Apelação Cível Nº 5023945-20.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: LORENO MULLER
ADVOGADO: JOELSON FERNANDO KONRAD (OAB RS090406)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação em face de sentença, proferida na vigência do CPC/2015, que julgou improcedente a ação objetivando auxílio-doença/aposentadoria por invalidez e condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa (exigibilidade suspensa em face da gratuidade). Sustenta o autor, em suma, que preenche os requisitos necessários à concessão do benefício por incapacidade no período de 10-5-2016 a 3-3-2018. Houve resposta.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, cumpre registrar que o INSS reconheceu a incapacidade quando lhe concedeu o benefício de auxílio-doença no período de 3-2-2016 a 10-5-2016, em razão de "Neoplasia maligna da pele com lesão invasiva".
A perícia médica judicial (EVENTO 5 - RÉPLICA6, fls. 23-26), realizada em 23-8-2018, por especialista em oncologia, apurou que o demandante, agricultor, nascido em 3-3-1958, é portador de Neoplasia maligna da pele de outras partes e de partes não especificadas da face (CID-10: C44.3), e concluiu que ele não está incapacitado para o trabalho, nos seguintes termos:
"(...)
Histórico/anamnese: O autor tem 60 anos de idade, estudou até o segundo ano do ensino fundamental, vive em união estável e tem dois filhos com 8 e 10 anos de idade. Declarou que era agricultor e plantava milho, feijão e fumo, mas não vai na lavoura desde 2015. Informa que é seu irmão que cuida dessa parte do trabalho e o autor faz tarefas que não exijem ir ao sol, no galpão, tais como arrumar o fumo que vem da lavoura, por no forno para secar, etc.
Relata que teve câncer de pele: diz que tinha um tumor perto da vista e na face à D e E. Refere que essas lesões existiam desde 1995: fazia cauterizações e as lesões voltavam. Informa que usa protetor solar fator 50 desde que as lesões apareceram.
Informa que tem pedras na vesícula e vai ter que ser operado.
Medicações em uso: nega uso de medicações oncológicas.
Documentos médicos analisados: 1) Laudo de exame anatomo-patológico datado de 12/04/2017, exerese de lesão de pele malar E: ceratose actínica. Margens livres.
2) Laudo de exame anatomo-patológico datado de 14/12/2015, lesão malar D, ampliação de margens: carcinoma de células escamosas ulcerado. Margens livres.
3) Laudo de exame anatomo-patológico datado de 25/01/2016, lesão em pálpebra inferior direita, ângulo externo e parte superior: carcinoma basocelular, margens livres; ampliação de margens lesão malar: sem neoplasia residual.
Vistos demais documentos no processo.
Exame físico/do estado mental: Bom estado geral, lúcido, mucosas coradas. 65kg; PA=160x100 mmHg; cicatrizes transversas na face à direita e pálpebra inferior reconstruída à direita, sem cílios; tegumento com telangectasias e descamação; pele e olhos claros.
(...)
Observações sobre o tratamento: O autor teve lesões de pele da face tratadas com cirurgia com diagnóstico anatomo-patológico de carcinoma basocelular. Essa neoplasia está associadas a exposição solar cumulativa ao longo da vida. Costuma ter muito bom prognóstico com o tratamento cirurgico.
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: O autor relatou que faz tarefas não exijem ir ao sol, no galpão, tais como arrumar o fumo que vem da lavoura, por no forno para secar, etc. Deve observar as medidas recomendadas de usar protetor solar com fator adequado, conforme orientação de seu médico assistente, bem como tomar outras medidas de proteção à exposição tais como usar roupas adequadas (mangas compridas, chapéu, etc) e evitar horários de insolação máxima.
- Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) autor(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário? SIM
- Períodos:
2017 - não há dados para definir períodos com maior exatidão a 2017
(...)".
Todavia, entendo que o trabalhador rural em regime de economia familiar não pode se dar o luxo de escolher a hora do dia em que irá trabalhar ou, então, de desempenhar apenas tarefas que não exijam exposição ao sol, tampouco possui condições financeiras de arcar com o elevado custo de protetor solar para uso diário, durante toda a jornada de trabalho.
Vale dizer, a esse respeito, que o emprego de técnicas de proteção, como o uso de chapéus e filtro solar, não anula a possibilidade de agravamento da enfermidade dermatológica, não sendo minimamente razoável exigir que o segurado se exponha ao risco de novas lesões para realizar sua atividade profissional como agricultor. Nesse sentido é a jurisprudência desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE PERMANENTE. CONDIÇÕES PESSOAIS DA SEGURADA. CORREÇÃO MONETÁRIA. CUSTAS. 1. Tratando-se de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o Julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial. 2. A circunstância de ter o laudo pericial registrado a possibilidade, em tese, de serem desempenhadas pela segurada, trabalhadora rural, funções laborativas que não exijam exposição a radiações não ionizantes (solares), não constitui óbice ao reconhecimento do direito ao benefício de aposentadoria por invalidez quando, por suas condições pessoais, restar evidente a impossibilidade de retorno às atividades laborativas, mormente de natureza burocrática ou que não exijam exposição aos raios solares. Hipótese em que a paciente, que já removeu câncer de pele, é portadora de lesão ceratose actínica, pré-maligna. 3.O TJRS, nos autos do incidente de inconstitucionalidade 7004334053, concluiu pela inconstitucionalidade da Lei Estadual 13.471/2010, a qual dispensava as pessoas jurídicas de direito público do pagamento de custas e despesas processuais. Na ADIN estadual 70038755864, entretanto, a inconstitucionalidade reconhecida restringiu-se à dispensa, pela mesma lei, do pagamento de despesas processuais, não alcançando as custas. Em tais condições, e não havendo vinculação da Corte ao entendimento adotado pelo TJRS em incidente de inconstitucionalidade, mantenho o entendimento anteriormente adotado, já consagrado pelas Turmas de Direito Previdenciário, para reconhecer o direito da autarquia à isenção das custas, nos termos da Lei 13.471/2010. (Apelação/Reexame Necessário n.º 0006589-10.2015.404.9999, 5ª Turma, Rel. Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 25-6-2015).
As condições pessoais do segurado, como a sua idade (58 anos na DCB) e a doença apresentada (neoplasia maligna da pele), impossibilitam o exercício da atividade laboral habitual (agricultura). Além disso, considerando também a pouca instrução (ensino fundamental incompleto), a limitada experiência laborativa (sempre foi agricultor) e a realidade do mercado de trabalho atual, já exíguo até para pessoas jovens e que estão em perfeitas condições de saúde, não há chances práticas de ser a parte autora readaptada para trabalho que não lhe exija exposição solar.
A meu ver, é caso de aposentadoria por invalidez já a partir da DCB.
Dessarte, o demandante faria jus à concessão da aposentadoria por invalidez a contar da cessação administrativa do auxílio-doença (10-5-2016). Não obstante, verifica-se que ele é beneficiário de aposentadoria por idade rural desde 3-3-2018. Todavia, tal benefício não pode ser cumulado com o ora deferido, conforme veda expressamente o artigo 124, II, da Lei nº 8.213/91, in verbis:
Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social:
I - aposentadoria e auxílio-doença;
II - mais de uma aposentadoria;
III - aposentadoria e abono de permanência em serviço;
IV - salário-maternidade e auxílio-doença;
V - mais de um auxílio-acidente;
VI - mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa.
Desse modo, tenho que merece provimento o recurso para determinar a concessão da aposentadoria por invalidez a partir da cessação administrativa (10-5-2016) até o dia anterior ao deferimento da aposentadoria por idade rural (3-3-2018), devendo ser descontados os valores já pagos a título de auxílio-doença por força da tutela de urgência deferida.
Após o julgamento do RE n. 870.947 pelo Supremo Tribunal Federal (inclusive dos embargos de declaração), a Turma tem decidido da seguinte forma.
A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação e é calculada pelos seguintes índices oficiais: [a] IGP-DI de 5-1996 a 3-2006, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 9.711/1998 combinado com os §§ 5º e 6º do artigo 20 da Lei n. 8.880/1994; e, [b] INPC a partir de 4-2006, de acordo com a Lei n. 11.430/2006, que foi precedida pela MP n. 316/2006, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/1991 (o artigo 31 da Lei n. 10.741/2003 determina a aplicação do índice de reajustamento do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo naquele julgamento. No recurso paradigma foi determinada a utilização do IPCA-E, como já o havia sido para o período subsequente à inscrição do precatório (ADI n. 4.357 e ADI n. 4.425).
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.
É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação. Até 29-6-2009 à taxa de 1% ao mês (artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987), aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar (Súmula n. 75 do Tribunal).
A partir de então, deve haver incidência dos juros até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, de acordo com o artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 11.960/2009. Eles devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez".
Por fim, a partir de 8-12-2021, incidirá o artigo 3º da Emenda n. 113:
Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado no Estado do Rio Grande do Sul, mas deve pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual n. 8.121/1985, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI n. 70038755864 julgada pelo Tribunal de Justiça). Ele também é isento do pagamento da taxa única de serviços judiciais, na forma do estabelecido na Lei Estadual n. 14.634/2014 (artigo 5º). Não há isenção, todavia, do reembolso dos valores adiantados de honorários periciais.
Sobre as parcelas vencidas desde a DCB (obrigação de pagar quantia certa) serão acrescidos correção monetária (a partir do vencimento de cada prestação), juros (a partir da citação) e honorários advocatícios arbitrados nos percentuais mínimos previstos no § 3º do artigo 85 do CPC. Devem ser descontadas as parcelas inacumuláveis (auxílio-doença).
De acordo com os precedentes da Turma, fundamentados em decisão do Superior Tribunal de Justiça (EREsp n. 1.539.725), o § 11 do artigo 85 do CPC pressupõe a existência de condenação da parte recorrente ao pagamento de honorários desde a origem no feito em que interposto o recurso. Todavia, a parte recorrente é o próprio segurado.
Por fim, ressalto que é despicienda a aplicação da tutela específica no presente caso, tendo em vista que a parte autora já está recebendo o benefício de aposentadoria por idade rural, com data de início em 3-3-2018.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso.
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Apelação Cível Nº 5023945-20.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: LORENO MULLER
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE DEFINITIVA COMPROVADA DESDE A DCB, SEGUNDO OS ELEMENTOS DOS AUTOS E AS CONDIÇÕES PESSOAIS DO SEGURADO. O TERMO FINAL DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DEVE SER FIXADO À VÉSPERA DA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR IDADE RURAL AO AUTOR, EM RAZÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DOS BENEFÍCIOS, A TEOR DO ARTIGO 124, II, DA LEI Nº 8.213/91. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA DE ACORDO COM O TEMA 810 (STF). PROVIMENTO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003181977v4 e do código CRC c4a8633f.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/05/2022 A 18/05/2022
Apelação Cível Nº 5023945-20.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: LORENO MULLER
ADVOGADO: JOELSON FERNANDO KONRAD (OAB RS090406)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/05/2022, às 00:00, a 18/05/2022, às 14:00, na sequência 423, disponibilizada no DE de 02/05/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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