D.E. Publicado em 18/07/2016 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004999-61.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | GENI SORGE BERTOLDI |
ADVOGADO | : | Soeli Beck |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. REQUISITOS LEGAIS. NÃO COMPROVAÇÃO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL, COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL.
1. É devido o benefício de aposentadoria rural por idade, nos termos dos artigos 11, VII, 48, § 1º e 142, da Lei nº 8.213/1991, independentemente do recolhimento de contribuições quando comprovado o implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e cinquenta e cinco anos para a mulher) e o exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, mediante início de prova material complementada por prova testemunhal idônea.
2. Hipótese em que a parte autora não preencheu os requisitos necessários à concessão do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS e revogar a tutela antecipada deferida na sentença, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 05 de julho de 2016.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8342474v3 e, se solicitado, do código CRC A688A34D. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004999-61.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | GENI SORGE BERTOLDI |
ADVOGADO | : | Soeli Beck |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pelo INSS em face da sentença que julgou procedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural.
Sustenta, em síntese, que a parte autora não preenche os requisitos necessários à prestação previdenciária, afirmando que não se trata de segurada especial, tanto pela extensão das terras, quanto pelo volume da produção. Subsidiariamente, pugna pela adequação dos critérios de correção monetária e pela isenção de custas.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Trata-se de demanda previdenciária objetivando a concessão de APOSENTADORIA POR IDADE RURAL, prevista no artigo 48, § 1º e seguintes, da Lei 8.213/91.
Do reexame necessário
Não se desconhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a sentença ilíquida está sujeita a reexame necessário (Súmula 490).
Contudo, tratando-se de remessa necessária de sentença que concedeu benefício previdenciário a segurado especial, o qual, como é cediço, corresponde ao valor de um salário mínimo, com apenas 17 prestações mensais, devidas entre 03/09/2014 (DER) e a data da publicação da sentença (25/01/2016), é certo que a condenação, ainda que acrescida de correção monetária e juros, jamais excederá 60 (sessenta) salários-mínimos, montante exigível para a admissibilidade do previsto no § 2° do art. 475 do CPC.
Logo, a sentença prescinde de liquidação e não deve ser submetida ao reexame necessário, nos termos do disposto no art. 475, § 2º, do Código de Processo Civil de 1973, o qual é aplicável ao caso em tela porquanto a r. sentença foi proferida antes de 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016), conforme prevê expressamente o artigo 14 do NCPC [A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada].
Portanto, deixo de dar por interposta a remessa oficial.
Premissas
Quanto ao reconhecimento do tempo de serviço rural, as premissas são as seguintes:
a) a possibilidade de extensão da prova material para período anterior ao documento mais antigo (REsp 1.348.633, Rel. Min. Arnaldo Esteves, j. 28/08/2013);
b) A presunção de continuidade do tempo de serviço rural no período compreendido entre os documentos indicativos do trabalho rural. Neste sentido, Moacyr Amaral Santos faz referência à teoria de Fitting, segundo a qual presume-se a permanência de um estado preexistente, se não for alegada a sua alteração, ou, se alegada, não tiver sido feita a devida prova desta. Amaral Santos, citando Soares de Faria na síntese dos resultados obtidos por Fitting, pontifica que "só a afirmação de uma mudança de um estado anterior necessita de prova, que não a permanência do mesmo: affirmanti non neganti incumbit probatio" (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. v. 1, p. 102);
c) A ampliação da abrangência do início de prova material pertinente ao período de carência a períodos anteriores ou posteriores à sua datação, desde que complementado por robusta prova testemunhal, uma vez que "não há exigência de que o início de prova material se refira a todo o período de carência, para fins de aposentadoria por idade do trabalhador rural" (AgRg no AREsp 194.962/MT), bem como que "basta o início de prova material ser contemporâneo aos fatos alegados e referir-se, pelo menos, a uma fração daquele período, corroborado com prova testemunhal, a qual amplie sua eficácia probatória" (AgRg no AREsp 286.515/MG), entendimentos esses citados com destaque no voto condutor do acórdão do REsp nº 1349633 - representativo de controvérsia que consagrou a possibilidade da retroação dos efeitos do documento tomado como início de prova material, desde que embasado em prova testemunhal. Vide recentes julgados da Terceira Seção do STJ: AR 4.507/SP, AR 3.567/SP, EREsp 1171565/SP, AR 3.990/SP e AR 4.094/SP;
d) a inviabilidade de comprovação do labor rural através de prova exclusivamente testemunhal (REsp 1133863/RN, Rel. Ministro CELSO LIMONGI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011);
e) segundo a jurisprudência da 3ª Seção deste Regional, a utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente. (TRF4, EINF 5023877-32.2010.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 18/08/2015);
f) a admissão, como início de prova material e nos termos da Súmula 73 deste Tribunal, de documentos de terceiros, membros do grupo parental;
g) o fato de que o tamanho da propriedade rural não é, sozinho, elemento que possa descaracterizar o regime de economia familiar desde que preenchidos os demais requisitos (REsp 1403506/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013);
h) segundo a Lei nº 12.873/2013, que alterou, entre outros, o art. 11 da LB, "o grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença". Deixou-se de exigir, assim, que a contratação ocorresse apenas em épocas de safra (ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. São Paulo: Altas, 2015, p. 63);
i) de acordo com a jurisprudência do STJ, o exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial. No entanto, não se considera segurado especial quando ficar demonstrado que o trabalho urbano constitui a principal atividade laborativa do requerente e/ou sua principal fonte de renda. (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014);
j) o exercício da atividade rural pode ser descontínuo (AgRg no AREsp 327.119/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 18/06/2015);
l) no que tange ao trabalho do boia-fria, o STJ, por meio, entre outros, do REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, abrandou as exigências quanto ao início de prova material da atividade rural, desde que complementada através de idônea prova testemunhal;
m) o segurado especial tem de estar trabalhando no campo quando completar a idade mínima para obter a aposentadoria rural por idade, momento em que poderá requerer seu benefício, ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, já preencheu de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos - carência e idade. (STJ, REsp 1354908, 1ª Seção, Tema 642/recurso repetitivo).
Exame da aposentadoria rural no caso concreto:
No caso em tela, a parte autora atingiu o requisito etário em 02/09/2014 e formulou o requerimento de aposentadoria por idade rural em 03/09/2014. Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao implemento da idade mínima (de 02/09/1999 a 02/09/2014) ou à entrada do requerimento administrativo (de 03/09/1999 a 03/09/2014) ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Cumpre observar que o INSS reconheceu na via administrativa o exercício de atividade rural no período de 01/01/1998 a 22/06/2008, totalizando 10 anos, 5 meses e 22 dias de tempo de contribuição, equivalente a 126 meses de carência (fl. 223).
Percuciente análise dos autos demonstra que a parte demandante apresentou, a título de início de prova material, documentos suficientes para provar que trabalhava no campo, dentre os quais se destacam a certidão de casamento, datada de 08/07/1983 (fl. 69), na qual seu marido foi qualificado como agricultor, as notas de produtor rural, correspondentes aos anos de 1998 a 2014, em que consta a comercialização de milho, soja, trigo, painço e leite (fls. 18-65 e 73-108), além de certidão positiva do Registro de Imóveis de Tucunduva (fls. 114/118), atestando que a autora e seu marido são proprietários de frações de terras rurais, as quais somadas totalizam 80,5 hectares, e dois terrenos urbanos no município de Novo Machado.
Na audiência, realizada em 07/10/2015, foram ouvidas testemunhas, que afirmaram conhecer a autora há mais de 20 anos, bem como que ela sempre exerceu atividade rural juntamente com o marido, em regime de economia familiar, produzindo soja, milho e trigo, sem a ajuda de empregados. Uma das testemunhas disse que em época de safra a autora trocava serviço com vizinhos, os quais também lhe emprestariam máquinas, além de contar com auxílio eventual de terceiros (mídia à fl. 262).
A questão é que muitas das notas trazidas pela autora apresentam valores incompatíveis com a atividade de segurado especial, com valores de mais de dez mil reais em algumas delas (fls. 21, 106 e 108, por exemplo). Não bastasse isso, a autora afirmou em entrevista rural que possui maquinário próprio, como trator e demais implementos agrícolas, e um caminhão F4000 (fls. 110/111), denotando possuir condição que não se assemelha àquela de um segurado especial.
Embora os testemunhos colhidos em juízo levem à conclusão de que a parte autora é agricultora, tal questão restou evidenciada pelas notas de produtor, não havendo dúvida sobre ela. Tais depoimentos, por outro lado, não são suficientes para caracterizar a autora como segurada especial, uma vez que não desmentem a condição razoavelmente privilegiada da autora.
O fato de uma parcela dos referidos imóveis rurais localizarem-se dentro da área urbana (fl. 250) é insuficiente para sobrepujar o inafastável dado objetivo de que a demandante e seu marido são proprietários de área superior ao número de módulos fiscais tolerados pela legislação para a caracterização de segurado especial; tais alegações, ainda que verdadeiras, não impediram a autora de ter estofo produtivo para vender, de uma só vez, em julho de 2009, trinta e uma toneladas de soja, no valor de mais de vinte mil reais à época (fl. 21).
Como se pode observar, o acervo probatório indica que embora a parte autora efetivamente tenha exercido atividade rural no período correspondente à carência, não se pode tomá-la como exercida na qualidade de segurada especial no período posterior a 2008.
Conclusão sobre o direito da parte autora à aposentadoria por idade rural
Dessarte, a parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria por idade rural, impondo-se a retificação da sentença.
Consectários
Invertidos os ônus sucumbenciais, condeno a parte autora a pagar as custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios no valor de R$880,00 (oitocentos e oitenta reais), verbas essas com exigibilidade suspensa, na forma da Lei nº 1.060/50, ante a concessão da AJG (fl. 231).
Da antecipação de tutela
Não restando confirmado o direito à concessão da aposentadoria por idade rural, deve ser revogada a antecipação dos efeitos da tutela deferida na sentença (fl. 277 verso).
Conclusão
Reforma-se a sentença no mérito, dando-se provimento ao apelo do INSS, para julgar improcedente o pedido, com a inversão dos ônus sucumbenciais, observada a concessão da AJG.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do INSS e revogar a tutela antecipada deferida na sentença.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 05/07/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004999-61.2016.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00002776120158210153
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Carlos Eduardo Copetti Leite |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | GENI SORGE BERTOLDI |
ADVOGADO | : | Soeli Beck |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 05/07/2016, na seqüência 101, disponibilizada no DE de 14/06/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E REVOGAR A TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA NA SENTENÇA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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