
Apelação Cível Nº 5006032-25.2021.4.04.9999/PR
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DULCI HEIDEMANN SCHMITZ
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que a parte autora objetiva a concessão de aposentadoria rural por idade, em face do exercício de atividades rurais na condição de boia-fria.
Sentenciando, 01/02/2021, a MMª. Juíza julgou procedente o pedido, condenando o INSS a conceder o benefício desde a data do requerimento administrativo, 13/06/2018 (DER), bem como ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas. Ainda, acerca da correção monetária e dos juros de mora, a Magistrada determinou nos seguintes termos:
"[...] A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo INPC, a partir de 04/2006, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91, nos termos das decisões proferidas pelo STF, no RE nº 870.947, DJE de 20/11/2017 (Tema 810), e pelo STJ, no REsp nº 1.492.221/PR, DJe de 20/03/2018 (Tema 905). Os juros de mora, a contar da citação (Súmula 75 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região), devem incidir uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, a teor do artigo 1º-F da Lei n. 9.494/97, com redação vigente desde 29-06-2009."
Por fim, a Magistrada concedeu a antecipação dos efeitos de tutela.
Irresignado, o INSS apela, aduzindo que a parte autora não comprovou efetivamente o exercício da atividade rural no período de carência, porquanto não juntou aos autos início de prova material suficiente. Ainda, sustenta que a parte autora e seu cônjuge possuiram registros como trabalhador urbano dentro do período de carência conforme CNIS, o que descaracterizaria a qualidade de segurada especial da demandante.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE APOSENTADORIA RURAL POR IDADE
A concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91), deve observar os seguintes requisitos: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 anos para mulheres); e (b) exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, ainda que de forma descontínua, independentemente do recolhimento de contribuições (art. 48, §§ 1º e 2º, 25, II, 26, III, e 39, I, da Lei nº 8.213/91).
Quanto à carência, o art. 143 da Lei nº 8.213/91, estabeleceu regra de transição para os trabalhadores rurais que passaram a ser enquadrados como segurados obrigatórios, na forma do art. 11, I, "a", IV ou VII, assegurando "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício".
Já o art. 142 da Lei de Benefícios previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural".
Na aplicação da tabela do art. 142, o termo inicial para o cômputo do tempo de atividade rural é o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91).
Na hipótese de insuficiência de tempo de exercício de atividade rural ao completar a idade mínima, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subsequentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei de Benefícios.
Outrossim, nos casos em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31/08/1994, data da publicação da Medida Provisória nº 598, por meio da qual foi alterada a redação original do referido art. 143 (posteriormente convertida na Lei nº 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, por um período de 5 anos (60 meses) anterior ao requerimento administrativo, não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/91.
A disposição contida no art. 143 da Lei nº 8.213/91, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser relativizada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido.
Em qualquer dos casos, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo; ou, inexistente este, da data do ajuizamento da ação, conforme modulação contida no julgamento do RE 631.240.
Registre-se que o tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, quando necessária ao preenchimento de lacunas - não sendo esta admitida, exclusivamente, nos termos do art. 55, §3º, da Lei nº 8.213/91, bem como da Súmula nº 149 do STJ e do REsp nº 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, j. 10/10/2012, DJe 19/12/2012 (recurso representativo da controvérsia).
Ainda, quanto à questão da prova, cabe ressaltar os seguintes aspectos: (a) o rol de documentos constantes no art. 106 da Lei de Benefícios, os quais seriam aptos à comprovação do exercício da atividade rural, é apenas exemplificativo; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido (AREsp 327.119/PB, j. em 02/06/2015, DJe 18/06/2015); (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos); (d) É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório (Súmula 577/STJ (DJe 27/06/2016); e (e) a prova material juntada aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o período posterior à data do documento, desde que corroborado por prova testemunhal (AgRg no AREsp 320558/MT, j. em 21/03/2017, DJe 30/03/2017); e (f) é admitido, como início de prova material, nos termos da Súmula 73 deste Tribunal, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
CASO CONCRETO
No presente caso, observo que a parte autora preencheu o requisito etário em 19/11/2013 e formulou o requerimento administrativo em 10/05/2019. Dessa forma, deve comprovar o exercício de atividade rural no período de 180 meses imediatamente anteriores ao implemento da idade mínima ou imediatamente anteriores ao requerimento administrativo.
Para fazer prova do exercício de atividade rural, a parte autora instruiu o processo com os seguintes documentos:
- Certidão de Casamento da Autora, emitida no ano de 1976, em que consta a profissão de seu esposo Sr. Roque Schmitz, como agricultor (mov. 1.5);
- Certidão de Nascimento de Cássia Schmitz, filha da Autora, do ano de 1983, em que consta a profissão do genitor como lavrador (mov. 15.4, pdf. 22);
- Certidão de Nascimento de Jaqueson Schmitz, filho da Autora, do ano de 1978, em que consta a profissão do genitor como lavrador (mov. 15.4, pdf. 21);
- Certidão de Nascimento de filho de Jucerlei Schmitz, filho da Autora, do ano de 1977, em que consta a profissão do genitor como lavrador (mov. 15.4, pdf. 23);
- Históricos Escolares (Escola RURAL/DO CAMPO) da Autora e de seus irmãos: José Heidemann, Sinaide Heidemann e Matias Hidemann, referente aos anos de 1962, 1963, 1969, 1970, 1971, 1972, 1973 (mov. 1.7).
Por ocasião da audiência de instrução, foram inquiridas testemunhas, as quais confirmaram o exercício de atividades rurais pela parte demandante, afirmando que esta sempre trabalhou na lavoura, na condição de trabalhadora boia-fria.
No entanto, apesar de a prova testemunhal ter confirmado o exercício de atividade rural pela parte autora, da análise do feito verifica-se que não foi juntado aos autos nenhum documento com poder probatório suficiente para comprovar o trabalho nas lides campesinas durante o período de carência. Destaca-se que a certidão civil juntada aos autos mais recente é do ano de 1983.
Inclusive, cabe destacar que a requerente possui vínculo de natureza urbana dentro do período de carência, a partir de 2010 até o ano de 2018, conforme consta no CNIS. Todavia, o que gera estranheza nos autos é de que as testemunhas ouvidas em juizo foram uníssonas ao afirmar que o cônjuge da requerente trabalha como pedreiro e a autora como faxineira, todavia é no cadastro desta que consta o víniculo com a Construtora Vargem de Cedro Ltda.
Nesse sentido, não obstante ser admitida a descontinuidade do serviço rural, em face da situação peculiar desses trabalhadores, na hipótese em questão trata-se de um longo período de tempo em que esteve afastado das lides campesinas, o qual abrange grande parte do período de carência legalmente exigido.
Nessa esteira, segue o entendimento desta Corte:
APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR/BOIA-FRIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO. DESCONTINUIDADE DO LABOR RURAL. REQUISITOS NÃO CUMPRIDOS. 1. A comprovação do exercício de atividade rural pode ser efetuada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea.
2. Embora tenha havido o preenchimento do requisito etário, a parte autora esteve afastada das lides rurais por extenso período dentro do prazo de carência.
3. A locução "descontinuidade" (art. 48, § 2º, da Lei nº 8.213/91) não pode abarcar as situações em que o segurado para com a atividade rural por muito tempo.
4. Não comprovada a carência suficiente à concessão da aposentadoria pleiteada, é indevido o benefício (TRF-4 - AC: 50090332820154049999 5009033-28.2015.404.9999, de aposentadoria por idade rural. Relator: Relatora, Data de Julgamento: 18/11/2015, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 18/12/2015)" grifei.
É importante esclarecer que a aposentadoria rural por idade concedida aos segurados especiais consiste numa exceção ao sistema da Previdência Social, devendo ser concedida unicamente àqueles que preencham os estritos requisitos para tanto.
Logo, não restando comprovada a condição de segurada especial pela parte autora, deve ser revertida a sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício de aposentadoria por idade.
CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do CPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do CPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Reformada a sentença de procedência, condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, cuja exigibilidade fica suspensa em face da concessão de gratuidade da justiça.
PREQUESTIONAMENTO
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes.
CONCLUSÃO
Apelação provida.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5006032-25.2021.4.04.9999/PR
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DULCI HEIDEMANN SCHMITZ
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. boia-fria. REQUISITOS LEGAIS. NÃO COMPROVADOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Improcede o pedido de concessão de aposentadoria rural por idade quando não atendidos os requisitos previstos nos artigos 11, VII, 48, § 1º, e 142, da Lei nº 8.213/1991.
2. Descaracterização da qualidade de segurada especial, porquanto não foi comprovada a atividade agrícola indispensável para sua subsistência.
3. Não comprovado o exercício da atividade rural, na qualidade de segurada especial, no período correspondente à carência, a parte autora não tem direito à aposentadoria rural por idade.
4. Honorários advocatícios, a serem suportados pela parte autora, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, cuja exigibilidade resta suspensa em razão da concessão de AJG.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 04 de maio de 2021.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 27/04/2021 A 04/05/2021
Apelação Cível Nº 5006032-25.2021.4.04.9999/PR
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
PRESIDENTE: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DULCI HEIDEMANN SCHMITZ
ADVOGADO: UBIRAJARA TONELLI (OAB PR078982)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 27/04/2021, às 00:00, a 04/05/2021, às 16:00, na sequência 46, disponibilizada no DE de 15/04/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
SUZANA ROESSING
Secretária
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