VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR À LEI Nº 8. 213. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA POR MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR. CORREÇÃO MONETÁRIA. TRF4. 5004336-52.2016.4.04.7113

Data da publicação: 29/10/2022, 07:00:59

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR À LEI Nº 8.213. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA POR MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. 2. Não é necessário que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido, mas que exista o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural. 3. As certidões de casamento e nascimento, nas quais constem a qualificação do declarante como agricultor, possuem o mesmo valor probatório dos documentos arrolados no art. 106 da Lei nº 8.213. 4. Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (Tema 638 do Superior Tribunal de Justiça). 5. O trabalho urbano de um membro da família não descaracteriza a condição de segurado especial dos demais, diante da ausência de prova segura acerca da dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar. 6. Em ações previdenciárias, aplica-se o INPC como índice de correção monetária, inclusive após a Lei nº 11.960 (Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça). (TRF4, AC 5004336-52.2016.4.04.7113, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 22/10/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5004336-52.2016.4.04.7113/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: VALMIR ROBERTO CHIAMENTI (AUTOR)

ADVOGADO: CÉSAR GABARDO (OAB RS037253)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

A sentença proferida na ação ajuizada por Valmir Roberto Chiamenti contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS julgou os pedidos parcialmente procedentes, para o efeito de condenar o réu a: a) reconhecer o tempo de serviço rural em regime de economia familiar no período de 01/01/1990 a 31/12/1990; b) conceder ao autor aposentadoria integral por tempo de contribuição a partir de 10 de novembro de 2017, mediante a reafirmação da data de entrada do requerimento, ressalvada a possibilidade de optar pela não incidência do fator previdenciário, caso seja mais vantajosa; c) pagar as parcelas vencidas com atualização monetária pelo IPCA-E, sem incidência de juros moratórios. As partes foram condenadas ao pagamento de honorários advocatícios, na proporção de 50% para cada uma, em montante a ser apurado em liquidação de sentença, observada a súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensa a exigibilidade da verba em relação ao autor.

O autor interpôs apelação, na qual postulou o reconhecimento do tempo de serviço rural nos períodos de 23/07/1987 a 31/12/1989 e de 01/01/1991 a 31/10/1991. Alegou que desempenhou atividade agrícola em regime de economia familiar nas terras pertencentes a seu genitor até 1992, salvo no intervalo entre abril de 1982 a setembro de 1983. Aduziu que, não obstante o farto início de prova material e a prova testemunhal produzida, a sentença concluiu que, pelo fato de a sua esposa ter laborado em atividade urbana, recebendo remuneração que excedia o salário mínimo, a exploração de atividade agrícola para subsistência do grupo familiar não era imprescindível. Argumentou que o vínculo urbano da esposa concomitante ao período rural não descaracteriza o regime de economia familiar, tampouco pode ser óbice ao reconhecimento do tempo de serviço. Apontou que somente foi acostado aos autos o extrato do CNIS da esposa, inexistindo prova inequívoca de que o labor rural era realmente dispensável para a subsistência do grupo familiar. Destacou que a renda auferida pela esposa era próxima ao salário mínimo vigente na época, não representando valor substancial. Ponderou que a remuneração mínima da época alterava mensalmente, tendo em vista a variação da inflação. Deduziu que, cumprido o requisito para a concessão do benefício na forma do art. 29-C da Lei nº 8.213 desde a data do requerimento administrativo, é devido o cômputo dos juros de mora. Defendeu ainda a fixação de honorários advocatícios de acordo com o art. 85, §3º, do Código de Processo Civil.

O INSS ofereceu contrarrazões.

A sentença foi publicada em 1º de junho de 2021.

VOTO

Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213

Segundo o art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Ainda que o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31 de outubro de 1991.

O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.

Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.

A idade mínima de dezesseis anos referida no art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios considera a redação do art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ampara esse entendimento:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição “não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos” (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 600616 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 09-09-2014 PUBLIC 10-09-2014)

Para a comprovação do tempo de atividade rural, o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213, exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consoante a Súmula 149: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário. Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).

Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213, cujo caráter é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.

Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do trabalho rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rurícola, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A jurisprudência vem relativizando o requisito de contemporaneidade, admitindo a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, tanto de forma retrospectiva como prospectiva, com base em firme prova testemunhal. Assim, não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que as lacunas na prova documental sejam supridas pela prova testemunhal. Nesse sentido, a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça:

Tema 638 - Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (REsp 1348633 SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014)

Os documentos em nome de terceiros, integrantes do mesmo grupo familiar, sobretudo pais ou cônjuge, são aceitos como início de prova material. O art. 11, § 1º, da Lei de Benefícios, define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem em condições de mútua dependência e colaboração. Na sociedade rural, geralmente os atos negociais são formalizados em nome do chefe de família, função exercida pelo genitor ou cônjuge masculino. Na Súmula 73, este Tribunal preceitua: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.

O membro de grupo familiar que exerça outra atividade enquadrada no regime geral de previdência social ou em outro regime, mesmo que continue trabalhando nas lides rurais, perde a qualidade de segurado especial, conforme dispõe o art. 11, § 9º, da Lei nº 8.213, incluído pela Lei nº 11.718.

O exercício de atividade urbana por um dos integrantes da família repercute em dois aspectos: a caracterização do regime de economia familiar e a comprovação do exercício da atividade rural pelos demais membros do grupo familiar.

Entende-se que, se ficar comprovado que a remuneração proveniente da atividade urbana de um dos membros da família é apenas complementar e a principal fonte de subsistência do grupo familiar continua sendo a atividade rural, não se descaracteriza a condição de segurado especial do outro cônjuge ou dos demais integrantes da família. Contudo, se as provas materiais do labor rural estão em nome do membro do grupo familiar que não ostenta a qualidade de segurado especial, por possuir fonte de renda derivada de atividade urbana, não é possível aproveitar o início de prova material para os demais membros da família.

A matéria já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso representativo da controvérsia (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012), e resultou nas seguintes teses:

Tema 532 - O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).

Tema 533 - Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.

Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Dessa forma, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.

Caso concreto

A controvérsia diz respeito ao exercício da atividade rural pelo autor nos períodos de 23/07/1987 a 31/12/1989 e de 01/01/1991 a 31/10/1991.

No processo administrativo de requerimento de aposentadoria, o INSS homologou o período de atividade rural entre 29/11/1975 a 31/03/1982.

As provas documentais apresentadas são as seguintes (evento 1, procadm9):

- certidão de casamento dos pais do autor, Sestílio Chiamenti e Diamantina Chiamenti, ocorrido no ano de 1950, na qual o genitor é qualificado como agricultor;

- certidão expedida pelo INCRA, relativa à existência de cadastro de imóvel rural localizado no Município de Carlos Barbosa/RS, nos anos de 1965 a 1977, e de Barão/RS, nos anos de 1978 a 1992, com área de 10 hectares, em nome do pai do autor, sem contratação de assalariados;

- histórico escolar do autor, emitido pela Escola Estadual de 1º Grau Cardeal Arcoverde, situada na localidade de Arcoverde, no Município de Carlos Barbosa, relativos aos anos de 1972 a 1979;

- notas fiscais de produtor rural em nome do pai do autor, emitidas nos anos de 1982, 1983, 1984, 1985, 1986, 1987.

- certidão de casamento do autor, em maio de 1987, na qual é qualificado como agricultor;

- certidão de nascimento do filho do autor, ocorrido no ano de 1991, constando a sua qualificação como agricultor.

Consta nos registros do Cadastro Nacional de Informações Sociais que o autor exerceu atividade urbana, na condição de empregado, no período de 05/04/1982 a 13/09/1983 e a partir de 1º de agosto de 1992, bem como a sua esposa, nos períodos de 04/05/1987 a 31/10/1989 e de 01/03/1991 a 01/02/1992. Há ainda informação sobre o benefício de aposentadoria rural por idade, concedido ao pai do autor em 1992 e à mãe no ano de 1991.

Em virtude da imprecisão no teor das declarações prestadas pelas testemunhas na justificação administrativa, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região determinou a realização da prova testemunhal em juízo.

As testemunhas Maria Luiza Ongaratto Gobatto, Sônia Maria Orth Bohn e Reny Antônio Gobatto convergiram quanto aos principais fatos. Declararam que, na época discutida neste processo, residiam próximo à propriedade do pai do autor, na localidade de Vila Rica, atualmente pertencente ao Município de Barão; o autor morava na propriedade com os pais e trabalhou nas lides da roça; o sustento da família provinha somente da agricultura e da criação de vacas de leite; as terras do pai do autor não são muito extensas; não havia contratação de empregados, todos os membros da família trabalhavam na atividade rural; o grupo familiar era composto pelos pais e seis filhos; a produção era vendida, mas a maior parte era para consumo dos familiares; o autor trabalhou por um ano numa fábrica de calçados e, depois que a empresa fechou, voltou para o trabalho na agricultura junto com a família; ficou mais uns anos só laborando na roça até que, por volta dos 30 anos, deixou a atividade rural; ele continuou morando na propriedade dos pais, porém em sua própria casa. A testemunha Sônia referiu que o autor ficou na roça até depois de casar, já tinha dois filhos quando passou a trabalhar na cantina do Clécio e depois na empresa Tramontina.

A apelação do autor merece provimento.

Qualquer meio material idôneo que evidencie a ocorrência de um fato relacionado ao exercício da atividade rural e propicie a formação de convencimento do julgador constitui prova documental. As notas fiscais de comercialização ou de entrega dos produtos agropecuários à cooperativa rural demonstram, sem dúvida, o efetivo desenvolvimento do trabalho rurícola, porém não representam o único meio de prova da atividade rural.

O próprio INSS admite a aptidão probatória da certidão de casamento e de nascimento, desde que conste a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, entre outros documentos arrolados no art. 54 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015.

Além disso, a certidão do INCRA relativa ao cadastro de imóvel rural, sem a contratação de empregados, consiste em prova hábil à comprovação do tempo de atividade rural, consoante dispõe o art. 106 da Lei nº 8.213.

Verifica-se que as provas documentais são contemporâneas aos anos de 1987 a 1991. Os documentos em nome do pai podem ser aproveitadas como início de prova material pelo autor, visto que a exploração da atividade agropecuária destinou-se à subsistência do grupo familiar, com mútua dependência e colaboração e sem a utilização de empregados permanentes ou temporários.

Demais, não se exige que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido. É possível ampliar a eficácia probatória do início de prova material, seja quanto ao período anterior ao documentado, seja quanto ao posterior. As lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja robusta e forneça subsídios relevantes acerca das propriedades em que houve o trabalho na lavoura, os períodos de atividade rural, as tarefas desempenhadas, etc.

As testemunhas ouvidas em juízo foram unânimes em afirmar que o autor, após trabalhar no meio urbano por cerca de um ano, retornou à atividade agrícola juntamente com os seus familiares, nela permanecendo inclusive após o casamento. Somentou deixou definitivamente o labor na agricultura quando tinha em torno de 30 anos.

Dessa forma, está presente o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural, atendendo à exigência do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213.

A controvérsia diz respeito à caracterização do regime de economia familiar. A sentença entendeu não estar comprovado que o sustento da família era proveniente do trabalho rural, já que a esposa do autor trabalhou em atividade urbana nos períodos de 04/05/1987 a 31/10/1989 e de 01/03/1991 a 01/02/1992, tendo recebido remuneração que excedia o salário mínimo vigente à época.

A característica fundamental da categoria prevista no art. 11, inciso VII, da Lei nº 8.213, é o exercício da atividade rural, sem o auxílio de empregados, como principal fonte de subsistência da família, quando é realizada em regime de economia familiar, ou do trabalhador, quando é desenvolvida de forma individual. Nesse sentido, esclarece o art. 11, §1º, da Lei nº 8.213:

§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

No meio rural, é comum a existência de um grande grupo familiar, reunindo parentes consanguíneos e por afinidade, representantes de mais de uma geração, na mesma propriedade. A análise do conjunto probatório permite concluir que, no caso dos autos, o trabalho rural desenvolvido pelo autor não se destinava apenas à sua própria subsistência, mas também dos seus pais e irmãos. Segundo a prova testemunhal, o cultivo de produtos agrícolas na propriedade rural destinava-se a suprir as necessidades do grupo familiar.

Ainda que a remuneração percebida pela sua esposa fosse superior a um salário mínimo, não é possível firmar convicção no sentido de que somente o seu salário fosse suficiente para o sustento da família, assim entendido o conjunto de pessoas que sobrevivia da exploração da atividade rurícola na propriedade. Note-se que, embora em alguns meses os rendimentos ultrapassem dois salários mínimos, como em novembro de 1987, abril de 1988 e fevereiro de 1989, a média ficava em torno de 1,4 a 1,6 salários mínimos.

Portanto, as circunstâncias do caso concreto indicam que a principal fonte de subsistência do grupo familiar era efetivamente a atividade rural.

Constata-se, assim, que o conjunto probatório está alicerçado em razoável início de prova material, complementado por prova testemunhal firme e coerente, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural nos períodos de 23/07/1987 a 31/12/1989 e de 01/01/1991 a 31/10/1991.

Requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição

Na data do requerimento administrativo (01/04/2016), o INSS contou o tempo de contribuição de 38 anos, 5 meses e 10 dias e a carência de 303 contribuições (NB 171.100.430-5, evento 1, procadm8, p. 32/33).

O tempo de atividade rural reconhecido em juízo corresponde a 4 anos, 3 meses e 8 dias (23/07/1987 a 31/10/1991).

A soma do tempo de contribuição resulta em 42 anos, 8 meses e 18 dias.

A pontuação atingida, considerando a soma do tempo de contribuição e da idade (52 anos, 4 meses e 2 dias), perfaz 95,0556 (art. 29-C da Lei nº 8.213, incluído pela Lei nº 13.183).

Dessa forma, em 1º de abril de 2016, a parte autora preencheu os requisitos para a aposentadoria integral por tempo de contribuição, conforme o art. 201, §7º, da Constituição Federal.

O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei nº 9.876, sem a incidência do fator previdenciário, caso seja mais vantajoso, uma vez que a pontuação totalizada é superior a 95 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado.

Correção monetária e juros de mora

A questão atinente à aplicação dos índices de correção monetária e juros de mora pode ser examinada de ofício, consoante a interpretação do art. 491 do CPC.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 810, declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pela Lei nº 11.960, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança. Em relação aos juros de mora, reputou constitucional a aplicação do índice de remuneração da caderneta de poupança (RE 870.947, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017).

Os embargos de declaração opostos no RE 870.947 foram rejeitados pelo STF, não sendo acolhido o pedido de modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Dessa forma, devem ser observados os critérios de correção monetária e juros de mora fixados no Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.495.146/MG, REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/02/2018):

3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.

As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada parcela, conforme a variação do INPC, a partir de abril de 2006 (art. 41-A da Lei nº 8.213).

O art. 5º da Lei nº 11.960, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494, dispõe que haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. Ao empregar a expressão “uma única vez”, o legislador afastou a capitalização, ou seja, a aplicação de juros sobre parcelas que já incluam juros.

Os juros moratórios incidem a contar da citação, conforme a taxa de juros da caderneta de poupança, de forma simples (não capitalizada).

A partir de 9 de dezembro de 2021, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113, deve incidir, para os fins de atualização monetária e juros de mora, apenas a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulada mensalmente.

Assim, a sentença deve ser modificada de ofício, em relação ao índice de correção monetária.

Quanto aos juros de mora, reconhecido o direito do autor ao benefício desde a data do requerimento administrativo, não se aplica o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos embargos de declaração opostos no recurso especial afetado no Tema 995.

Honorários advocatícios

O INSS, sucumbente na causa, deve responder integralmente pelo pagamento de honorários advocatícios.

Os honorários incidem sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença, segundo o entendimento da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça e da Súmula 76 deste Tribunal Regional Federal, no percentual mínimo de cada uma das faixas de valor previstas no art. 85, §3º, do CPC.

Tutela específica

Considerando os termos do art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente, observando-se o prazo de trinta dias úteis para a implantação do benefício.

Incumbe ao representante judicial do INSS que for intimado desta decisão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.

Conclusão

Dou provimento à apelação do autor, para condenar o INSS a: a) reconhecer o exercício de atividade rural nos períodos de 23/07/1987 a 31/12/1989 e de 01/01/1991 a 31/10/1991 e proceder à averbação do tempo de serviço, salvo para efeito de carência; b) conceder o benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo (01/04/2016) sem a incidência do fator previdenciário, caso seja mais vantajoso; c) pagar as prestações vencidas com atualização monetária e juros de mora nos termos da fundamentação.

De ofício, concedo a tutela específica e modifico a sentença em relação ao índice de correção monetária.

Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento à apelação da parte autora e, de ofício, conceder a tutela específica e modificar a sentença em relação ao índice de correção monetária.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003533703v26 e do código CRC d2999ab7.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 22/10/2022, às 23:25:46


5004336-52.2016.4.04.7113
40003533703.V26


Conferência de autenticidade emitida em 29/10/2022 04:00:59.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5004336-52.2016.4.04.7113/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: VALMIR ROBERTO CHIAMENTI (AUTOR)

ADVOGADO: CÉSAR GABARDO (OAB RS037253)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

previdenciário. aposentadoria por tempo de contribuição. tempo de serviço rural anterior à lei nº 8.213. regime de economia familiar. início de prova material. exercício de atividade urbana por membro do grupo familiar. correção monetária.

1. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.

2. Não é necessário que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido, mas que exista o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural.

3. As certidões de casamento e nascimento, nas quais constem a qualificação do declarante como agricultor, possuem o mesmo valor probatório dos documentos arrolados no art. 106 da Lei nº 8.213.

4. Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (Tema 638 do Superior Tribunal de Justiça).

5. O trabalho urbano de um membro da família não descaracteriza a condição de segurado especial dos demais, diante da ausência de prova segura acerca da dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar.

6. Em ações previdenciárias, aplica-se o INPC como índice de correção monetária, inclusive após a Lei nº 11.960 (Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e, de ofício, conceder a tutela específica e modificar a sentença em relação ao índice de correção monetária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 18 de outubro de 2022.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003533704v5 e do código CRC 499098f8.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 22/10/2022, às 23:25:46


5004336-52.2016.4.04.7113
40003533704 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 29/10/2022 04:00:59.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/10/2022 A 18/10/2022

Apelação Cível Nº 5004336-52.2016.4.04.7113/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO

APELANTE: VALMIR ROBERTO CHIAMENTI (AUTOR)

ADVOGADO: CÉSAR GABARDO (OAB RS037253)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/10/2022, às 00:00, a 18/10/2022, às 16:00, na sequência 579, disponibilizada no DE de 29/09/2022.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E, DE OFÍCIO, CONCEDER A TUTELA ESPECÍFICA E MODIFICAR A SENTENÇA EM RELAÇÃO AO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 29/10/2022 04:00:59.

O Prev já ajudou mais de 90 mil advogados em todo o Brasil.Acesse quantas petições e faça quantos cálculos quiser!

Teste grátis por 15 dias