao procedimento de reposição ao erário (evento 1 - OUT11 e PROCADM13, origem). Posteriormente, em fevereiro de 2017, a União comunicou a autora de que passaria a descontar os valores recebidos indevidamente no período de maio de 2002 a julho de 2007 (evento 1 - OUT12, origem).
Estes, pois, os contornos da espécie.
Decadência e Prescrição
De início, ressalta-se que não se aplica ao caso em apreço o prazo decadencial do art. 54 da Lei n. 9.784/1999, in verbis:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
Com efeito, o pagamento da rubrica não decorreu de ato administrativo, mas sim de comando judicial ao qual a Administração encontrava-se vinculada. Consequentemente, a devolução dos valores em comento não possui origem em anulação de ato administrativo, mas sim em decisão administrativa originária.
Esse entendimento, em relação especificamente à URP de fevereiro de 1989, já foi sedimentado pela 2ª Seção desta Corte, no julgamento dos Embargos Infringentes n. 2003.72.00.015695-0, cuja ementa segue transcrita:
ADMINISTRATIVO. ATO ADMINISTRATIVO. REVOGAÇÃO. DECADÊNCIA. ART. 54 DA LEI Nº 9.784/99. EFEITOS. Inaplicável ao caso a decadência prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/99, eis que o pagamento da URP verificou-se em razão de decisão judicial, à qual estava vinculada a Administração Pública, ainda que por interpretação equivocada. Provimento dos embargos infringentes. (TRF4, EIAC 2003.72.00.015695-0, 2ª Seção, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 14/12/2007).
No mesmo sentido: TRF4, AC 5005758-06.2013.404.7101, 4ª Turma, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 01/06/2016); TRF4, AC 5001865-36.2015.404.7101, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 24/02/2016).
Tampouco houve decurso do prazo prescricional de 5 (cinco) anos, fixado por analogia ao art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, pois incide ao caso o princípio da actio nata, de modo que a pretensão de reparação ao erário somente surgiu com o trânsito em julgado da decisão final proferida na ação em que deferida e, após, cassada a antecipação da tutela1.
Antes desse marco temporal, não havia efetiva lesão à Administração, já que não era possível saber se as verbas em questão eram ou não devidas. Dito de outro modo, caso a Ação Coletiva nº 2002.72.00.002565-6 fosse julgada procedente, sequer haveria lesão ao erário, pois os valores pagos a título de URP de fevereiro de 1989 seriam legítimos.
A partir do momento em que foi cassada a tutela antecipada, a Administração Pública poderia tão somente suprimir a verba, pois não mais havia decisão judicial determinando o seu pagamento. No entanto, a reposição ao erário das verbas que já haviam sido adimplidas dependiam do trânsito em julgado na mencionada ação coletiva, pois até então não havia certeza sobre a existência de lesão a bem jurídico.
Portanto, o prazo prescricional para a Administração recobrar os valores repassados a tal título à parte autora teve início apenas com o trânsito em julgado da Ação Coletiva nº 2002.72.00.002565-6, pois nesta ação é que foi reconhecida a ilegalidade do pagamento da aludida rubrica.
Assim, considerando-se que entre o trânsito em julgado da referida demanda coletiva (09/02/2012) e a notificação de reposição ao erário (2013, evento 1 - OUT11, origem) transcorreu intervalo inferior a cinco anos, não há se falar em decurso do prazo prescricional, na medida em que a União agiu dentro do lapso quinquenal para reaver os valores alcançados de forma indevida ao(à) demandante.
Logo, nego provimento ao apelo da parte autora.
Mérito
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.401.560, efetuado em regime de recurso repetitivo, entendeu possível a repetição de valores recebidos do erário no influxo dos efeitos de antecipação de tutela posteriormente revogada, em face da precariedade da decisão judicial que a justifica, sob pena de caracterização de enriquecimento ilícito, ainda que se trate de verba alimentar e esteja caracterizada a boa-fé subjetiva, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C DO CPC/1973. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. ARTIGO 115 DA LEI 8.213/1991. CABIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. 1. Inicialmente é necessário consignar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo n. 2/STJ: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça." 2. Firmou-se em sede de representativo de controvérsia a orientação de que a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos. 3. A principal argumentação trazida pela embargante consiste em que a tutela antecipada que lhe reconheceu o direito à aposentadoria por idade rural, posteriormente, revogada pelo Tribunal a quo, foi concedida de ofício pelo Magistrado de primeiro grau, sem que houvesse requerimento da parte nesse sentido. 4. A definitividade da decisão que antecipa liminarmente a tutela, na forma do artigo 273 do CPC/1973, não enseja a presunção, pelo segurado, de que os valores recebidos integram, em definitivo, o seu patrimônio. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada, consoante artigo 273, § 2º, do CPC/1973. 5. Quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Nos dizeres do Ministro Ari Pargendler, que inaugurou a divergência no âmbito do julgamento do representativo da controvérsia, mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo que recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no Juiz, ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária. 6. Do texto legal contido no artigo 115 da Lei 8.213/1991, apesar de não expressamente prevista norma de desconto de valores recebidos a título de antecipação da tutela posteriormente revogada, é possível admitir, com base no inciso II e, eventualmente, no inciso VI, o ressarcimento pretendido. 7. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no REsp 1401560/MT, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2016, DJe 02/05/2016) (Grifou-se)
Tratando-se de recurso julgado em regime repetitivo, impõe-se a esta Corte render-se aos argumentos do Superior Tribunal de Justiça, entendendo devido o ressarcimento dos valores recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada.
Ressalte-se, contudo, que tal interpretação deve ser observada com temperamentos, impondo-se a devolução apenas nos casos em que a medida antecipatória/liminar não tenha sido confirmada em sentença ou em acórdão, porquanto nas demais situações, embora permaneça o caráter precário do provimento, presente se fez uma cognição exauriente acerca das provas e do direito postulado, o que concretiza a boa-fé objetiva do servidor.
Nesta linha de raciocínio, examinando os Embargos de Divergência nº 1.086.154, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em sessão realizada em 20/11/2013, por maioria, deixou assentado que 'Não está sujeito à repetição o valor correspondente a benefício previdenciário recebido por determinação de sentença que, confirmada em segunda instância, vem a ser reformada apenas no julgamento de recurso especial' (EREsp. 1.086.154-RS - Min. Nancy Andrighi - D.J. 19/03/2014).
Sustenta a eminente Relatora que:
A dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a estabilização da decisão de primeira instância, de sorte que, de um lado, limita a possibilidade de recurso do vencido, tornando estável a relação jurídica submetida a julgamento; e, de outro, cria no vencedor a legítima expectativa de que é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pelo Tribunal de segunda instância.
Essa expectativa legitima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com força definitiva, é suficiente para caracterizar a boa-fé exigida de quem recebe a verba de natureza alimentar posteriormente cassada, porque, no mínimo, confia - e, de fato, deve confiar - no acerto do duplo julgamento.
(...) a ordem de restituição de tudo o que foi recebido, seguida à perda do respectivo benefício, fere a dignidade da pessoa humana e abala a confiança que se espera haver dos jurisdicionados nas decisões judiciais.
Conforme referido linhas acima, tenho que o mesmo raciocínio deve ser conferido aos casos em que, embora não presente a dupla conformidade, haja confirmação do direito em sentença ou concessão do objeto almejado em acórdão, eis que examinada a prova e o direito em cognição exauriente por magistrado.
Neste altura, importa referir que, se é dado ao homem médio criar expectativa legítima (boa-fé objetiva) na irrepetibilidade de verba paga por interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração - matéria reconhecida pela União por meio da edição da Súmula nº 34/AGU -, com muito mais força se mostra presente a boa-fé objetiva nos casos em que o direito é confirmado por um magistrado em cognição exauriente.
De outro lado, calha mencionar que não se está fazendo letra morta ao art. 297, § único, ao art. 519 e ao art. 296, bem como ao art. 520, I e II, que determinam a restituição ao estado anterior das partes em caso de reforma do julgado que ensejou a percepção de tutela provisória e o cumprimento provisório da sentença, respectivamente, porque tais dispositivos, embora constitucionais, devem ser lidos em interpretação conforme a Constituição, não maculando princípio fundamental da República, insculpido no art. 1º, III, da CF/88, que é a dignidade da pessoa humana, menos ainda afrontando a segurança jurídica consubstanciada na sedimentada jurisprudência que, por anos, assentou a irrepetibilidade da verba alimentar.
Assim, sopesando todas as questões acima delineadas, tenho que a melhor interpretação a ser conferida aos casos em que se discute a (ir)repetibilidade da verba alimentar percebida por servidor civil deve ser a seguinte:
a) deferida a liminar/tutela antecipada no curso do processo, posteriormente não ratificada em sentença, forçoso é a devolução da verba recebida precariamente;
b) deferida a liminar/tutela antecipada no curso do processo e ratificada em sentença, ou deferida na própria sentença, tem-se por irrepetível o montante percebido;
c) deferido o benefício em sede recursal, igualmente tem-se por irrepetível a verba.
No caso dos autos, a parte autora percebeu a parcela URP/1989 por força de tutela antecipada confirmada pela sentença, mas revogada por este Regional, de modo que o montante recebido afigura-se irrepetível.
Além disso, oportuno destacar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 27965 AgR, em função dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, posicionou-se pela impossibilidade de devolução de parcela vencimental (verbas recebidas a título de URP) incorporada à remuneração do servidor por força de decisão judicial, tendo em conta expressiva mudança de jurisprudência relativamente à eventual ofensa à coisa julgada. O acórdão foi assim ementado:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVOS REGIMENTAIS EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. APOSENTADORIA. EXAME. DECADÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DIREITO AO PAGAMENTO DA UNIDADE DE REFERÊNCIA E PADRÃO – URP DE 26,05%, INCLUSIVE PARA O FUTURO, RECONHECIDO POR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. PERDA DA EFICÁCIA VINCULANTE DA DECISÃO JUDICIAL, EM RAZÃO DA SUPERVENIENTE ALTERAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS FÁTICOS E JURÍDICOS QUE LHE DERAM SUPORTE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À GARANTIA DA COISA JULGADA, DA SEGURANÇA JURÍDICA, DA BOA-FÉ E DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. DEVOLUÇÃO DAS VERBAS PERCEBIDAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Nos termos da jurisprudência do STF, o ato de concessão de aposentadoria é complexo, aperfeiçoando-se somente após a sua apreciação pelo Tribunal de Contas da União, sendo, desta forma, inaplicável o art. 54, da Lei nº 9.784/1999, para os casos em que o TCU examina a legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão. 2. Inexiste afronta ao princípio da separação de poderes quando o TCU não desconstitui decisão advinda do Poder Judiciário, mas apenas emite interpretação quanto à modificação das condições fáticas que justificaram a prolação da sentença, exercendo o seu poder-dever de fiscalizar a legalidade das concessões. 3. A eficácia temporal da sentença, cuidando-se de relação jurídica de trato continuado, circunscreve-se aos pressupostos fáticos e jurídicos que lhe serviram de fundamento, não se verificando ofensa ao princípio da coisa julgada quando o TCU verifica mudanças no conjunto fático que deu suporte à decisão. 4. Não se constata ofensa aos princípios da segurança jurídica e da boa-fé quando a alteração do contexto fático implica alteração dos fundamentos pelos quais o próprio direito se constituiu. 5. Esta Corte decidiu, quando do julgamento do MS 25.430, que as verbas recebidas a título de URP, que havia sido incorporado à remuneração dos servidores e teve sua ilegalidade declarada pelo Tribunal de Contas da União, até o momento do julgamento, não terão que ser devolvidas, em função dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, tendo em conta expressiva mudança de jurisprudência relativamente à eventual ofensa à coisa julgada de parcela vencimental incorporada à remuneração por força de decisão judicial. 6. Agravos regimentais a que se nega provimento. (MS 27965 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 15/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 08-04-2016 PUBLIC 11-04-2016)
Nesse contexto, não merece prosperar a pretensão da parte ré, pois são irrepetíveis os valores (diferenças salariais da URP) recebidos de boa-fé pela servidora que estava amparada não apenas por decisão judicial proferida em cognição exauriente, mas também por jurisprudência consolidada do STF posteriormente modificada.
Destaco, ainda, que não verifico má-fé do(a) servidor(a) na percepção da rubrica. Isto porque, tratando-se de ação coletiva, para a qual os servidores não outorgaram procuração a advogado de sua confiança, não há como presumir que o Sindicato comunicou toda a categoria do resultado da demanda, daí que não se pode afirmar que os servidores tinham ciência inequívoca da ausência de amparo judicial no recebimento da parcela.
Portanto, reconheço a irrepetibilidade dos valores pagos à parte autora no período de maio de 2002 a julho de 2007.
Dessa forma, nego provimento ao apelo da União
Juros Moratórios e Correção Monetária
Caso a parte ré já tenha efetuado descontos na remuneração da parte autora, tais valores deverão ser acrescidos de juros moratórios e correção monetária.
De início, importa esclarecer que a correção monetária e os juros de mora, sendo consectários da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados até mesmo de ofício. Assim, sua alteração não implica falar em reformatio in pejus.
Em 03/10/2019, o STF concluiu o julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema nº 810), em regime de repercussão geral, rejeitando-os e não modulando os efeitos do julgamento proferido em 20/09/2017.
Com isso, ficou mantido o seguinte entendimento:
1. No tocante às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios idênticos aos juros aplicados à caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997 com a redação dada pela Lei 11.960/2009.
2. O artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina, devendo incidir o IPCA-E, considerado mais adequado para recompor a perda do poder de compra.
Assim, considerando que é assente nas Cortes Superiores o entendimento no sentido de ser inexigível, para a observância da tese jurídica estabelecida no recurso paradigma, que se opere o trânsito em julgado do acórdão, a pendência de publicação não obsta a aplicação do entendimento firmado em repercussão geral.
Por fim, saliente-se que a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da Emenda nº 62/2009 nas ADIs nºs 4.357 e 4.425 aplica-se exclusivamente aos precatórios expedidos ou pagos até a data da mencionada manifestação judicial, não sendo o caso dos autos, em que se trata de fase anterior à atualização dos precatórios.
Portanto, a correção monetária incide desde o vencimento de cada parcela, pelo IPCA-E e, a contar da citação, incidem juros de mora idênticos aos juros aplicados à caderneta de poupança, apurados conforme Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Honorários Advocatícios e Custas Processuais
Mantenho a r. sentença no tocante às custas e aos honorários sucumbenciais, sendo estes majorados em 2%, forte no §11 do art. 85 do CPC/2015, levando em conta o trabalho adicional do procurador da parte autora na fase recursal.
Dispositivo
ANTE O EXPOSTO, voto por negar provimento aos apelos da parte autora e da União.
Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002521572v19 e do código CRC 8dca92e9.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Data e Hora: 12/5/2021, às 13:37:10
Conferência de autenticidade emitida em 20/05/2021 04:00:59.

Apelação Cível Nº 5005902-32.2017.4.04.7200/SC
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: MARINES BORGES DE GOES (AUTOR)
ADVOGADO: RAFAEL DOS SANTOS (OAB SC021951)
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. URP/1989. reposição ao erário. DECADÊNCIA. INAPLICÁVEL. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PARCELA RECEBIDA POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO Nº 1.401.560. INTERPRETAÇÃO COM TEMPERAMENTOS. TUTELA ANTECIPADA CONFIRMADA PELA SENTENÇA. IRREPETIBILIDADE. MANDADO DE SEGURANÇA Nº 27965 DO STF. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA POSTERIORMENTE MODIFICADA.
1. Inaplicável ao caso a decadência prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/99, já que o pagamento da URP/1989 não decorreu de ato administrativo, mas sim de comando judicial ao qual a Administração encontrava-se vinculada.
2. Considerando-se que entre o trânsito em julgado da Ação Coletiva º 2002.72.00.002565-6 (09/02/2012) e a notificação de reposição ao erário (2013) transcorreu intervalo inferior cinco anos, não há se falar em decurso do prazo prescricional, na medida em que a União agiu dentro do lapso quinquenal para reaver os valores alcançados de forma indevida ao(à) demandante.
3. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.401.560, efetuado em regime de recurso repetitivo, entendeu possível a repetição de valores recebidos do erário no influxo dos efeitos de antecipação de tutela posteriormente revogada, em face da precariedade da decisão judicial que a justifica, sob pena de caracterização de enriquecimento ilícito, ainda que se trate de verba alimentar e esteja caracterizada a boa-fé subjetiva.
4. A interpretação do repetitivo deve ser observada com temperamentos, impondo-se a devolução apenas nos casos em que a medida antecipatória/liminar não tenha sido confirmada em sentença ou em acórdão, porquanto nas demais situações, embora permaneça o caráter precário do provimento, presente se fez uma cognição exauriente acerca das provas e do direito postulado, o que concretiza a boa-fé objetiva do servidor.
5. Neste contexto, a melhor interpretação a ser conferida aos casos em que se discute a (ir)repetibilidade da verba alimentar de servidor público, deve ser a seguinte: a) deferida a liminar/tutela antecipada no curso do processo, posteriormente não ratificada em sentença, forçoso é a devolução da verba recebida precariamente; b) deferida a liminar/tutela antecipada no curso do processo e ratificada em sentença, ou deferida na própria sentença, tem-se por irrepetível o montante percebido; c) deferido o benefício em sede recursal, igualmente tem-se por irrepetível a verba.
6. No caso dos autos, a parte autora percebeu a parcela URP/1989 por força de tutela antecipada confirmada pela sentença, mas revogada por este Regional, de modo que o montante recebido afigura-se irrepetível.
7. Ademais, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (MS 27965 AgR), em função dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, é indevida a devolução de parcela vencimental (verbas recebidas a título de URP) incorporada à remuneração do servidor por força de decisão judicial, tendo em conta expressiva mudança de jurisprudência relativamente à eventual ofensa à coisa julgada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento aos apelos da parte autora e da União, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de maio de 2021.
Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002521573v4 e do código CRC d7293065.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Data e Hora: 12/5/2021, às 13:37:10
Conferência de autenticidade emitida em 20/05/2021 04:00:59.

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 03/05/2021 A 11/05/2021
Apelação Cível Nº 5005902-32.2017.4.04.7200/SC
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
APELANTE: MARINES BORGES DE GOES (AUTOR)
ADVOGADO: RAFAEL DOS SANTOS (OAB SC021951)
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/05/2021, às 00:00, a 11/05/2021, às 14:00, na sequência 1249, disponibilizada no DE de 22/04/2021.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AOS APELOS DA PARTE AUTORA E DA UNIÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 20/05/2021 04:00:59.