
Apelação Cível Nº 5016196-26.2020.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: LEONIR MARTIN AREND (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Tratam-se de recursos da parte autora e da parte ré contra sentença (e.
) prolatada em 30/08/2021, que julgou parcialmente procedente o pedido de tempo de labor rural de 30/10/1986 a 23/04/1990, de labor urbano de 24.04.1990 a 22/10/1990 e de tempo especial nesse período e nos intervalos de 01/08/1994 a 05/05/1995, 15/05/1995 a 23/02/1998, 04/08/2000 a 14/06/2016 e de 15/06/2018 a 28/06/2019, com a consequente concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição a contar da DER (04/08/2019), nestes termos:"(...) Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos para:
- reconhecer o tempo de serviço rural no período de 30.10.1986 a 23.04.1990, em que a parte autora comprovadamente exerceu atividade em regime de economia familiar e determinar ao INSS a respectiva averbação, observando que eventual certidão de tempo de serviço expedida pelo réu deverá conter ressalva no sentido de que o período rural ora reconhecido somente poderá ser computado para fins de obtenção de benefício junto ao Regime Geral;
- reconhecer o trabalho urbano desempenhado pela parte autora no período de 24.04.1990 a 22.10.1990 e determinar ao INSS a respectiva averbação;
- reconhecer a especialidade do trabalho desempenhado pela parte autora nos períodos de 24.04.1990 a 22.10.1990, 01.08.1994 a 05.05.1995, 15.05.1995 a 23.02.1998, 04.08.2000 a 14.06.2016 e de 15.06.2018 a 28.06.2019 e determinar ao INSS a respectiva averbação, mediante conversão em tempo comum pelo fator 1,4;
- determinar ao INSS a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição/serviço a LEONIR MARTIN AREND (CPF 81667019953), nos moldes do art. 53 e seguintes da Lei 8.213/91, nos termos da fundamentação (...).
- condenar o INSS a pagar à parte autora os valores em atraso desde a DER até a data do início do pagamento (DIP), levando em consideração os critérios de cálculo descritos na fundamentação acima, referentes à soma das diferenças, verificadas mês a mês, entre os valores que eram devidos (nos termos desta sentença) e os que lhe foram pagos, excluídas as parcelas prescritas (aquelas que precederam os 5 anos anteriores à propositura da presente ação) e observado o disposto no art. 2º, III da Lei 13.982/20, c/c o artigo 1°, § 3º, II, da MP 1000/2020, referente a eventual recebimento de auxílio emergencial. Tal valor abrangerá as parcelas devidas até a competência na qual foi proferida a sentença e será liquidado após o trânsito em julgado. Atualização nos termos da fundamentação.
Consoante dispõe o Código de Processo Civil (Lei n.º 13.105/2015), tendo em vista a ausência de sucumbência substancial da parte autora, condeno a parte ré ao pagamento de despesas processuais, inclusive eventuais honorários periciais, que, na hipótese de já terem sido requisitados, via sistema AJG, deverão ser ressarcidos à Seção Judiciária de Santa Catarina.
Condeno ainda a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, tendo por base de cálculo o valor devido à parte autora até a data da sentença (Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF4). O percentual incidente sobre tal base fica estabelecido no mínimo previsto no § 3º do artigo 85 do CPC, a ser aferido em fase de cumprimento, a partir do cálculo dos atrasados, conforme o número de salários mínimos a que estes correspondam até a data da sentença (inciso II do § 4º do artigo 85 do CPC). Assim, se o valor devido à parte autora, por ocasião da sentença, não ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos, os honorários serão de 10% (dez por cento) sobre os atrasados devidos até então; se for superior a 200 (duzentos) e inferior a 2.000 (dois mil) salários mínimos, os honorários serão de 10% (dez por cento) sobre 200 (duzentos) salários mínimos mais 8% (oito por cento) sobre o que exceder tal montante; e assim por diante.
Não há condenação ao pagamento de custas nos termos do artigo 4º, inciso I, da Lei n.º 9.289/1996.
Sentença publicada e registrada eletronicamente.
Intimem-se.
Incabível a remessa necessária, visto que, invariavelmente, as demandas em curso neste Juízo não superam o patamar que exige esse mecanismo processual em conformidade com o disciplinado no inciso I do § 3º do artigo 496 do CPC (...)."
Em suas razões recursais (e.
), insurge-se, inicialmente, contra o desacolhimento do pedido de reconhecimento de labor rural no período de 30/10/1982 a 29/10/1986, sem que sequer fosse produzida prova testemunhal, tão somente em razão da rejeição da tese de viabilidade de enquadramento como segurado especial de menor de 12 anos de idade. Postula, "caso não se entenda possível o reconhecimento do período apenas com a apresentação da prova material", "o retorno dos autos à primeira instância, para que seja designada audiência de instrução e julgamento cm a oitiva de testemunhas". Refere que, havendo rejeição de período postulado em virtude de ausência de provas, deve ser extingo o processo sem análise do mérito, nos termos do Tema 629 do STJ.O INSS, por seu turno, insurge-se contra o reconhecimento da especialidade de períodos posteriores a 18/11/2003 em virtude do agente ruído sem que houvesse sido aferido o nível de exposição do obreiro conforme a metodologia indicada na NHO 01 da FUNDACENTRO, que mede o Nível de Exposição Normalizado (NEN), fixado no Anexo n. 1 da Norma Regulamentadora n. 15 (NR-15), veiculada pela Portaria n. 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), então Ministério de Estado do Trabalho (MTb). Refere, quanto aos demais períodos e agentes nocivos, que o uso de EPI eficaz neutralizou a insalubridade de forma a afastar o enquadramento dos interregnos como tempo especial.
Com as contrarrazões da parte autlra (e.
) e transcurso in albis o prazo do INSS, foram remetidos os autos a esta Corte para julgamento.É o relatório.
VOTO
Preliminar de cerceamento de defesa
Em suas razões recursais, entre outras alegações meritórias, a parte autora insurge-se contra o não reconhecimento de tempo de labor rural no período de 30/10/1982 a 29/10/1986. Alega, em síntese, que o pleito restou desacolhido sem que sequer fosse produzida prova testemunhal, tão somente em razão da rejeição da tese de viabilidade de enquadramento como segurado especial de menor de 12 anos de idade. Postula, "caso não se entenda possível o reconhecimento do período apenas com a apresentação da prova material", "o retorno dos autos à primeira instância, para que seja designada audiência de instrução e julgamento cm a oitiva de testemunhas".
De fato, no que pertine ao supra citado período de labor rural, no caso dos autos a parte autora requereu seu reconhecimento e colacionou documentação que contemporânea ao intervalo controverso (e.
), como reconhecido pelo juízo a quo em sua sentença (e. ). O magistrado singular, contudo, rejeitou a pretensão da parte autora dispensando a prova oral, por entender que não teria sido comprovada a indispensabilidade do labor do menor de 12 anos para a subsistência da família.Ocorre que, sem embargo da decisão do juízo a quo, não se pode impor um ônus probatório especial justamente ao segurado que, em situação de vulnerabilidade, foi submetido a labor rurícola em idade na qual sequer poderia colher documentos a seu favor, tendo em vista a sua formação cognitiva incompleta e absoluta incapacidade. Assim, uma comprovado, por conjunto probatório suficiente, o efetivo desempenho de atividade rural em regime de economia familiar pelo núcleo familiar do requerente, mostra-se impositivo o reconhecimento do período como tempo de serviço na qualidade de segurado especial. Demandar que o segurado ainda provasse a indispensabilidade de seu trabalho para a família de origem seria impor exigência desproporcional, que inviabilizaria, na prática, o reconhecimento da qualidade de segurado especial em tais hipóteses.
Sobre o ponto, cumpre gizar que a recente jurisprudência deste Tribunal tem contemplado a possibilidade de reconhecimento do labor rural mesmo em período no qual o segurado contava com menos de 12 (doze) anos de idade. Isso porque o estabelecimento de uma idade mínima ensejaria uma dupla punição ao trabalhador: além de perder a plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado prematuramente, não poderia sequer aproveitar tal situação para, futuramente, ter esse trabalho reconhecido para fins previdenciário.
De fato, em reiteradas decisões, o STF já pacificou entendimento no sentido que o art. 7º, XXXIII, da Constituição 'não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos' (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli). O Colendo STJ, por seu turno, analisando o art. 11 da Lei 8.213/91, igualmente assentou a orientação de que a norma de garantia do menor não pode ser interpretada em seu detrimento (REsp nº 1.440.024).
Consulte-se, a propósito, recente precedente deste Colegiado, em que se admite o cômputo, para fins previdenciários, o tempo de atividade campesina anterior aos 12 (doze) anos:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. COMPROVAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99. 2. O cômputo do tempo de serviço rural exercido no período anterior à Lei n.º 8.213/91, em regime de economia familiar e sem o recolhimento das contribuições, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003). 3. Apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. (TRF4, AC nº 5018190-31.2016.4.04.7205/SC, Rel. Des. Fed. Jorge Antonio Maurique, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, julg. em 31/01/2018, grifei)
Prevalece, assim, o entendimento de que não obstante a limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), a realidade fática brasileira demonstra que uma gama expressiva de pessoas inicia a vida profissional em idade inferior àquela prevista constitucionalmente, sem possuir a respectiva proteção previdenciária.
Cumpre gizar, por oportuno, que no âmbito da 6ª Turma desta Corte foi acolhido recurso em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em face do INSS para que a autarquia se abstenha de fixar idade mínima para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades previstas no art. 11 da Lei 8.213/91. O Acórdão restou assim ementado:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA AFASTAR A IDADE MÍNIMA PREVISTA NO ART. 11 DA LEI 8.213/91 PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO E DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR DO MPF. RECONHECIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO PROLATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 16 DA LEI. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INFANTIL X PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REALIDADE FÁTICA BRASILEIRA. INDISPENSABILIDADE DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO SEM LIMITAÇÃO DE IDADE MÍNIMA. ACP INTEGRALMENTE PROCEDENTE. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. RECURSO DO MPF PROVIDO. APELO DO INSS DESPROVIDO. (...) 15. No campo da seguridade social extrai-se da norma constitucional (art. 194, parágrafo único) o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento que preconiza que a proteção social deve alcançar a todos os trabalhadores do território nacional que dela necessitem. Por corolário lógico, incluem-se nessa proteção social aquelas crianças ou adolescentes que exerceram algum tipo de labor. 16. A despeito de haver previsão legal quanto ao limite etário (art. 13 da Lei 8.213/91, art. 14 da Lei 8.212/91 e arts. 18, § 2º do Decreto 3.048/99) não se pode negar que o trabalho infantil, ainda que prestado à revelia da fiscalização dos órgãos competentes, ou mediante autorização dos pais e autoridades judiciárias (caso do trabalho artístico e publicitário), nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, configura vínculo empregatício e fato gerador do tributo à seguridade, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal. 17. Assim, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, não há como fixar também qualquer limite etário, pois a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. 18. Ressalte-se, contudo, que para o reconhecimento do trabalho infantil para fins de cômputo do tempo de serviço é necessário início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea. 19. Desse modo, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, mostra-se possível ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário. 20. Recurso do INSS desprovido. Apelação do MPF provida." (AC nº 5017267-34.2013.4.04.7100, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. Salise Monteiro Sanchotene, jul. em 09/04/2018, grifei)
Esgotando a vexata quaestio, em recentíssimo julgado o Colendo STJ reiterou o entendimento pela inadmissibilidade de desconsiderar-se a atividade rural exercida por menos impelido a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o trabalhador. O Acórdão de tal decisão foi assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHADOR URBANO. CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR À LEI 8.213/1991 SEM O RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. INDISPENSABILIDADE DA MAIS AMPLA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO PRESTADO PELO MENOR, ANTES DE ATINGIR A IDADE MÍNIMA PARA INGRESSO NO MERCADO DE TRABALHO. EXCEPCIONAL PREVALÊNCIA DA REALIDADE FACTUAL DIANTE DE REGRAS POSITIVADAS PROIBITIVAS DO TRABALHO DO INFANTE. ENTENDIMENTO ALINHADO À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA TNU. ATIVIDADE CAMPESINA DEVIDAMENTE COMPROVADA. AGRAVO INTERNO DO SEGURADO PROVIDO. 1. Cinge-se a controvérsia em reconhecer a excepcional possibilidade de cômputo do labor de menor de 12 anos de idade, para fins previdenciários. Assim, dada a natureza da questão envolvida, deve a análise judicial da demanda ser realizada sob a influência do pensamento garantístico, de modo a que o julgamento da causa reflita e espelhe o entendimento jurídico que confere maior proteção e mais eficaz tutela dos direitos subjetivos dos hipossuficientes. 2. Abono da legislação infraconstitucional que impõe o limite mínimo de 16 anos de idade para a inscrição no RGPS, no intuito de evitar a exploração do trabalho da criança e do adolescente, ancorado no art. 7o., XXXIII da Constituição Federal. Entretanto, essa imposição etária não inibe que se reconheça, em condições especiais, o tempo de serviço de trabalho rural efetivamente prestado pelo menor, de modo que não se lhe acrescente um prejuízo adicional à perda de sua infância. 3. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7o., XXXIII, da Constituição não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos Trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos (RE 537.040/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 9.8.2011). A interpretação de qualquer regra positivada deve atender aos propósitos de sua edição; no caso de regras protetoras de direitos de menores, a compreensão jurídica não poderá, jamais, contrariar a finalidade protetiva inspiradora da regra jurídica. 4. No mesmo sentido, esta Corte já assentou a orientação de que a legislação, ao vedar o trabalho infantil, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo. Reconhecendo, assim, que os menores de idade não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciário, quando comprovado o exercício de atividade laboral na infância. 5. Desta feita, não é admissível desconsiderar a atividade rural exercida por uma criança impelida a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o Trabalhador, que teve a infância sacrificada por conta do trabalho na lide rural e que não poderia ter tal tempo aproveitado no momento da concessão de sua aposentadoria. Interpretação em sentido contrário seria infringente do propósito inspirador da regra de proteção. 6. Na hipótese, o Tribunal de origem, soberano na análise do conjunto fático-probatório dos autos, asseverou que as provas materiais carreadas aliadas às testemunhas ouvidas, comprovam que o autor exerceu atividade campesina desde a infância até 1978, embora tenha fixado como termo inicial para aproveitamento de tal tempo o momento em que o autor implementou 14 anos de idade (1969). 7. Há rigor, não há que se estabelecer uma idade mínima para o reconhecimento de labor exercido por crianças e adolescentes, impondo-se ao julgador analisar em cada caso concreto as provas acerca da alegada atividade rural, estabelecendo o seu termo inicial de acordo com a realidade dos autos e não em um limite mínimo de idade abstratamente pré-estabelecido. Reafirma-se que o trabalho da criança e do adolescente deve ser reprimido com energia inflexível, não se admitindo exceção que o justifique; no entanto, uma vez prestado o labor o respectivo tempo deve ser computado, sendo esse cômputo o mínimo que se pode fazer para mitigar o prejuízo sofrido pelo infante, mas isso sem exonerar o empregador das punições legais a que se expõe quem emprega ou explora o trabalho de menores. 8. Agravo Interno do Segurado provido. (AgInt no AREsp 956.558/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 17/06/2020 - grifei)
Assim, no caso dos autos, havendo início de prova material no sentido de que a família do autor desempenhava efetivamente labor rural no período anterior a seus doze anos de idade, o deslinde da vexata quaestio depende, ainda, da adequada colheita de prova oral que venha a complementar referida documentação.
Com efeito, não tendo sido produzida, na hipótese sub judice, a imprescindível prova testemunhal sob o devido crivo do contraditório, e tendo sido dispensada a justificação administrativa pelo INSS durante a análise do requerimento de benefício (e.
, pp. 123/124), não se encontra a presente causa madura para julgamento.Assim, diante da imprescindibilidade da produção da prova oral em lides cuja controvérsia reside na comprovação de labor rurícola na qualidade de segurado especial, mostra-se imperativa a anulação em parte da sentença, em relação especificamente ao período de 30/10/1982 a 29/10/1986, a fim de que seja reaberta a fase de instrução, para a produção de prova de oral relativa a tal interregno.
Cumpre gizar que, em relação ao outro interregno de labor rural, reconhecido pelo juízo a quo, de 30/10/1986 a 23/04/1990, encontra-se tal capítulo da sentença coberto pelo manto da coisa julgada, face à ausência de recurso específico da parte ré no ponto.
Restam, por fim, prejudicadas as demais alegações de apelação da parte demandante, bem como, por ora, o inconformismo recursal do INSS.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora, a fim de anular em parte a sentença, no que pertine ao labor rural no período de 30/10/1982 a 29/10/1986, e determinar a remessa dos autos ao juízo de origem, para que se proceda à reabertura da fase instrutória, com produção de prova testemunhal relativa a esse interregno, restando prejudicadas as demais razões recursais da parte autora e a apelação do INSS.
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Apelação Cível Nº 5016196-26.2020.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: LEONIR MARTIN AREND (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. menor de 12 anos de idade. viabilidade. prova da indispensabilidade do labor. desnecessidade. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO PARCIAL DA SENTENÇA. PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL.
1. O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea.
2. A limitação da idade para o reconhecimento de tempo de serviço rural, a teor de orientação firmada pelas Cortes Superiores, encontra-se relacionada à vedação constitucional do trabalho pelo menor. Todavia, ainda que se trate de norma protetiva, não pode ser invocada em prejuízo ao reconhecimento de direitos, sendo possível, assim, a averbação da atividade campesina sem qualquer limitação etária (é dizer, mesmo aquém dos 12 anos de idade), desde que existente prova robusta confortando a pretensão. Precedentes do TRF4.
3. Não se pode impor ônus probatório especial justamente ao segurado que, em situação de vulnerabilidade, foi submetido a labor rurícola em idade na qual sequer poderia colher documentos a seu favor, tendo em vista a sua formação cognitiva incompleta e absoluta incapacidade. Assim, uma comprovado, por conjunto probatório suficiente, o efetivo desempenho de atividade rural em regime de economia familiar pelo requerente, mostra-se impositivo o reconhecimento do período como tempo de serviço na qualidade de segurado especial. Demandar que o segurado ainda provasse a indispensabilidade de seu trabalho para a família de origem seria impor exigência desproporcional, que inviabilizaria, na prática, o reconhecimento da qualidade de segurado especial em tais hipóteses.
4. Diante da imprescindibilidade da produção da prova oral em lides cuja controvérsia reside na comprovação de labor rurícola na qualidade de segurado especial, mostra-se imperativa a anulação da sentença, para a reabertura da fase instrutória e produção de prova testemunhal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, a fim de anular em parte a sentença, no que pertine ao labor rural no período de 30/10/1982 a 29/10/1986, e determinar a remessa dos autos ao juízo de origem, para que se proceda à reabertura da fase instrutória, com produção de prova testemunhal relativa a esse interregno, restando prejudicadas as demais razões recursais da parte autora e a apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 21 de outubro de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/10/2022 A 21/10/2022
Apelação Cível Nº 5016196-26.2020.4.04.7205/SC
RELATOR: Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: LEONIR MARTIN AREND (AUTOR)
ADVOGADO: DAVID EDUARDO DA CUNHA (OAB SC045573)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/10/2022, às 00:00, a 21/10/2022, às 16:00, na sequência 306, disponibilizada no DE de 04/10/2022.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, A FIM DE ANULAR EM PARTE A SENTENÇA, NO QUE PERTINE AO LABOR RURAL NO PERÍODO DE 30/10/1982 A 29/10/1986, E DETERMINAR A REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM, PARA QUE SE PROCEDA À REABERTURA DA FASE INSTRUTÓRIA, COM PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL RELATIVA A ESSE INTERREGNO, RESTANDO PREJUDICADAS AS DEMAIS RAZÕES RECURSAIS DA PARTE AUTORA E A APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI
Votante: Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI
Votante: Juiz Federal JAIRO GILBERTO SCHAFER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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