
Agravo de Instrumento Nº 5008185-55.2021.4.04.0000/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: GERALDO FAVRETO
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento por meio do qual a União se insurge contra decisão que deferiu o pedido de antecipação de tutela, correspondente ao fornecimento de medicamento nintedanibe, para tratamento da doença pulmonar do autor (Evento 20 - DESPADEC1, proc. orig.):
"No caso em tela, a parte autora busca o imediato fornecimento do medicamento Nintedanibe 150mg, duas vezes ao dia, por tempo indeterminado, conforme o atestado médico juntado pela parte autora ao E12 (produzido pelo Dr. Gustavo Picolotto, pneumologista, CREMERS 33855). Destaco os seguintes trechos:
Paciente com doença clinicamente e funcionalmente progressiva, com declínio importante da função pulmonar, em acompanhamento comigo desde maio de 2019.
Os tratamentos previamente efetuados (Formoterol + Budesonida, Beclometasona, Salbutamol) tiveram o objetivo de aliviar os sintomas, sem entanto alterar a progressão da doença.
Em avaliação mais recente, o paciente realizou Polissonografia que indica a necessidade de uso contínuo durante a noite e também a necessidade de suporte ventilatório não invasivo para melhora da oxigenação, redução de sintomas e melhora da qualidade de vida.
O tratamento com essa medicação tem o objetivo de retardar a evolução da doença, melhorando a qualidade de vida e a sobrevida do paciente. Desse modo, tem como urgência sua aquisição.
Logo, resta claro que a não utilização da medicação pleiteada gera risco evidente à vida do autor, evidenciado nesse contexto a adequação e necessidade da tutela requerida.
O parecer técnico do Telessaúde-RS confirmou o diagnóstico, entretanto a conclusão técnica foi desfavorável sob a seguinte justificativa (E18):
A fibrose pulmonar é uma condição de prognóstico reservado, podendo ser comparada a neoplasias, com sobrevida reduzida. Existem estudos mostrando o benefício do uso do nintedanibe na melhora de um parâmetro da espirometria, mas que não se traduziu em benefícios clinicamente relevantes, como aumento de sobrevida, diminuição do número de exacerbações ou melhora da qualidade de vida. Ademais, tanto as agências internacionais quanto a nacional são consistentes em apontar esta como uma tecnologia não custo-efetiva, restringindo sua recomendação de uso à condição de desconto substancial no preço do produto.
Sobre a alternativa disponível no SUS, o parecer referiu o seguinte:
5.4 Disponível no SUS: não.
5.5 Previsto em Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde para a situação clínica do demandante? Não há PCDT para esta condição.
5.6 Alternativa disponível no SUS: tratamentos paliativos (antitussígenos, morfina, corticoterapia, oxigenoterapia) e transplante de pulmão.
Ou seja, o SUS não fornece o medicamento pleiteado nem similar, disponibilizando apenas medicações para os sintomas decorrentes da doença, cuidados de suporte e o transplante de pulmão como alternativa.
Em consulta ao NATS de Minas Gerais, é possível verificar a existência de parecer NT 17/2017, que em resposta ao questionamento proposto sobre a o uso do medicamento NINTEDANIBE para tratamento de fibrose pulmonar idiopática, no processo nº 00151702420178130084, em trâmite na Vara Única de Botelhos (http://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/tjmg/8278/1/NT%2017%20-%202017%20CEMED%20Nintedanib.pdf: acesso em 30/05/2019, às 17:35), assim concluiu:
"Trata-se de doença grave, progressiva sem etiologia esclarecida portanto sem tratamento definitivo e eficaz. Apesar de diversas drogas terem sido investigadas em ensaios clínicos randomizados como agentes potenciais para o tratamento da FPI, até o momento, apenas duas substâncias, de fato, mostraram eficácia no tratamento da moléstia: a pirfenidona e o nintedanibe. O nintedanibe tem sido usado como uma alternativa com evidências de benefícios. O período de tratamento é por tempo indeterminado visando o controle dos sintomas". (grifei)
Além disso, em recentes julgados, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região vem entendendo pelo fornecimento do medicamento NINTEDANIBE. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SUS. NINTEDANIBE. FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS. CONTRACAUTELAS. HONORÁRIOS. 1. A elevada despesa aos cofres públicos não pode ser raz?o para impedir a concessão de medicamento que, embora não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS), atenda aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental. 2. Pareceres técnicos contrários ao tratamento requerido não podem ser considerados isoladamente como categórica negativa de eficácia clínica para a parte que ingressa em juízo. Nesse caso, deve o requerente cumprir ônus probatório que afaste a conclusão do órgão técnico, em razão de sua condição clínica. 3. A imprescindibilidade do medicamento para a sobrevivência do paciente deve ser demonstrada a partir da medicina baseada em evidências. 4. A concessão de fármaco de elevado custo por tempo indeterminado exige a adoção de medidas de contracautela, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, inclusive de ofício. 5. Nas ações que possuem por objeto a prestação de serviço de saúde, o proveito econômico é inestimável, o que impõe a aplicação do art. 85, §8º, do CPC, o qual autoriza o arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais conforme a apreciação equitativa do magistrado. (TRF4, AC 5009465-37.2017.4.04.7102, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 31/12/2020)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. RECURSO ESPECIAL N.º 1.657.156/RJ. TEMA 106 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NINTEDANIBE. FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA. TUTELA PROVISÓRIA. VIABILIDADE. 1. Nos termos definidos no julgamento do REsp n.º 1.657.156/RJ (Tema 106 - STJ), a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. 2. A indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS. 3. In casu, houve indicação clínica fundamentada de médico pneumologista, referindo impossibilidade de substituição da droga em face do quadro de saúde da demandante. Demais disso, os estudos científicos - de acordo com a Nota Técnica n.º 16.7391/2020, constante do banco de dados do sistema e-NatJus - demonstram que o NINTEDANIBE apresenta efeito benéfico em retardar a progressão da doença. (TRF4, AG 5046619-50.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 18/12/2020)
SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. COMPROVAÇÃO. FIBROSE PULMONAR E ESCLEROSE SISTÊMICA. MICOFENOLATO MOFETIL E NINTEDANIBE. IMPRESCINDIBILIDADE E ADEQUAÇÃO PARA FINS DE TUTELA DE URGÊNCIA. 1. Houve indicação clínica relatando que o autor já fez uso de outras medicações sem sucesso, e que a doença é crônica, sem possibilidade de cura; destacando que não há no momento outra opção terapêutica. 2. Em que pese a CONITEC tenha emitido parecer pela não incorporação da medicação, a comissão reconhece que a evidência atual mostra benefício em termos de retardo na progressão da doença, indicando diversas agências internacionais que recomendam seu uso, bem assim diversos estudos favoráveis, tendo mais relevância para a recomendação negativa a questão da custo-efetividade. 3. Destaca-se que esta Turma tem reconhecido o direito à medicação postulada, por ser a única alternativa disponível no mercado (juntamente com a pirfenidona, igualmente não disponível no SUS), para o tratamento da fibrose pulmonar idiopática. 4. No presente caso, a combinação dos medicamentos postulados mostra-se a única alternativa terapêutica com possibilidade de aumentar a expectativa de vida do autor. 5. Agravo de instrumento provido. (TRF4, AG 5046953-84.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 18/12/2020)
PREVIDENCIÁRIO. MEDICAMENTO. NINTEDANIBE. FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA. INEXISTÊNCIA DE ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS. COMPROVAÇÃO DA EFICÁCIA TERAPÊUTICA. HONORÁRIOS. 1. A Constituição Federal de 1988, após arrolar a saúde como direito social em seu artigo 6º, estabelece, no art. 196, que a saúde é "direito de todos e dever do Estado", além de instituir o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Faz jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstra a respectiva imprescindibilidade, que consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco e na ausência de alternativa terapêutica para o seu caso concreto. Hipótese verificada. 4. Nas ações que versam sobre fornecimento de medicamento, a fixação dos honorários advocatícios deve se dar de forma equitativa, pois a demanda possui valor econômico inestimável por se tratar de tutela da saúde, sendo aplicáveis as disposições do art. 85, § 8º do CPC/15. (TRF4 5003491-29.2016.4.04.7110, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 22/04/2019)
Quanto à hipossuficiência da parte autora, verifica-se que uma caixa com 60 comprimidos, o necessário para um mês de tratamento, custa R$ 18.500,00, segundo menor orçamento acostado aos autos - E1, COMP10 e a autora não aparenta possuir rendimentos suficientes para financiá-lo (E1, COMP8 e COMP9 - comprovantes de recebimento de aposentadoria seu e de sua esposa no valor de R$ 1.045,00 cada).
Assim, de tudo o que se colhe dos autos até o momento, tenho que já existam elementos técnicos suficientes nos autos para concluir, ainda que de forma precária, como pede o exame em sede liminar, que o medicamento postulado aparenta ser eficaz, pela medicina (ou seja, o tratamento parece ser o mais adequado), para o caso da parte autora, bem como aparenta ter seu uso indicado, de forma imprescindível, para o caso concreto em consideração (ou seja, o tratamento parece ser necessário no quadro evolutivo da doença da paciente-autora, sob pena de agravamento da moléstia da paciente-demandante.
Outrossim, no que se refere ao requisito da urgência, entendo que o tratamento requerido pode ser caracterizado como urgente nos termos da lei devido a gravidade da doença.
Dessa forma, há necessidade premente do fornecimento do medicamento que se sobrepõe a eventuais óbices administrativos que possam existir.
Outrossim, em que pese tratar-se de obrigação solidária, que pode ser exigida de cada um dos réus, entendo que para melhor operacionalizar o cumprimento desta decisão, evitando o risco da falta do fornecimento do fármaco à parte autora, deve o provimento judicial ser direcionado ao Estado do Rio Grande do Sul, na qualidade de poder público responsável pela distribuição dos medicamento no âmbito do SUS, salientando que eventual acerto de contas será analisado em sentença.
Do exposto, DEFIRO o pedido de tutela de urgência para determinar ao Estado do Rio Grande do Sul, na qualidade de poder público responsável pela saúde, por intermédio do SUS, que, no prazo de 15 dias a contar da intimação da presente decisão, forneça à parte autora o medicamento NINTEDANIBE (OFEV) 150 mg, 2 comprimidos ao dia, para um período inicial de seis meses, conforme prescrição médica constante nos autos, a fim de permitir o início do tratamento, ou, no mesmo prazo de 15 dias, efetue o depósito do valor referente ao custo do medicamento.
(...)"
A União traz farta argumentação acerca do tratamento e da existência de alternativas terapêuticas no âmbito do SUS, e que o Recurso Repetitivo nº 1.657.156/RJ veda o fornecimento de medicamento sem a comprovação de ineficácia dos fármacos fornecidos pelo SUS. Narra que a Nota Ténica juntada aos autos é desfavorável ao fornecimento do medicamento ao autor. Relata que há parecer do CCATES contrário à utilização do medicamento e que há recomendação da CONITEC de não incorporação do medicamento. Postula a antecipação de tutela recursal.
O pedido de atribuição de efeito suspensivo foi indeferido.
Com contrarrazões, vieramos autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Por ocasião da apreciação do pedido de atribuição de efeito suspensivo, assim me manifestei:
"O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas.
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Não se trata de direito absoluto, uma vez que é desarrazoado exigir do Estado custear todo e qualquer tratamento de saúde aos cidadãos, sob pena de instaurar uma desordem administrativa e inviabilizar o funcionamento do SUS.
É certo que a atribuição de formular e implantar políticas públicas na defesa da saúde da população é do Executivo e do Legislativo, entretanto, não pode o Judiciário se furtar de seu múnus público quando chamado para apreciar alegações de desrespeito a direitos fundamentais individuais e sociais, entre eles o direito à saúde do cidadão.
O egrégio Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária de 17/03/2010, no Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 175, definiu alguns parâmetros para solução judicial dos casos que envolvem direito à saúde:
(a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente;
(b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente;
(c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e
(d) a não configuração de tratamento experimental.
Na mesma senda, o egrégio Superior Tribunal de Justiça estabeleceu requisitos para fins de concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (REsp 1657156/RJ, rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, DJe 04/05/2018).
O leading case está assim ementado:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.
1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos.
2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados.
3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106).
Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas.
4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
(ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
(iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015.
Cabe referir que, com a finalidade de criar uma diretriz institucional para a dispensação de medicamentos no âmbito do SUS, em especial diante da necessidade de incorporar novas tecnologias cuja eficácia e adequação fossem comprovadas, de modo a constituirem-se em parte da assistência terapêutica integral fornecida pelo SUS, foi alterada a Lei nº 8.080/90 pela Lei nº 12.401/2011, que criou um procedimento, a cargo do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC.
De especial interesse para a apreciação do caso concreto, os artigos 19-M e 19-Q, fornecem diretrizes para a dispensação medicamentosa que considero relevantes:
Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em:
I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P;
“Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada:
I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite;
II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Bipartite;
III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde.”
“Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.
Observa-se que foi definido legalmente conceito de assistência integral de saúde de forma mais restrita, buscando equilibrar a necessidade do cidadão de um tratamento que seja mais eficaz e os limitados recursos do sistema de saúde para alcançar esta finalidade.
Considero que tais parâmetros encontram-se dentro daquilo que razoavelmente pode ser exigido do Estado pelo cidadão, levando em consideração o princípio da isonomia e os termos do princípio da reserva do possível. Ou seja, na dispensação medicamentosa deve-se levar em consideração o alcance do medicamento a todos os cidadãos em situação similar o que, no caso de medicamentos de alto custo, deve ser não somente possível, mas também sustentável.
Deste modo, a atuação do Judiciário em seara que não é de sua natural ambientação, uma vez que se ingressa no âmbito da discricionariedade administrativa, se qualifica e justifica quando visa assegurar o efetivo fornecimento de medicamentos ou outras prestações de saúde integrados à política de saúde vigente e que não estejam sendo fornecidos ou, excepcionalmente, quando o SUS não fornece tratamento eficaz, não oferece qualquer tratamento ou, ainda, quando, especialmente quando se trata de aumento de sobrevida ou de qualidade de vida, quando o medicamento apresenta eficácia diversa da opção indicada pelo SUS, sendo, de qualquer sorte, de se buscar observar as diretrizes da CONITEC, nos termos do art. 19-Q da Lei nº 8.080/90, naquilo que se revele adequado.
Caso concreto
O autor é portador de fibrose pulmonar por pneumonia de hipersensibilidade crônica. (CID J84.1), e objetiva o fornecimento de Nintedanibe (Ofev).
Em outros feitos, havia indeferido o fornecimento do medicamento devido à recomendação da CONITEC de não incorporação do medicamento.
Contudo, em melhor exame do Relatório de Recomendação da CONITEC, quando se trata das "evidências científicas", foi constatado que "Em INPULSIS-II, houve um beneficio significativo com nintedanibe vs. placebo (HR 0,38, IC95%, 0,19 a 0,77, P = 0,005).
Na parte relativa à experiência internacional, constou do relatório que "O National Institute for Health and Care Excellence – NICE recomenda o uso do nintedanibe como opção de tratamento para pacientes com FPI apenas nos casos em que o paciente apresentasse CVF entre 50 % e 80 % do valor predito, negociação de preço e interrupção do tratamento em caso de progressão da doença. O Canadian Agency for Drugs & Technologies in Health – CADTH recomenda o medicamentos nas mesmas condições contanto que o custo do medicamento não exceda o valor planejado para o medicamento pirfenidona. A Scottish Medicines Consortium - SMS aprovou para uso em pacientes com uma CVF predita menor ou igual a 80%. A Pharmaceutical Benefits Advisory Committee(PBS) e a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P. (Infarmed) recomendaram a inclusão do nintedanibe para tratamento da FPI sobre certas condições; concluindo que o medicamento permite, para alguns pacientes uma significante melhora frente aos melhores cuidados de suporte." Mesmo que com algumas restrições, internacionalmente têm sido recomendado o uso do Nintedanib.
Do laudo da Telessaúde (Evento 18), infere-se que a não recomendação se deu pelo custo-efetividade, mas não pela falta de evidências científicas.
Esta 5ª Turma já se manifestou pelo fornecimento do medicamento:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SUS. NINTEDANIBE. FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS. CONTRACAUTELAS. HONORÁRIOS.
1. A elevada despesa aos cofres públicos não pode ser raz?o para impedir a concessão de medicamento que, embora não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS), atenda aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental.
2. Pareceres técnicos contrários ao tratamento requerido não podem ser considerados isoladamente como categórica negativa de eficácia clínica para a parte que ingressa em juízo. Nesse caso, deve o requerente cumprir ônus probatório que afaste a conclusão do órgão técnico, em razão de sua condição clínica.
3. A imprescindibilidade do medicamento para a sobrevivência do paciente deve ser demonstrada a partir da medicina baseada em evidências.
4. A concessão de fármaco de elevado custo por tempo indeterminado exige a adoção de medidas de contracautela, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, inclusive de ofício.
5. Nas ações que possuem por objeto a prestação de serviço de saúde, o proveito econômico é inestimável, o que impõe a aplicação do art. 85, §8º, do CPC, o qual autoriza o arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais conforme a apreciação equitativa do magistrado. (AC 5009465-37.207.4.04.7102, data da decisão: 17/12/2020, Rel. Osni Cardoso Filho)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SUS. NINTEDANIBE. FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS. CONTRACAUTELAS. HONORÁRIOS.
1. A elevada despesa aos cofres públicos não pode ser raz?o para impedir a concessão de medicamento que, embora não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS), atenda aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental.
2. Pareceres técnicos contrários ao tratamento requerido não podem ser considerados isoladamente como categórica negativa de eficácia clínica para a parte que ingressa em juízo. Nesse caso, deve o requerente cumprir ônus probatório que afaste a conclusão do órgão técnico, em razão de sua condição clínica.
3. A imprescindibilidade do medicamento para a sobrevivência do paciente deve ser demonstrada a partir da medicina baseada em evidências.
4. A concessão de fármaco de elevado custo por tempo indeterminado exige a adoção de medidas de contracautela, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, inclusive de ofício.
5. Nas ações que possuem por objeto a prestação de serviço de saúde, o proveito econômico é inestimável, o que impõe a aplicação do art. 85, §8º, do CPC, o qual autoriza o arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais conforme a apreciação equitativa do magistrado.(AC 5001716-65.2019.4.04.7112, data da decisão: 26/05/2020, rel. para acórdão: Gisele Lemke)
Tenho, assim, que a decisão agravada analisou bem a questão.
Ante o exposto, indefiro o pedido de atribuição de efeito suspensivo, nos termos da fundamentação.
(...)"
Com efeito, não havendo novos elementos capazes de ensejar a alteração do entendimento acima esboçado, deve ser mantida a decisão, por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002509157v3 e do código CRC 635d4ffa.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GISELE LEMKE
Data e Hora: 26/4/2021, às 19:53:34
Conferência de autenticidade emitida em 19/05/2021 04:01:25.

Agravo de Instrumento Nº 5008185-55.2021.4.04.0000/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: GERALDO FAVRETO
EMENTA
agravo de instrumento. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. NINTEDANIBE (OFEV®). FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA. DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE DO fármaco.
1. A saúde é um direito social fundamental de todo o cidadão, nos termos dos artigos 6º e 196 da Constituição Federal, sendo dever do Estado garantir "acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
2. O STF, no julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada n. 175, estabeleceu os seguintes critérios que devem ser analisados nas ações que versem sobre prestações na área da saúde: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental.
3. Faz jus ao medicamento custeado pelo Poder Público a parte que demonstrar a necessidade e adequação do tratamento, bem como esgotamento das alternativas prevista no sistema público e a indicação foi corroborada por perícia judicial.
4. Em exame do Relatório de Recomendação da CONITEC, quando se trata das "evidências científicas", foi constatado que "Em INPULSIS-II, houve um beneficio significativo com nintedanibe vs. placebo (HR 0,38, IC95%, 0,19 a 0,77, P = 0,005). Na parte relativa à experiência internacional, constou do relatório que "O National Institute for Health and Care Excellence – NICE recomenda o uso do nintedanibe como opção de tratamento para pacientes com FPI apenas nos casos em que o paciente apresentasse CVF entre 50 % e 80 % do valor predito, negociação de preço e interrupção do tratamento em caso de progressão da doença. O Canadian Agency for Drugs & Technologies in Health – CADTH recomenda o medicamentos nas mesmas condições contanto que o custo do medicamento não exceda o valor planejado para o medicamento pirfenidona. A Scottish Medicines Consortium - SMS aprovou para uso em pacientes com uma CVF predita menor ou igual a 80%. A Pharmaceutical Benefits Advisory Committee(PBS) e a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P. (Infarmed) recomendaram a inclusão do nintedanibe para tratamento da FPI sobre certas condições; concluindo que o medicamento permite, para alguns pacientes uma significante melhora frente aos melhores cuidados de suporte." Mesmo que com algumas restrições, internacionalmente têm sido recomendado o uso do Nintedanib.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de maio de 2021.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002509158v3 e do código CRC 9c19d78e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GISELE LEMKE
Data e Hora: 11/5/2021, às 17:41:45
Conferência de autenticidade emitida em 19/05/2021 04:01:25.

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 04/05/2021 A 11/05/2021
Agravo de Instrumento Nº 5008185-55.2021.4.04.0000/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): CARLOS EDUARDO COPETTI LEITE
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: GERALDO FAVRETO
ADVOGADO: ELOIZA PANISSON (OAB RS074354)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 04/05/2021, às 00:00, a 11/05/2021, às 14:00, na sequência 244, disponibilizada no DE de 23/04/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 19/05/2021 04:01:25.