APELAÇÃO CÍVEL Nº 5025214-07.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | DARCI FERNANDO MEZZON |
ADVOGADO | : | GISELE APARECIDA SPANCERSKI |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SEGURADO TRABALHADOR RURAL. TEMPO DE ATIVIDADE ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. LIMITE DE IDADE. RAZOÁVEL INÍCIO DE PROVA MATERIAL. DOCUMENTOS EM NOME DE TERCEIROS. VÍNCULO URBANO INTERCALADO COM RURAL. EXTENSÃO DA PROPRIEDADE. PROVA ORAL HARMÔNICA E COERENTE. CONSECTÁRIOS LEGAIS. REMESSA NECESSÁRIA.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais, além dos membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei.
3. Até o advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser reconhecida a prestação de serviço rural por menor a partir de doze anos de idade.
4. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
5. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
6. Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo, quando realizado em regime de economia familiar, justifica a mitigação da exigência de prova documental.
7. É possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ.
8. Aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Entendimento consolidado na Súmula 73 desta Corte.
9. A prova oral complementa os subsídios colhidos dos elementos materiais de prova, devendo formar um conjunto probatório coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
10. Havendo vínculos urbanos intercalados com períodos rurais, não é possível presumir a continuidade da atividade rural. Restou comprovado o efetivo exercício do labor rurícola, após o período de atividade urbana, mediante início de prova material.
11. A extensão da propriedade na qual foi exercida a atividade rural não ultrapassa quatro módulos fiscais, limite máximo, de acordo com a Lei nº 8.213/1991, para caracterizar o regime de economia familiar.
12. É irrelevante o fato de o chefe de família não figurar formalmente como proprietário, visto que a atividade rural em regime de economia familiar pode ser exercida em terra de terceiros.
13. Mesmo excluídos os períodos em que o segurado não havia completado doze anos e exerceu atividade urbana, foram preenchidos os requisitos para a aposentadoria integral por tempo de contribuição.
14. A Corte Suprema, no julgamento do RE 870.947/SE (Tema nº 810), reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que determina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública pelos mesmos índices de remuneração oficial da caderneta de poupança.
15. São aplicáveis as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, no tocante à taxa de juros de mora.
16. Incide o IPCA-E, para fins de correção monetária, a partir de 30/06/2009, conforme a decisão no RE 870.947.
17. Considera-se interposta a remessa necessária, pois a sentença foi proferida sob a vigência do antigo CPC e o valor da condenação depende de liquidação (Súmula nº 490 do STJ).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, considerada interposta, e determinar, de ofício, a aplicação do IPCA-E, a partir de 30/06/2009, para fins de correção monetária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 28 de novembro de 2017.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9230811v12 e, se solicitado, do código CRC FEECF644. | |
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RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente o pedido para: a) reconhecer o exercício de atividade rural pelo autor no período de 1968 a 1986 e determinar ao INSS a averbação do tempo de serviço; b) condenar o INSS a conceder ao autor o benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo (18/06/2013), incidindo sobre as prestações vencidas o INPC, a título de correção monetária, e os juros de mora, a contar da citação, de acordo com a taxa de juros aplicada à caderneta de poupança.
O INSS alega que, para comprovar o exercício de atividade rural, é necessário início razoável de prova material, como exigido pelo § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991. Sustenta que os documentos devem ser contemporâneos do período pleiteado, não se admitindo prova exclusivamente testemunhal para fins de comprovação de tempo de serviço. Evidencia a incorreção do termo inicial do tempo de atividade rural, pois o autor completou doze anos em 08/03/1968. Aponta divergência não esclarecida em sentença, já que o autor afirmou ter trabalhado nas terras do seu pai, que mediam 10 alqueires, porém o documento comprobatório de titularidade de imóvel rural, referente a uma propriedade de 250 hectares, em condomínio com cinco pessoas, está em nome do seu irmão Sadi. Salientando que a prova oral não menciona que o irmão do autor fosse proprietário e o autor não comprovou que seu pai era titular de imóvel rural, conclui que a família do autor era proprietária de uma fazenda e não de pequena área de terras, descaracterizando-se a condição de segurado especial. Insurge-se contra o termo final do tempo de atividade rural, observando que não foi descontado o período de 03/02/1982 a 05/07/1983, em que o autor exerceu atividade urbana. Defende que, após o vínculo urbano, é necessário comprovar o efetivo retorno ao meio rural, pois a presunção de continuidade, que era do trabalho rural, passa a ser do trabalho urbano. Aduz que, no mesmo ano da certidão de casamento que qualifica o autor como lavrador, ele ingressou no Banco do Brasil, não se revelando crível a ausência de atividade urbana no período anterior. Por fim, pede que seja afastada a aplicação do INPC para fins de correção monetária, porque a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997 atinge somente a TR no período de tramitação do precatório.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
Sentença publicada em 31/03/2015.
É o relatório. Peço dia.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9230809v14 e, se solicitado, do código CRC EACC5E73. | |
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VOTO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Reexame necessário
A Súmula nº 490 do STJ dispõe: "A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas" (Corte Especial, julgado em 28/06/2012, DJe 01/08/2012).
No caso dos autos, a sentença foi proferida sob a vigência do antigo CPC e o valor da condenação depende de liquidação.
Assim, considero interposta a remessa necessária, nos termos do art. 475, § 2º, do antigo CPC.
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural, em regime de economia familiar, exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
É bem de ver que, para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias. São recrutados por agenciadores de mão de obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
No que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Caso concreto
A parte autora pleiteou o reconhecimento e a averbação do tempo de atividade rural exercido entre 1968 a 1986. Diz que, até 1972, trabalhou com os pais na propriedade de terceiros, na condição de arrendatários; a partir de 1972, continuou trabalhando em regime de economia familiar, porém em propriedade registrada em nome do irmão.
A título de início de prova material, foram juntados aos autos os seguintes documentos:
a) certidão de nascimento do irmão do autor, José Dirceu Mezzon, em 16/02/1964, na qual os pais foram qualificados como lavradores;
b) certidão do Ofício do Registro de Imóveis de Laranjeiras do Sul/PR, relativa à aquisição de imóvel rural em condomínio, na data de 18/05/1972, constando o irmão do autor, Sadi Francisco Mezzon, como um dos proprietários;
c) histórico escolar do autor, do ano de 1968, registrando que estudou na Escola Isolada de Barra do Tamanduá, em Laranjeiras do Sul/PR;
d) certidão de casamento do autor, em 01/12/1986, na qual ele é qualificado como lavrador;
e) certificado de dispensa de incorporação, em nome do autor, com data de 07/11/1974, em que a anotação referente à profissão está ilegível.
Em juízo, foram ouvidas duas testemunhas e colhido o depoimento pessoal do autor. Transcrevo a parte da sentença que analisa o início de prova material e a prova oral:
(...)
Portanto, a alegação de inexistência de início de prova material é órfã, haja vista os documentos apresentados.
Além disso, as testemunhas inquiridas durante a instrução corroboraram o início de prova, confirmando que o autor trabalhou na agricultura juntamente com seus pais e irmãos e tendo como única fonte de renda o trabalho rurícola para os períodos que pretende o reconhecimento.
O autor Darci Fernando Mezzon, em seu depoimento pessoal, disse: "que está com 59 anos; que durante o período que pretende averbar trabalhou na roça até o ano de 1982; que a terra era de seu pai; que começou a trabalhar na roça com uns 10 ou 11 anos; que a terra media uns 10 alqueires e plantavam arroz, feijão e milho; que não tinham empregados nem maquinários; que trabalhava só a família; que são em 7 irmãos; que ficou trabalhando na roça até o ano de 1982; que depois foi trabalhar na cidade; que esta terra do seu pai estava na mesma escritura do seu irmão; que trabalhou pouco na cidade, de 1982 a 1983, e daí voltou a trabalhar na lavoura em 1983 até o ano de 1986".
A testemunha Idalino Presa disse: "que conhece o autor desde uns 12 anos; que conheceu ele no Barra Grande; que nesta época, quando o autor tinha uns 12 anos, ele estudava na parte da manhã e trabalhava na parte da tarde na roça, na terra dos pais dele; que o terreno media uns 10 alqueires e plantavam milho, feijão, arroz e mandioca; que não tinham empregados nem maquinários; que o autor ficou trabalhando na roça até 1982 e daí saiu um ano e voltou a trabalhar na roça no ano de 1983; que acha que o autor ficou na roça até o ano de 1986; que não sabe dizer se tinha algum registro em nome dos irmãos do autor".
Por fim a testemunha Irineu Miguel Kruchelski disse: "que conhece o autor desde que ele tinha uns 12 anos; que o autor trabalhava na roça com esta idade; que o autor ia na escola meio período e trabalhava meio período na terra do pai dele; que o terreno ficava na Barra Mansa e media uns 10 alqueires; que eles plantavam milho, feijão, arroz; que eles não tinham empregados nem maquinários; que o autor tinha uns 5 ou 6 irmãos; que o autor saiu da roça quando tinha uns 30 anos; que o autor saiu um ano e voltou de novo para a roça, mas não lembra que ano foi; que o autor naquela época só exerceu atividade na roça; que o terreno era do pai do autor e não tem conhecimento em nome de quem estava o terreno; que ele morava uns dois quilômetros e meio da casa do autor".
Assiste razão ao INSS apenas em relação a dois pontos vertidos na apelação.
O termo de início da atividade rural adotado na sentença está incorreto, visto que o autor, nascido em 08/03/1956, completou doze anos em 08/03/1968. Assim, é indevida a averbação do tempo de serviço entre 01/01/1968 a 07/02/1968.
Olvidou-se a sentença, ainda, de excluir do lapso temporal reconhecido o período em que o autor exerceu atividade urbana (03/02/1982 a 05/07/1983), o qual, inclusive, já fora computado no tempo de contribuição, quando requerido o benefício.
No mais, sem razão o recorrente ao aduzir que não restou esclarecida a divergência acerca do local de exercício da atividade rural pelo autor. Tanto na entrevista rural realizada para subsidiar o pedido de justificação administrativa, quanto no depoimento prestado em juízo, o autor explicou que trabalhava apenas nas terras do pai, as quais estavam incluídas na propriedade adquirida pelo irmão. É irrelevante o fato de o pai do autor não figurar formalmente como proprietário, visto que a atividade rural em regime de economia familiar pode ser exercida em terra de terceiros; aliás, no caso presente não se trata propriamente de terceiro, diante do vínculo fraterno. Desimportante, também, a ausência de menção, na prova testemunhal, sobre a titularidade do imóvel rural, pois, no papel de vizinhos, sem interesse em adquirir a propriedade, certamente nunca examinaram a escritura de compra e venda. As testemunhas relataram somente os fatos exteriorizados, ou seja, o pai do autor agia como dono de uma área de terras com cerca de dez alqueires.
No tocante à extensão da propriedade, mostra-se absurda a alegação de que restou descaracterizada a condição de segurado especial, uma vez que a família do autor seria proprietária de uma fazenda e não de pequena área de terras. No Município de Laranjeiras do Sul/PR, um módulo fiscal corresponde a 18 hectares. Considerando que a área em nome do irmão do autor possuía 57,19 hectares, verifica-se que sequer foi atingido o número de quatro módulos fiscais, limite máximo, de acordo com a Lei nº 8.213/1991, para caracterizar o regime de economia familiar.
Por fim, também não procede o argumento de que não foi comprovado o efetivo retorno ao meio rural, após o autor exercer atividade urbana, entre 03/02/1982 a 05/07/1983. Entendo que a existência de períodos rurais intercalados com urbanos não constitui óbice, por si só, ao reconhecimento do exercício da atividade rural. Evidentemente, é necessário comprovar, após cada período de atividade urbana, o efetivo exercício das lides rurícolas mediante início de prova material. A certidão de casamento do autor demonstra, no caso, o exercício da atividade rural no período posterior a 1983. Embora o autor tenha sido contratado pela Associação Atlética do Banco do Brasil (e não pelo Banco do Brasil, como afirma o INSS) em 01/12/1986, para o cargo de servente, a qualificação de lavrador refere-se, por óbvio, à atividade exercida até a data do casamento, fato que restou confirmado pela prova testemunhal.
No caso dos autos, o conjunto probatório está alicerçado em razoável início de prova material, complementado por prova testemunhal firme e coerente, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural, no período de 08/03/1968 (quando o autor completou doze anos) a 02/02/1982 e de 06/07/1983 a 30/11/1986.
Requisitos para a concessão do benefício
O INSS reconheceu, na data do requerimento administrativo (18/06/2013), o tempo de contribuição de 25 anos, 10 meses e 12 dias e a carência de 312 meses.
O tempo de atividade rural corresponde a 13 anos, 10 meses e 25 dias, no período de 08/03/1968 a 02/02/1982, e a 03 anos, 04 meses e 25 dias, no período de 06/07/1983 a 30/11/1986.
A soma do tempo de serviço rural e urbano resulta em 43 anos, 02 meses e 02 dias de tempo de contribuição.
Assim, em 18/06/2013 (DER), a parte autora preencheu os requisitos para a concessão de aposentadoria integral por tempo de contribuição, de acordo com a regra permanente do art. 201, § 7º, da Constituição Federal, com a incidência do fator previdenciário.
Consectários legais
O juízo a quo deixou de aplicar os índices de correção monetária estabelecidos no art. 5º da Lei nº 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997.
O Plenário do STF concluiu o julgamento do Tema 810, fixando as seguintes teses sobre a questão, consoante acompanhamento processual do RE 870.947 no Portal do STF:
"Ao final, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio,fixou as seguintes teses, nos termos do voto do Relator:
1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º,caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 20.9.2017. "
Como se pode observar, o Pretório Excelso não efetuou qualquer modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, em relação à correção monetária.
Assim, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos pela jurisprudência:
- INPC, de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/2003, combinado com a Lei nº 11.430/2006, precedida da MP nº 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91;
- IPCA-E, a partir de 30/06/2009, conforme a decisão no RE 870.947, julgado em 20/09/2017.
Os juros de mora são contados a partir da citação (Súmula 204 do STJ), no percentual de 1% ao mês, não capitalizado, até 29/06/2009. Desde 30/06/2009, são aplicáveis as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, utilizando-se a taxa de juros da caderneta de poupança.
Conclusão
Dou parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, considerada interposta, apenas para afastar o reconhecimento do exercício de atividade rural no período de 01/01/1968 a 07/02/1968 e de 03/02/1982 a 05/07/1983, restando mantida a condenação da autarquia a conceder o benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição ao autor e a pagar as prestações vencidas desde a data do requerimento administrativo, com correção monetária e juros na forma da fundamentação.
De ofício, determino a aplicação do IPCA-E, a partir de 30/06/2009, para fins de correção monetária.
Diante da sucumbência mínima do autor, mantenho a condenação do INSS ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, no percentual arbitrado na sentença.
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, considerada interposta, e determinar, de ofício, a aplicação do IPCA-E, a partir de 30/06/2009, para fins de correção monetária.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/11/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5025214-07.2015.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00001721220148160104
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. Eduardo Kurtz Lorenzoni |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | DARCI FERNANDO MEZZON |
ADVOGADO | : | GISELE APARECIDA SPANCERSKI |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/11/2017, na seqüência 532, disponibilizada no DE de 29/11/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA NECESSÁRIA, CONSIDERADA INTERPOSTA, E DETERMINAR, DE OFÍCIO, A APLICAÇÃO DO IPCA-E, A PARTIR DE 30/06/2009, PARA FINS DE CORREÇÃO MONETÁRIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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