APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5019804-08.2010.4.04.7100/RS
RELATORA | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
APELANTE | : | PAULO ALVARO DE SOUSA FILHO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. ATIVIDADES CONCOMITANTES PRESTADAS SOB O RGPS. TRANSFORMAÇÃO DO EMPREGO PÚBLICO EM CARGO PÚBLICO. CONTAGEM PARA OBTENÇÃO DE APOSENTADORIA EM REGIMES DIVERSOS. POSSIBILIDADE. CÔMPUTO DO ACRÉSCIMO DECORRENTE DA CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. IMPOSSIBILIDADE.
1. A concessão de aposentadoria por idade urbana depende do preenchimento da carência exigida e da idade mínima de 60 anos para mulher e 65 anos para homem.
2. Possível a utilização, para a obtenção de aposentadoria pelo Regime Geral da Previdência Social, do tempo de serviço em que o autor trabalhou na iniciativa privada, no âmbito do RGPS, ainda que, de forma concomitante, tenha pertencido ao quadro de servidores do Ministério da Saúde, tendo em vista a transformação, em 12/12/1990, do emprego público em cargo público, em que passou a ter Regime Próprio de Previdência, pelo qual se aposentou.
3. Hipótese em que a situação é similar à dos servidores públicos federais, em relação aos quais houve submissão, por força do art. 243 da Lei n. 8.112/90, ao novo regime instituído, com a previsão expressa, no art. 247 da mencionada norma, de compensação financeira entre os sistemas, de modo que, se os empregos públicos foram transformados em cargos públicos, o tempo celetista anterior foi incorporado, de forma automática, ao vínculo estatutário, com a compensação financeira entre os sistemas (Terceira Seção desta Corte, EI n. 2007.70.09.001928-0, Rel. para o acórdão Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 14-01-2013).
4. Para concessão de aposentadoria por idade exige-se o requisito etário e a carência mínima prevista em lei, não sendo possível computar tempo ficto decorrente da conversão do tempo especial em comum.
5. A norma prevista no artigo 50 da Lei nº 8.213/91 exige, para a majoração do percentual incidente sobre o salário-de-benefício da aposentadoria por idade, grupos de 12 (doze) contribuições, conceito diverso de 'anos completos de atividade' (artigo 53, inciso I, da Lei nº 8.213/91). Portanto, não é possível a utilização de tempo ficto, advindo da conversão de tempo especial em comum, para fins de majoração do coeficiente de cálculo da aposentadoria por idade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, determinando a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 22 de fevereiro de 2017.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
Documento eletrônico assinado por Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7525158v11 e, se solicitado, do código CRC F7B9A87A. | |
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Signatário (a): | Marina Vasques Duarte de Barros Falcão |
Data e Hora: | 28/02/2017 20:47 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5019804-08.2010.4.04.7100/RS
RELATORA | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
APELANTE | : | PAULO ALVARO DE SOUSA FILHO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação da parte autora contra sentença em que o magistrado a quo julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer o tempo de serviço urbano de 01-07-2009 a 22-07-2009, e a especialidade dos períodos de 08-07-1971 a 25-10-1985, 01-07-1985 a 16-03-1987, 01-03-1987 a 30-10-1987 e 01-01-1991 a 31-10-1993, deixando de conceder a aposentadoria por idade urbana por falta de carência para tanto.
Interpostos embargos de declaração pela parte autora, estes foram rejeitados.
Em suas razões, o autor requer o reconhecimento do tempo de serviço urbano em que, de forma concomitante, esteve vinculado ao RGPS como médico autônomo e como médico do Ministério da Saúde, uma vez que, neste último, houve transposição para o Regime Jurídico Único, viabilizando assim que o tempo como autônomo seja computado para a outorga da aposentadoria por idade pelo Regime Geral. Postula, ainda, o reconhecimento, como especiais, dos intervalos não acolhidos na sentença, o que "autoriza seja computado a seu tempo de contribuição adicional de 40% (quarenta por cento)".
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento, também por força de reexame necessário.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Remessa Oficial
Nos termos do artigo 14 do novo CPC, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
O intuito do legislador foi salvaguardar os atos já praticados, perfeitos e acabados, aplicando-se a nova lei processual com efeitos prospectivos.
Nesse sentido, as sentenças sob a égide do CPC de 1973 sujeitavam-se a reexame obrigatório se condenassem a Fazenda Pública ou assegurassem ao autor direito equivalente ao valor de sessenta salários mínimos ou mais.
A superveniência dos novos parâmetros (NCPC, art. 496, § 3º), aumentando o limite para reexame obrigatório da sentença, traz a indagação quanto à lei aplicável às sentenças publicadas anteriormente e ainda não reexaminadas. Uma das interpretações possíveis seria a de que, em tendo havido fato superveniente à remessa - novo CPC - a suprimir o interesse da Fazenda Pública em ver reexaminadas sentenças que a houvessem condenado ou garantido proveito econômico à outra parte em valores correspondentes a até mil salários mínimos, não seria caso de se julgar a remessa. Inexistindo o interesse, por força da sobrevinda dos novos parâmetros, não haveria condição (interesse) para o seu conhecimento.
No entanto, em precedente repetido em julgamentos sucessivos, o STJ assentou que a lei vigente à época da prolação da decisão recorrida é a que rege o cabimento da remessa oficial (REsp 642.838/SP, rel. Min. Teori Zavascki).
Nesses termos, em atenção ao precedente citado, o conhecimento da remessa necessária das sentenças anteriores à mudança processual observará os parâmetros do CPC de 1973, aplicando-se o novo CPC às sentenças posteriores.
Se a sentença sujeita a reexame necessário é a que condena a Fazenda Pública em valor superior ou igual a sessenta salários mínimos, impõe-se aferir o montante da condenação na data em que proferida, pois é neste momento que é feita a avaliação quanto à obrigatoriedade da remessa. Valores sujeitos a vencimento futuro não podem ser considerados para este efeito, pois não é possível estimar por quanto tempo o benefício será mantido.
No caso dos autos, como a sentença fixou tão somente a averbação do tempo de serviço urbano de 01-07-2009 a 22-07-2009 e da especialidade dos períodos de 08-07-1971 a 25-10-1985, 01-07-1985 a 16-03-1987, 01-03-1987 a 30-10-1987 e 01-01-1991 a 31-10-1993, sem conceder o benefício postulado, não se pode cogitar de condenação em parcelas vencidas até então, nem em resultado econômico da demanda.
Em tais condições, resta afastada, por imposição lógica, a necessidade da remessa para reexame.
Ante o exposto, não conheço da remessa oficial.
Mérito
A parte autora requereu o reconhecimento do tempo de serviço urbano comum de 01-10-1969 a 30-04-1971, 01-06-1971 a 06-02-1973, 03-07-2000 a 01-11-2001 e 01-04-2003 a 22-07-2009. Postulou, ainda, o cômputo, como especiais, dos interstícios de 07-02-1973 a 30-11-1976, 01-05-1977 a 31-03-1980, 01-06-1980 a 31-07-1980, 01-07-1985 a 16-05-1987, 17-05-1987 a 30-10-1987 e 01-01-1991 a 31-10-1993, em que laborou como médico autônomo, além dos intervalos de 08-07-1971 a 22-10-1985 e 01-07-1985 a 16-03-1987, em que trabalhou como médico empregado (para União Gaúcha dos Policiais Civis - UGAPOCI e Companhia Riograndense de Telecomunicações - CRT, respectivamente), tudo com vista à obtenção de aposentadoria por idade urbana.
Para melhor compreensão dos fatos e análise do direito postulado, esclareço que o autor já é detentor de duas aposentadorias estatutárias:
a) junto ao Ministério da Saúde, com início em 28/12/1994, com cômputo de tempo de serviço como autônomo de 08/04/1964 a 30/06/1965 e de 01/01/1968 a 09/10/1969, bem como o próprio período laborado junto ao órgão público federal, de 10/10/1969 a 27/12/1994;
b) junto à Prefeitura Municipal de Canoas/RS, concedida em 04/02/1998, computando as atividades prestadas ao governo do Estado de Pernambuco de 01/01/1967 a 31/12/1967 e o período de 22/10/1969 a 03/02/1998, como médico do município gaúcho.
Pretende, em suma, computar períodos em que alega ter trabalhado como autônomo e como contratado da UGAPOCI e da CRT, além do reconhecimento, como especial, das atividades prestadas nesses interregnos, objetivando a concessão de aposentadoria por idade urbana, agregando ao tempo de contribuição o acréscimo oriundo da conversão da atividade especial em comum, sem importar o fato de tais atividades terem sido concomitantes aos vínculos empregatícios que deteve junto aos órgão públicos antes de sua conversão em cargos públicos.
O juízo a quo considerou que, se as atividades eram concomitantes e todas exercidas antes da conversão dos empregos públicos em cargos públicos, estavam sob o mesmo regime de previdência social, razão pela qual o aproveitamento de parte das atividades para a concessão de aposentadoria pública inviabiliza o aproveitamento das demais.
Quanto aos períodos como autônomo, somente considerou aqueles sobre os quais houve o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, cuja responsabilidade é individual (01-03-1987 a 30-10-1987, 01-01-1991 a 31-10-1993 e 01-07-2009 a 22-07-2009).
E, em relação ao reconhecimento da especialidade, o julgador singular considerou como especiais as atividades exercidas para a UGAPOCI (08/07/1971 a 22/10/1985), CRT (01/07/1985 a 16/03/1987) e como autônomo (01/03/1987 a 30/10/1987 e 01/01/1991 a 31/10/1993), todas em razão do enquadramento por categoria profissional - médico (códigos 2.1.3 do Quadro Anexo do Decreto n. 53.831/64 e 2.1.3 do Anexo II do Decreto n. 83.080/79).
Considerando que o INSS não recorreu da sentença e que a remessa oficial não está sendo conhecida, pelas razões já expostas, deixo de apreciar os períodos de atividades como autônomo reconhecidas na sentença e aqueles em que reconhecida a especialidade da atividade, elencadas no parágrafo anterior.
Importante ressaltar, também, que o INSS já reconheceu, na via administrativa, o tempo de serviço comum de 01-01-1991 a 31-10-1993 (também reconhecido em sentença), 03-07-2000 a 01-11-2001 e 01-05-2003 a 30-06-2009, conforme demonstra o Resumo de Documentos para Cálculo do Tempo de Contribuição do Evento 30, PROC ADM 1, p. 36. Desse modo, não tem a parte autora interesse de agir no que diz com o seu reconhecimento. Sendo carente de ação no ponto, cabível, nesse limite, a extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos que dispõe o art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.
Quanto às demais atividades que o autor alegadamente exerceu como autônomo, com razão o julgador singular, que não as reconheceu, pois desacompanhadas das respectivas contribuições previdenciárias, cujo recolhimento é da responsabilidade do profissional, na condição de contribuinte individual. Nesse sentido, a mera comprovação do exercício da atividade não é suficiente. De qualquer sorte, o autor limitou-se a comprovar a existência de consultório médico estabelecido, mediante certidões da Prefeitura Municipal de Porto Alegre (evento 30, PROCADM1, fls. 28/29), mas não o recolhimento das contribuições, que, aliás, também não constam do CNIS. Assim, fica mantido o não reconhecimento dos períodos de 01-10-1969 a 30-04-1971, 01-06-1971 a 06-02-1973, 07-02-1973 a 30-11-1976, 01-05-1977 a 31-03-1980, 01-06-1980 a 31-07-1980, 01-07-1985 a 16-05-1987 e 17-05-1987 a 30-10-1987.
Por via de consequência, não reconhecido o próprio tempo de serviço, fica prejudicada a análise da especialidade da alegada atividade nesses interregnos.
Quanto ao acréscimo de 40% devido à conversão dos períodos de atividade especial em atividade comum, de forma a agregá-lo ao cômputo de períodos contributivos, sem razão o autor. Nesse sentido, transcrevo o trecho da sentença, que soluciona com propriedade a questão suscitada:
Cumpre referir, entretanto, que, embora reconhecidos parcialmente os períodos de trabalho especial postulados na inicial, não é possível autorizar a conversão dos interregnos em tempo de serviço comum para fins de verificação do preenchimento legal para a obtenção do benefício de aposentadoria por idade. Tudo porque, aos acréscimos decorrentes da conversão em tempo de serviço comum dos períodos laborados em exposição habitual e permanente a agentes nocivos à saúde humana, não correspondem quaisquer contribuições previdenciárias. Assim, não resta preenchido o suporte fático da norma prevista no artigo 50 da Lei nº 8.213/91, que exige, para a majoração do percentual incidente sobre o salário-de-benefício da aposentadoria por idade, grupos de 12 (doze) contribuições, conceito diverso de 'anos completos de atividade' (artigo 53, inciso I, da Lei nº 8.213/91).
A parte autora parece, ao efetuar seu pedido, ter confundido os critérios de apuração e cálculo de aposentadoria por idade com aquela devida por tempo de contribuição. Com efeito, para os fins de perceber aquela aposentadoria eventualmente seria cabível o conversão e consideração de especialidade de tempo de serviço, de modo ficto. No entanto, no caso da aposentadoria por idade - benefício cuja concessão é pleiteada - inexiste embasamento jurídico que assim autorize a consideração de tempo ficto, como é o tempo especial.
É que a conversão do tempo de serviço especial em comum altera a contagem do tempo de serviço/contribuição previstos nos artigos 55, da Lei 8213/91, e do artigo 4ª, da EC 20/98. Não implica alteração na contagem da carência a que os artigos 24 a 27 da Lei 8213/91, porquanto não há competência contributiva isoladamente a ser considerada para tais períodos fictos. Em sendo requisitos para a concessão de aposentadoria por idade a idade mínima e a carência, a conversão pretendida não altera o direito ao benefício etário.
Resta, ainda, analisar a possibilidade de cômputo, para a concessão de aposentadoria por idade pelo RGPS, do tempo de serviço urbano em que o demandante exerceu, concomitantemente, mais de uma atividade como médico, vinculado, na época, em todas elas, ao Regime Geral da Previdência Social.
No caso dos autos, tais períodos são: 08-07-1971 a 22-10-1985 e 01-07-1985 a 16-03-1987, em que o requerente laborou, respectivamente, como médico na União Gaúcha dos Policiais Civis (UGAPOCI) e como chefe de setor CC-2 na Cia. Riograndense de Telecomunicações - CRT. Veio aos autos a CTPS (Evento 26, CTPS 1), que comprova os períodos em questão, bem como o registro dos vínculos no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS (Evento 88, CNIS 1).
O INSS alega que o autor, desde 10/10/1969, é servidor público vinculado ao Ministério da Saúde, pelo qual foi aposentado em 28/12/1994 (evento 30, PROCADM1, fl. 16) e que, anteriormente a 12/12/1990, quando passou ao Regime Jurídico Único, a atividade exercida no emprego público foi no regime da CLT, ou seja, no âmbito da Previdência Social. Afirma, ainda, que o autor também é servidor aposentado pela Prefeitura Municipal de Canoas/RS, que ingressou naquele emprego público em 22/12/1969 e se aposentou em 04/02/1998, tendo havido a conversão do emprego público em cargo público em 01/07/1984, com regime jurídico estatutário e regime previdenciário próprio (evento 7, OFIC1, fls. 2 e 9). Sustenta a autarquia, assim, que à época do exercício das atividades junto à UGAPOCI e à CRT elas estavam sob o mesmo regime previdenciário daquelas prestadas aos órgãos públicos, não podendo ser computadas em diferentes regimes, pois concomitantes.
Acerca da questão, a Terceira Seção desta Corte já firmou posicionamento ao julgar, em 14-01-2013, os Embargos Infringentes n. 2007.70.09.001928-0, de que foi Relator para o acórdão o Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira:
ATIVIDADES CONCOMITANTES PRESTADAS SOB O RGPS. CONTAGEM PARA OBTENÇÃO DE APOSENTADORIA EM REGIMES DIVERSOS. POSSIBILIDADE.
1. Transformados os empregos públicos em cargos públicos, o tempo anterior celetista foi automaticamente incorporado ao vínculo estatutário, mediante compensação entre os sistemas. Houve modificação da natureza jurídica do vínculo, mas não ocorreu solução de continuidade, tendo inclusive o Supremo Tribunal Federal reconhecido, como sabido, o direito dos servidores federais ao aproveitamento, no regime estatutário, sem restrições, do tempo anterior celetista.
2. Com a convolação do emprego público para cargo público, e a previsão para compensação financeira, nada impede o aproveitamento das contribuições como servidor público pelo demandante para fins de obtenção de aposentadoria no regime próprio. A situação em apreço não é a de dupla consideração da mesma atividade e das mesmas contribuições, e sim, de concomitância de atividade de como autônomo e professor, com recolhimentos distintos, cabendo salientar que é inclusive permitida a acumulação de cargos públicos (art. 97, CF/67, art. 37, XVI, CF/88).
3. Hipótese em que não há se falar, pois, em rigor, de contagem de tempo de serviço em duplicidade ou sequer de contagem recíproca, mas, tão-somente, de possibilidade de aproveitamento, em Regime próprio, de tempo de serviço público celetista referente a emprego público que foi convolado em cargo público, com a previsão de compensação financeira, não se subsumindo o presente caso à hipótese prevista no art. 96, II, da Lei 8.213/91.
O entendimento firmado foi no sentido de que os servidores públicos federais foram submetidos, por força do art. 243 da Lei n. 8.112/90, ao novo regime instituído, com a previsão expressa, no art. 247 da mencionada norma, de compensação financeira entre os sistemas. Desse modo, se os empregos públicos foram transformados em cargos públicos, o tempo celetista anterior foi incorporado, de forma automática, ao vínculo estatutário, com a compensação financeira entre os sistemas.
Como conclusão, pode ser utilizado, para a obtenção de benefício previdenciário junto ao Regime Próprio de Previdência, o tempo de exercício do emprego público em que houve recolhimento para o RGPS, ainda que tenha ocorrido de forma concomitante a outra atividade, exercida na iniciativa privada, e, da mesma forma, o tempo de filiação ao RGPS, exercido na iniciativa privada e prestado de forma concomitante ao emprego público, pode ser utilizado para o deferimento de aposentadoria pelo INSS, mesmo que o período relativo ao emprego público já tenha sido computado na inativação concedida pelo regime próprio.
Aplicado esse entendimento ao caso ora em apreço, conclui-se que o fato de, concomitantemente, ter sido servidor público vinculado a entes previdenciários diversos, não constitui óbice ao cômputo do período postulado pelo demandante junto à UGAPOCI, de 08-07-1971 a 22-10-1985, para a concessão de benefício previdenciário pelo RGPS. Ademais, verifico que o INSS expediu Certidão de Tempo de Contribuição relativa a este intervalo, sendo certo que tal período não foi utilizado para a aposentadoria do autor junto ao Ministério da Saúde (Evento 30, PROC ADM 1, pp. 16-21), tampouco para a inativação no Município de Canoas (evento 7, OFIC1, fl. 2).
Todavia, o mesmo não ocorre com o período de 01-07-1985 a 16-03-1987, em que o autor trabalhou na CRT. Ocorre que o ofício da CANOASPREV e declaração do mesmo instituto de previdência (evento 7, OFIC1, fls. 2 e 7, respectivamente) dão conta de que nesse período o autor era servidor público da Prefeitura de Canoas, já sob regime próprio de previdência, tendo sido cedido à CRT sem ônus para o município, vale dizer, com seus vencimentos pagos pela empresa de telecomunicações. Considerando que este período integra a aposentadoria do autor (evento 7, OFIC1, fl. 2), bem como não ter havido dupla jornada de trabalho, pois o autor exerceu suas atividades apenas junto à CRT, para a qual fora cedido sem ônus, não há como computar-se tal interregno contributivo no RGPS, pois já averbado no regime próprio daquela municipalidade.
Assim, computando-se os períodos reconhecidos pelo INSS até a data do requerimento administrativo, em 22/07/2009 (125 contribuições - evento 30, PROCADM1, fl. 36) com o reconhecido em sentença (01 contribuição, de 01/07/2009 a 22/07/2009), bem como ante a possibilidade de cômputo do período trabalhado na União Gaúcha dos Policiais Civis - UGAPOCI (173 contribuições), o autor totaliza 299 contribuições, número bem acima das 168 necessárias para a concessão do benefício.
Portanto, implementada a idade mínima em 16/09/2008, faz jus a parte autora à aposentadoria por idade urbana postulada, a contar da data do requerimento administrativo (22/07/2009), com correção monetária das parcelas vencidas e juros de mora, a contar da citação, nos termos que seguem.
O benefício deverá ser calculado no percentual de 94% do salário-de-benefício, nos termos do artigo 50 da Lei 8213/91.
Consectários. Juros moratórios e correção monetária.
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente regulados por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida para a fase de cumprimento do julgado em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016, e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009.
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADInº 70038755864, julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS); para os feitos ajuizados a partir de 2015 é isento o INSS da taxa única de serviços judiciais, na forma do estabelecido na lei estadual nº 14.634/2014 (artigo 5º).
Honorários
Ante a sucumbência majoritária do INSS, arcará a autarquia com o pagamento de honorários advocatícios de 10% sobra o valor das parcelas vencidas até a data da presente decisão, a teor das Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte.
Tutela específica
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 497 do Código de Processo Civil de 2015, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 9 de agosto de 2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício (NB 149.828.378.8), no prazo de 45 dias.
Conclusão
Remessa oficial não conhecida.
Dá-se parcial provimento à apelação da parte autora para computar as contribuições referentes ao período de atividade junto à União Gaúcha dos Policiais Civis e deferir aposentadoria por idade urbana desde a DER no percentual de 94% do salário de benefício.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora, determinando a implantação do benefício.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 22/02/2017
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5019804-08.2010.4.04.7100/RS
ORIGEM: RS 50198040820104047100
RELATOR | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | PAULO ALVARO DE SOUSA FILHO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/02/2017, na seqüência 1579, disponibilizada no DE de 09/02/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, DETERMINANDO A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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