APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000887-87.2015.4.04.7027/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | SUELI FERNANDES DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | SILVIA REGINA GAZDA SIQUEIRA |
: | ANDRÉ RICARDO SIQUEIRA |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SEGURADO TRABALHADOR RURAL. TEMPO DE ATIVIDADE ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. TRABALHO COMO BOIA-FRIA. MITIGAÇÃO DO INÍCIO DE PROVA MATERIAL. DOCUMENTOS EM NOME DE TERCEIROS. PROVA ORAL HARMÔNICA E COERENTE. AUSÊNCIA DE REEXAME NECESSÁRIO. INDENIZAÇÃO PELA CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais, além dos membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei.
3. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
4. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
5. Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano.
7. Mesmo que alguns documentos sejam extemporâneos, é possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ.
8. Considerando as circunstâncias em que o trabalho de boia-fria é realizado, sem qualquer formalização e proteção social, justifica-se a mitigação do início de prova material. As lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja firme, consistente e harmônica, indicando de forma minuciosa e segura as circunstâncias e as condições relevantes do exercício da atividade.
9. Ainda que a atividade rural não tenha sido exercida em regime de economia familiar, os documentos nos quais o pai da parte autora é qualificado como lavrador devem ser valorados como início de prova material.
10. As provas documentais foram complementadas por prova testemunhal firme e coerente, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural pela autora.
11. Não procede a arguição de nulidade da sentença por julgamento ultra petita, no tocante à condenação ao pagamento da indenização de honorários.
12. Considerando que a contratação de advogado é essencial para o exercício regular do direito de ampla defesa e acesso à Justiça, inexiste dano passível de indenização. Ademais, a verba não consiste em despesa própria dos atos do processo, decorrendo de avença entre a parte e o seu advogado, anterior à propositura da demanda.
13. A sentença não está sujeita à remessa necessária, pois, mesmo que sejam somadas as parcelas pretéritas e as vincendas, não se vislumbra projeção de montante exigível para a admissibilidade do reexame da sentença, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do CPC (condenação ou proveito econômico na causa por valor certo e líquido superior a mil salários mínimos).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 28 de novembro de 2017.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9236696v10 e, se solicitado, do código CRC 366A7E12. | |
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RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou o pedido procedente em parte, para condenar o INSS a: a) averbar o tempo de serviço rural exercido pela autora no período de 01/01/1980 a 30/11/1988, independentemente de contribuição previdenciária, para fins de aposentadoria; b) conceder à autora aposentadoria integral por tempo de contribuição (regra permanente do art. 201, §7º, da CF/88), desde o requerimento administrativo (12/03/2013), com a incidência do fator previdenciário; c) pagar as parcelas vencidas desde 12/03/2013, inclusive abonos anuais, com correção monetária e juros de mora simples a contar da citação, sendo aplicável o disposto no art. 1º-F da Lei n.º 9.494/1997, na redação dada pela Lei n.º 11.960/2009, até que o STF decida o RE 870.947. O INSS foi condenado a pagar ao advogado da parte autora honorários, fixados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85 do CPC, bem como a pagar ao vencedor a indenização de honorários, no valor de 10% sobre o valor da condenação, com fundamento no § 2º do art. 82 e no art. 84 do CPC. Foi determinado ao INSS que implantasse imediatamente o benefício.
O INSS sustenta que, para comprovar o exercício de atividade rural, deve a parte apresentar documentos suficientes que possam servir de início razoável de prova material, como exigido pelo § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991. Aduz que não se admite prova exclusivamente testemunhal para fins de comprovação de tempo de serviço. Alega que os documentos apresentados pela parte autora são extemporâneos, não comprovando o período em que afirma haver laborado na atividade rural, e que a prova testemunhal é extremamente frágil. No tocante às verbas indenizatórias, argui que a sentença é ultra petita, pois não há pedido na inicial. Defende o descabimento da condenação a indenizar os custos decorrentes da contratação de advogado para o ajuizamento de ação, porque isso implicaria atribuir ilicitude a qualquer pretensão questionada judicialmente; ademais, a contratação de advogado para defesa de direito é inerente ao exercício regular dos direitos constitucionais de contraditório, ampla defesa e acesso à Justiça. Por fim, requer o conhecimento do reexame necessário, sublinhando que a sentença é ilíquida.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
Sentença publicada em 11/10/2016.
É o relatório. Peço dia.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9236694v9 e, se solicitado, do código CRC 8F4CC5C0. | |
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VOTO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Reexame necessário
A teor do artigo 29, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o valor do salário de benefício não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício. No que tange ao valor máximo, ao teto, de acordo com a Portaria nº 08 do Ministério da Fazenda, de 13/01/2017, o benefício pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, a partir de 01/01/2017, é de R$ 5.531,31 (cinco mil, quinhentos e trinta e um reais e trinta e um centavos).
Seguindo, vale observar que no âmbito do Superior Tribunal de Justiça há entendimento sedimentado no sentido de que a sentença ilíquida está sujeita a reexame necessário (Súmula 490). Importa atentar, no entanto, que é excluída da ordem do duplo grau de jurisdição a sentença contra a União e respectivas autarquias e fundações de direito público que esteja a contemplar condenação ou proveito econômico na causa por valor certo e líquido inferior 1.000 (mil) salários mínimos, ex vi do artigo 496, parágrafo 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
Ora, ao cuidar-se de ação de cunho previdenciário, é imperioso reconhecer que o valor da condenação ou do proveito econômico à parte, operada a correção monetária e somados juros de mora, em nenhuma hipótese alcançará o valor de 1.000 (um mil) salários mínimos. É o que se dá mesmo na hipótese em que a renda mensal inicial (RMI) do benefício previdenciário deferido seja fixada no valor máximo (teto) e bem assim seja reconhecido o direito do beneficiário à percepção de parcelas em atraso, a partir daquelas correspondentes aos 05 anos que antecedem o aforamento da ação (Lei nº 8.213/91, art. 103, § único).
No caso dos autos, segundo os cálculos acostados à inicial, a renda mensal inicial do benefício corresponde a R$ 678,00, em março de 2013. Ainda que o cálculo não tenha sido adotado pela sentença, o valor apurado serve como parâmetro para se vislumbrar o montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário. Mesmo que sejam somadas as parcelas pretéritas e as vincendas, constata-se que o limite de mil salários mínimos não foi atingido.
Nesse contexto, a sentença não está sujeita a reexame necessário, não merecendo acolhimento o pleito do INSS.
Nulidade da sentença
Não procede a arguição de nulidade da sentença por julgamento ultra petita, no tocante à condenação ao pagamento da indenização de honorários. Conforme o disposto no art. 322, § 1º, do CPC, compreendem-se no pedido principal os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios. Portanto, independente de pedido da parte, a sentença deve condenar o vencido a pagar, além honorários advocatícios, as despesas dos atos processuais antecipadas pelo vencedor.
Conquanto não vingue a pecha de nulidade da sentença, a questão envolve a interpretação dos artigos 82, § 2º, e 84 do CPC, e será dirimida na análise do mérito.
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural, em regime de economia familiar, exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
É bem de ver que, para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias. São recrutados por agenciadores de mão de obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
No que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Caso concreto
A sentença acolheu o pedido de averbação do tempo de serviço exercido pela parte autora no período de 01/01/1980 a 30/11/1988, por estar demonstrada a atividade rural como trabalhadora rural volante (boia-fria). Transcrevo a parte da sentença que analisa os elementos de prova juntados aos autos:
No caso em apreço, consta dos autos parco início de prova material: certidão de casamento dos pais da autora, Leandro Fernandes de Macedo com Joviana Lopes da Silva (1953), certidão de nascimento da autora (1962), ficha do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Astorga do pai da autora (1972).
Na justificação administrativa realizada pelo INSS, a autora declarou que começou a trabalhar na lavoura com 15 anos de idade. Morava no Distrito de Içara com os pais e 11 irmãos. Trabalhava como bóia fria com o pai e os irmãos, durante toda a semana. O pai arrumava trabalho diretamente com proprietários de terras vizinhas e por intermediários, os gatos. Recebiam por dia e o pagamento era feito no final de semana. Colhia algodão, café, carpia arroz, plantava grama e carpia soja.
A primeira testemunha, Teonilia Pereira Barbosa, disse que conheceu a autora em 1980. Trabalharam juntas em várias propriedades rurais, como bóia fria. Iam trabalhar de trator, caminhão ou a pé. Trabalharam juntas carpindo e colhendo algodão e café, carpiam soja também.
Laerte Dias da Silva, segunda testemunha, respondeu que conhece a autora desde 1970. Conheceu a família da autora porque trabalhavam juntos na roça na época. Trabalhavam como diaristas. Ela trabalhava junto com a família como diarista. Na época haviam gatos que arrumavam serviço para o pessoal e os levava de caminhão.
E, a terceira testemunha, Maria Ilma da Silva Amaral, afirmou que estudou e trabalhou na roça junto com a autora como bóia fria. Os pais e irmãos dela também trabalhavam como bóia fria. O tio da testemunha era gato na época. Ele arrumava trabalho rural na época. Haviam outros gatos, Sr. Antonio Camargo, Sr. Zé da Amora. Iam trabalhar de caminhão, kombi ou a pé, quando era perto. Quebravam milho, colhiam algodão e café, carpiam e plantavam grama.
Os depoimentos colhidos em audiência ratificaram os depoimentos colhidos na esfera administrativa, levando a crer que a autora tenha efetivamente exercido atividade rural como trabalhadora volante no período de 01/01/1980 a 30/11/1988, o qual poderá ser contabilizado, independentemente de contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência, conforme estabelecido pelo § 2º do art. 55 da Lei 8.213/91.
Sem razão o INSS, ao alegar que não existe prova material apta e suficiente para a comprovação do tempo de atividade rural exercido pela autora.
Considerando as circunstâncias em que o trabalho de boia-fria é realizado, sem qualquer formalização e proteção social, justifica-se a mitigação do início de prova material. Ainda que a atividade rural não tenha sido exercida em regime de economia familiar, os documentos nos quais o pai da autora é qualificado como lavrador devem ser valorados como início de prova material. Dessa forma, está presente o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural.
Conquanto alguns documentos sejam extemporâneos, verifica-se que a ficha de filiação do pai da autora no Sindicato de Trabalhadores Rurais de Astorga/PR registra o recolhimento de mensalidades nos anos de 1974 e de 1976 a 1990, comprovando o exercício de atividade rural no período pleiteado (evento 1, procadm6, fl. 32/38). Ademais, admite-se a extensão da eficácia da prova documental em relação aos intervalos próximos ao efetivamente documentado, quando a prova testemunhal permite formar convencimento nesse sentido.
As lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja firme, consistente e harmônica, indicando de forma minuciosa e segura as circunstâncias e as condições relevantes do exercício da atividade (datas, propriedades em que houve o trabalho de boia-fria, forma de contratação, agenciadores de mão de obra, etc). A análise do teor dos depoimentos prestados pela testemunhas evidencia suficiente conhecimento acerca da atividade da autora como boia-fria, sendo que Laerte Dias da Silva afirmou que ela permaneceu nessa atividade até começar a trabalhar em um mercado na cidade.
No caso dos autos, as provas documentais foram complementadas por prova testemunhal firme e coerente, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural pela autora, no período de 01/01/1980 a 30/11/1988.
Indenização de honorários advocatícios contratuais
O juízo a quo condenou o vencido a pagar ao vencedor uma indenização de honorários no valor de 10% sobre o valor da condenação, expendendo as seguintes considerações: (1) os honorários de sucumbência foram transferidos (art. 85) para o advogado - além dos honorários contratuais, (2) a regra do § 2º do art. 82 é impositiva e dirigida ao Juiz, dispensando a necessidade de pedido, (3) os arts. 399, 404 e 206, § 5º, III, do Código Civil indicam o reembolso de honorários e (4) o sentido da decisão do Plenário do STF acima citada (acesso ao Judiciário - direito do vencedor aos honorários).
Assiste razão ao INSS, visto que não foi emprestada a melhor interpretação aos citados dispositivos do CPC. O reembolso das despesas processuais inclui as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha. Por óbvio, exige-se que haja efetivamente o dispêndio das verbas, para que o vencido seja condenado a ressarci-las. No caso, além de não existir qualquer comprovação de pagamento de honorários pela contratação de advogado, a verba não consiste em despesa própria dos atos do processo, visto que a avença entre a parte e o seu advogado antecede à propositura da demanda. Além disso, sendo imprescindível a contratação de advogado para o exercício regular do direito de ampla defesa e acesso à Justiça, não há ilicitude que possa gerar dano a ser indenizado. A Corte Especial do STJ já apreciou a questão no seguinte julgado:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. INCLUSÃO NO VALOR DA INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DANO INDENIZÁVEL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA REJEITADOS.
1. "A contratação de advogados para defesa judicial de interesses da parte não enseja, por si só, dano material passível de indenização, porque inerente ao exercício regular dos direitos constitucionais de contraditório, ampla defesa e acesso à Justiça" (AgRg no AREsp 516277/SP, QUARTA TURMA, Relator Ministro MARCO BUZZI, DJe de 04/09/2014).
2. No mesmo sentido: EREsp 1155527/MS, SEGUNDA SEÇÃO, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, DJe de 28/06/2012; AgRg no REsp 1.229.482/RJ, TERCEIRA TURMA, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJe de 23/11/2012; AgRg no AREsp 430399/RS, QUARTA TURMA, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, DJe de 19/12/2014; AgRg no AREsp 477296/RS, QUARTA TURMA, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, DJe de 02/02/2015; e AgRg no REsp 1481534/SP, QUARTA TURMA, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe de 26/08/2015.
3. A Lei n.º 8.906/94 e o Código de Ética e Disciplina da OAB, respectivamente, nos arts. 22 e 35, § 1.º, prevêem as espécies de honorários de advogado: os honorários contratuais/convencionais e os sucumbenciais.
4. Cabe ao perdedor da ação arcar com os honorários de advogado fixados pelo Juízo em decorrência da sucumbência (Código de Processo Civil de 1973, art. 20, e Novo Código de Processo Civil, art. 85), e não os honorários decorrentes de contratos firmados pela parte contrária e seu procurador, em circunstâncias particulares totalmente alheias à vontade do condenado.
5. Embargos de divergência rejeitados.
(EREsp 1507864/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/04/2016, DJe 11/05/2016)
Conclusão
Dou parcial provimento à apelação do INSS, para afastar a condenação ao pagamento de indenização a título de contratação de advogado para o ajuizamento da demanda.
Mantida a condenação da autarquia ao pagamento dos honorários de sucumbência, nos termos da sentença.
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do INSS.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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Data e Hora: | 30/11/2017 14:38 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/11/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000887-87.2015.4.04.7027/PR
ORIGEM: PR 50008878720154047027
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. Eduardo Kurtz Lorenzoni |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | SUELI FERNANDES DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | SILVIA REGINA GAZDA SIQUEIRA |
: | ANDRÉ RICARDO SIQUEIRA |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/11/2017, na seqüência 521, disponibilizada no DE de 29/11/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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