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BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. VINCULAÇÃO AO LAUDO TÉCNICO. INEXISTÊNCIA. FATO SUPERVENIENTE. ART. 435, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. POSSIBILIDADE DE CONH...

Data da publicação: 13/10/2022, 19:08:29

EMENTA: BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. VINCULAÇÃO AO LAUDO TÉCNICO. INEXISTÊNCIA. FATO SUPERVENIENTE. ART. 435, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO. DIREITO AO BENEFÍCIO. DECORRÊNCIA DO CONTEXTO PROBATÓRIO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. CUSTAS PROCESSUAIS. APELAÇÃO PROVIDA. 1. São dois os requisitos para a concessão do benefício assistencial: condição de pessoa com deficiência/impedimento de longo prazo ou idosa (65 anos ou mais); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, de hipossuficiência econômica ou de desamparo). 2. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo técnico, nos termos do art. 479 do CPC, podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligido aos autos. 3. O art. 435, parágrafo único, do CPC possibilita a juntada ao processo, mesmo em sede recursal, de documento que se tornou conhecido, acessível ou disponível após a sentença, viabilizando o conhecimento como prova após observado o princípio do contraditório. 4. Demonstrado no conjunto probatório o preenchimento dos requisitos, faz jus o autor à concessão de benefício assistencial desde a entrada do requerimento cujo quadro fático-jurídico restou examinado na demanda e, em especial, na avaliação socioeconômica. 5. De acordo com julgamento pelo STF do tema 810 da repercussão geral (RE 870947) e pelo STJ do tema 905 dos recursos repetitivos (REsp 1495146), sobre as parcelas vencidas de benefícios assistenciais incidirão o IPCA-E como índice de correção monetária e juros de mora a contar da citação (Súmula 204 do STJ), na taxa de 1% (um por cento) ao mês até 29/06/2009 e, a partir de 30/06/2009, computados uma única vez (sem capitalização), de acordo os índices oficiais de remuneração das cadernetas de poupança. 6. O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (arts. 2º e 5º, inciso I, da Lei Estadual/RS nº 14.634/2014, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais). 7. Apelação provida. (TRF4, AC 5004544-88.2020.4.04.7115, QUINTA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 28/09/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5004544-88.2020.4.04.7115/RS

RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

APELANTE: DILCEU DOS SANTOS (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) (AUTOR)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELANTE: ESTER VITORIA OLIVEIRA OLTZ (Curador) (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

DILCEU DOS SANTOS, relativamente incapaz representado pela companheira ESTER VITÓRIA OLIVEIRA OLTZ, propôs ação pelo procedimento comum contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, postulando a concessão de benefício assistencial desde a DER (24/09/2013).

Sobreveio sentença (evento 66, SENT1) julgando improcedente o pedido por ausência do requisito deficiência/impedimento de longo prazo.

Em razões de apelação, sustenta o demandante (evento 76, APELAÇÃO1), quanto ao ponto em debate, que:

  • o apelante preenche essa exigência legal, na medida em que é portador, desde seu nascimento/infância, de deficiência, Retardo Mental, que lhe reduz o discernimento/intelecto, dificulta sua interação social (mesmo no núcleo familiar), age como empecilho na busca e/ou manutenção de emprego, e lhe impõe a necessidade de auxílio de terceiros para tarefas simples do dia-a-dia (não reconhece dinheiro, necessita de ajuda para pegar ônibus, etc.)

  • chama a atenção a conclusão do médico psiquiatra ser no sentido de que “inexiste incapacidade no caso do autor”, quando ele mesmo tão claramente estabelece que se está falando de paciente com deficiência mental/retardo mental, que lhe implica num reduzido desempenho cognitivo/verbal, bem como inteligência e pensamento abstrato prejudicados

  • uma pessoa com Retardo Mental (déficit intelectual) que necessita ajuda para fazer compras, que não reconhece dinheiro (!!!), que tem dificuldades para leitura e cálculos, que tem dificuldades em interagir no meio social, que foi incapaz de conseguir e manter um emprego sozinha ao longo de anos, tendo que ser sustentada pelos pais, irmãos e sogro mesmo depois de adulta, nos parece, é, evidentemente, pessoa deficiente que necessita de ajuda de terceiros

Com contrarrazões (evento 79, CONTRAZ1), veio o recurso a esta Corte em 04/11/2021.

Em 17/12/2021 foi juntado parecer do Ministério Público Federal pelo provimento da apelação (evento 4, PARECER1).

Em 04/05/2022 o autor juntou ao recurso cópia de laudo médico de 17/03/2022 produzido em ação de interdição proposta em 30/01/2021 na Justiça Estadual de Crissiumal/RS (processo 50000851620218210094), onde diagnosticado o autor com quadro de retardo mental grave (evento 5, PET1).

Determinada pela Relatoria a intimação do INSS quanto ao documento novo juntado (evento 6, DESPADEC1), sobreveio manifestação reiterando o pedido de desprovimento do recurso (evento 10, PET1).

Juntado em 26/05/2022 parecer do Ministério Público Federal ratificando a manifestação pelo provimento da apelação (evento 13, PARECER1), o recurso retornou para julgamento.

É o relato.

VOTO

Admissibilidade

Recurso adequado e tempestivo. Sem custas em razão da gratuidade da justiça concedida ao apelante (evento 11, DESPADEC1).

Benefício Assistencial

A Constituição Federal estabelece no art. 203, V, que:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

[...] V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Referida garantia foi regulamentada pelo art. 20 da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que com as alterações legislativas posteriores tem a seguinte redação:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

§ 3o Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021)

De acordo com as disposições transcritas, o direito ao benefício assistencial deve ser analisado sob dois aspectos: (a) pessoal (pessoa com deficiência/impedimento de longo prazo ou idosa com 65 anos ou mais) e (b) socioeconômico (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou desamparo).

Em relação à pessoa idosa, o art. 34 e parágrafo único da Lei 10.741/03 estabelecem:

Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.

Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.

Já nos termos do art. 20, §2º, transcrito, a deficiência, embora definida inicialmente como a incapacidade para a vida independente e para o trabalho, com as alterações legislativas o critério incapacidade para o trabalho foi superado, passando a pessoa portadora de deficiência a ser definida como a que possui impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Impedimento de longo prazo, ao seu turno, considera-se aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (art. 20, §10).

Com a entrada em vigor do art. 2º, §1º, da Lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a avaliação da deficiência, quando necessária, não se restringe à incapacidade laborativa, devendo se dar de forma mais ampla, biopsicossocial, bem como deve considerar os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais e a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação.

Em relação à criança e ao adolescente menor de dezesseis anos com deficiência, deve ser avaliado também o impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social, compatível com a idade (art. 4º, §1º, do Decreto 6.214/07, com a redação do Decreto 7.617/11).

Quanto ao aspecto socioeconômico, embora a redação original do art. 20, §3º, estabelecesse como hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idosa cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário-mínimo, tal critério foi flexibilizado no julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça do REsp 1112557/MG (tema 185 dos recursos repetitivos), no qual firmada tese no sentido de que a aferição da miserabilidade pode se dar por outros meios de prova.

A este respeito as Leis 13.146/15 e 14.176/21 introduziram os §11 e §11-A ao art. 20 citado, dispondo que § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20 -B desta Lei.

Em síntese, a renda per capita inferior a 1/4 de salário-mínimo, como critério balizador da aferição do quadro de risco social, importa presunção de miserabilidade, não impedindo o Julgador, contudo, de concluir nesse mesmo sentido a partir das demais provas do processo.

Conceito de família

A partir da alteração promovida pela Lei 12.435/11 na Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, o conceito de família compreende: o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Quanto aos filhos maiores de idade e capazes, importante refletir sobre a responsabilidade que têm com os membros idosos da família. Uma vez que o benefício em questão, tratado no art. 203, V, da CF, garante um salário-mínimo mensal à pessoa deficiente ou idosa que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, não seria razoável excluir a renda do filho maior e capaz que aufere rendimentos, uma vez que este tem responsabilidade com seus genitores idosos.

Por outro lado, considerar aqueles filhos maiores e capazes que não auferem renda para fins de grupo familiar seria beneficiá-los com uma proteção destinada ao idoso, ou seja, estariam contribuindo para a implementação dos requisitos do benefício (cálculo da renda per capita) sem contribuir para o amparo de seus ascendentes. Logo, tem-se que devem ser computados no cálculo da renda per capita tão somente os filhos que possuem renda.

A jurisprudência das Cortes Superiores orienta, ainda, que devem ser excluídos do cômputo da renda familiar per capita para concessão de benefício assistencial, a partir de interpretação do art. 34 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), (i) o valor recebido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou de benefício previdenciário de renda mínima; (ii) o valor de um salário-mínimo de benefício previdenciário de montante superior recebido por pessoa idosa e (iii) o benefício assistencial recebido por pessoa com deficiência de qualquer idade integrante do grupo familiar.

Nesse sentido, a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 580963/PR (tema 312 da repercussão geral):

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. (...) 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

(RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013)

Também a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou a questão pela sistemática dos recursos repetitivos no REsp 1355052/SP (tema 640), nesses termos:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.

(REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015)

Anote-se que suprimida renda de integrante do grupo, também este não será considerado na composição familiar para efeito do cálculo da renda per capita.

Caso concreto

Consoante relatado, a demanda foi julgada improcedente por não comprovação do requisito pessoal, não reconhecido na sentença.

Quanto ao ponto (deficiência/impedimento de longo prazo), a perícia médica psiquiátrica concluiu pela ausência de incapacidade laborativa do autor nos seguintes termos (evento 24, LAUDOPERIC1):

Data da perícia: 20/05/2021 21:21:04

Examinado: DILCEU DOS SANTOS

Data de nascimento: 08/07/1997

Idade: 23

(...)

Formação técnico-profissional: ensino fundamental incompleto – 5ª série

Última atividade exercida: trabalhador rural (colheita de maçã)

(...)

Por quanto tempo exerceu a última atividade? aproximadamente 15 dias

Até quando exerceu a última atividade? 01/2021

(...)

Motivo alegado da incapacidade: Deficiência mental

(...)

Histórico/anamnese: :
HISTÓRIA PSIQUIÁTRICA
Sozinho na entrevista.
Refere histórico de dificuldades de aprendizado desde a infância, com algumas repetência e progressão até à 5ª série. Histórico de atendimento na APAE. Está em relacionamento estável há 2 anos, sendo que tem filho de 1 ano de idade. Morava com a mãe até meados de 2014, quando passou a morar com a irmã e então com a atual companheira. Histórico reduzido de atividades laborativas. Apresenta laudo médico emitido pelo neurologista Samir Ammar, CRM 6262, datado de 2010, onde relata CID 10 F72.0. Nega história de internações psiquiátricas. Refere que ocupa o dia a dia com as atividades domésticas e os cuidados ao filho pequeno. Não apresenta outros atestados psiquiátricos, no ato pericial, além do relatado em epígrafe. A documentação acostada aos autos descreve: quadro de retardo mental, sem relato de sintomas, conforme atestado emitido em 2010. Segundo parecer social emitido pela Assistente Social Reni Lanz, CRESS 8619, Dilceu frequentou a APAE de 2009 a 2014, sendo desligado devido a mudança de endereço. Voltou a frequentar a APAE em 2019, frequentando a turma do EJA pela manhã e SCFV (Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos) a tarde.
(...)

Diagnóstico/CID:

- F70.0 - Retardo mental leve - menção de ausência de ou de comprometimento mínimo do comportamento

(...)

DID - Data provável de Início da Doença: Desde nascimento / infância

(...)

Retardo Mental
Retardo Mental é uma condição resultante de um desenvolvimento interrompido ou incompleto da mente, caracterizada essencialmente pelo comprometimento das habilidades normalmente adquiridas neste período, as quais contribuem para o nível global de inteligência.
De maneira geral, um indivíduo pode ser definido como tendo retardo mental com base em três critérios:
• manifestação antes dos dezoito anos;
• nível de funcionamento intelectual (QI) abaixo de 70/75;
• presença de limitações significativas em pelo menos duas das seguintes habilidades
adaptativas:
 comunicação e cuidado pessoal;
 vida em casa e habilidades sociais;
 funcionamento na comunidade e autodeterminação
 saúde, segurança e habilidades acadêmicas;
 lazer e trabalho
O Retardo Mental afeta cerca de um a três por cento da população, independente de raça. Em torno de sessenta por cento dos afetados são homens. Inúmeras causas e fatores de risco podem levar ao Retardo Mental, mas é importante ressaltar que em até 75% das vezes não se chega a estabelecer com clareza uma causa. Pode ser provocado por qualquer condição que prejudique o desenvolvimento cerebral antes do nascimento, durante o nascimento ou nos anos de infância e adolescência.
Entre essas, podem ser citadas:
• condições genéticas: por exemplo, fenilcetonúria, Síndrome de Down e Síndrome do X frágil;
• problemas durante a gestação: desnutrição, toxoplasmose, infecções virais, uso de
álcool, e/ou outras drogas;
• problemas perinatais: má assistência ao parto e traumas de parto, hipóxia ou anóxia,
prematuridade e baixo peso, icterícia grave do recém‐nascido;
• problemas após o nascimento: doenças virais comuns na infância, acidentes,
intoxicações por metais pesados e outros agentes químicos;
• estado socioeconômico: desnutrição, pouca estimulação, que ocorre em áreas
desprovidas das experiências culturais e ambientais normalmente oferecidas às
crianças.

Conclusão: sem incapacidade atual

- Justificativa: Não há evidência de incapacidade para o trabalho, do ponto de vista psiquiátrico.
O autor é portador de quadro compatível com o diagnóstico de deficiência mental leve. Não há presença de características, do ponto de vista psiquiátrico, que possam ser enquadradas no conceito de deficiência, nos termos do art. 4º do Decreto nº 3.298/99 ou nos termos do art. 20 da lei 8.742/93, não havendo impedimento, de longo prazo, de natureza mental.
Não comprova tratamento psiquiátrico atual.
Deve-se levar em conta as seguintes datas técnicas:
DID: desde nascimento / infância
Não há necessidade de acompanhamento de terceiros.
Não há incapacidade para os atos da vida civil.
A doença é a mesma ou se vincula àquela que levou ao requerimento do benefício na esfera administrativa.
O quadro clínico permanece inalterado desde a data do requerimento administrativo.
Essa doença não implica impedimentos que geram limitações para o desempenho de atividade laborativa ou restringe a participação social em igualdade de condições com as demais pessoas.
A moléstia não demanda utilização de produtos / equipamentos especiais.
A metodologia utilizada para a elaboração da prova pericial consistiu na leitura prévia dos autos do processo, realização da Anamnese Psiquiátrica, composta da História Psiquiátrica passada e atual, História Familiar, História Médica pregressa e atual, Exame do Estado Mental, análise documental dos exames e atestados acostados aos autos e os apresentados no ato pericial, consulta bibliográfica, dando ênfase a artigos de medicina baseada em evidências.

(...)

De acordo com o laudo, apesar de o autor apresentar diagnóstico de deficiência mental leve, não foram constatadas características enquadráveis como deficiência nos termos do art. 4º do Decreto 3.298/99 ou do art. 20 do LOAS, não havendo impedimento de longo prazo de natureza mental.

Já na análise da história de vida e na avaliação social da deficiência foram colhidas as seguintes informações em Estudo Social realizado em 1º/07/2021 (evento 52, LAUDO_SOC_ECON1):

(...)

História de Vida:

Autor reside com a companheira Ester Vitória, filho Victor e o genro Auro.

Autor reside no local a 02 meses, antes residia em Crissiumal, tem união estável 05 anos.

Residia com a mãe e dois irmãos, relata que em 2015 começou a trabalhar na Arte Pé Calçados, pelo período de experiencia, relata não foi desligado por ser deficiente em não acompanhar a produção dos demais funcionários.

Autor com 21 anos de idade, frequentou a escola APAE de Crissiumal RS, em 2009 a 2014. Tendo sido desligado do serviço na época devido mudança de domicilio, passou a residir em Novo Hamburgo, onde conheceu sua companheira o qual teve seu filho, menor de idade. Conforme laudo da APAE.

A autor está vivendo na casa do sogro, por não ter condições socioeconômicas. Obs.: Autor está trabalhando com seu sogro em atividade autônoma/ambulante, como presenciamos ao ir no local de trabalho a procura do mesmo, no dia da visita domiciliar.

(...) 2. AVALIAÇÃO SOCIAL DA DEFICIÊNCIA (ART. 20, §§ 2º,6º E 10º, LOAS)

(Preenchimento dispensado em caso de B88 – Idoso)

a) Informe o (a) Sr(a). Perito as barreiras referentes a “FATORES AMBIENTAIS” encontradas pela pessoa na interação com seu meio nos seguintes domínios, qualificando-os valorativamente (nenhuma barreira, barreira leve, barreira moderada, barreira grava e barreira completa).

a.1) Produtos e Tecnologia: Diga se há disponibilidade/acesso a produto, instrumento, equipamento ou tecnologia, inclusive os adaptados ou especialmente projetados, capazes de melhorar a situação de saúde/funcionalidade/mobilidade do(a) periciado(a), indicando a existência de alguma dificuldade de acesso (despesa, distância geográfica entre o domicílio e o local de acesso, qualidade e periodicidade, etc.).

Autor não está realizando consulta médico.

a. 2) Condições de Moradia e mudanças ambientais: Aponte o grau de vulnerabilidade e de risco social em relação ao ambiente físico (acessibilidade, privacidade da moradia, insalubridade e precarizações do ambiente, tais como possibilidade de desabamento ou inundações, exposições à violência etc.).

Residência própria em péssimo estado de conservação, de madeira, 01 cômodo, dividido em quarto, cozinha, banheiro sem portas, sem forro, com frestas, quando chove entra água por tudo, cupins. Local calmo, sem exposição a violência na zona rural.

a.3) Apoio a relacionamentos: Descreva a situação do(a) periciado(a), quanto ao convívio no âmbito das relações familiares, comunitárias, institucionais e sociais, informando a existência de pessoas que fornecem proteção, apoio físico ou emocional.

Bom relacionamento com a família

a.4) Atitudes: Exponha sucintamente o acompanhamento individual e a vida social em todos os níveis, dos relacionamentos, interpessoais e sociais às estruturas políticas, econômicas e legais, indicando a constatação de atitudes preconceituosas, discriminatórias e/ou negligentes, que influenciem o comportamento e as ações do(a) periciado(a).

Sim, em função da deficiência, na família.

a.5) Serviços, Sistemas e politicas: Esclareça se o(a) periciado(a), tem acesso à rede de serviços, sistemas e politicas garantidoras de proteção social e, em caso negativo, a causa do obstáculo (distância ou inexistência do serviço, ou, embora disponível, não supre suas necessidades).

Tem acesso a rede de saúde - SUS.

a.6) Qualifique valorativamente o componente aludido em “a”, de forma geral e conclusiva, de acordo com as informações descritas.

Barreira Moderada

b) Informe o(a) Sr(a). Perito(a) as dificuldades referentes a “ATIVIDADES E PARTICIPAÇÃO” nos seguintes domínios qualificando-os valorativamente (nenhuma dificuldade, dificuldade leve, dificuldade moderada, dificuldade grava e dificuldade completa) (periciados com idade igual ou superior a 16 anos):

b.1) Vida doméstica: Exponha a visibilidade de realização de ações e tarefas domésticas do dia a dia (limpeza e reparos domésticos, cuidado de objetos pessoais e da casa), bem como existência de disposição e responsabilidade para cooperar com os demais membros da família.

Sim, varre, lava louça.

b.2) Relações e interações interpessoais: Aborde o desempenho do(a) periciado(a) quanto às relações interpessoais com familiares, amigos, vizinho e estranhos, indicando a possibilidade de controle de comportamentos de maneira contextual e socialmente estabelecidada.

Sim, tem dificuldade de contextualiza o meio em função da deficiência .

b.3) Áreas principais da vida: Descreva o desempenho do(a) periciado(a) na realização de tarefas e ações necessárias para participar das atividades de educação e transações econômicas, indicando, quanto ao primeiro ponto, a sua formação (ensino fundamental, médio ou superior; profissionalizante), e, quanto ao segundo, eventual limitação quanto à execução de determinadas tarefas (como tomar ônibus, fazer

5º Ano do Ensino Fundamental. Tem dificuldade para leitura, cálculos. Não compras, não pega o ônibus sozinho. Não reconhece dinheiro. compras, realizar operações bancárias).

b.4) Vida comunitária, social e cívica: Analise a participação do(a) periciado(a) em atividades da vida social organizada fora do âmbito familiar, em áreas da vida comunitária, social e cívica.

No momento não frequenta.

b.5) No caso de periciado(a) menor de 16 anos, -

b.6) Qualifique valorativamente o componente aludido em “b”, de forma geral e conclusiva, de acordo com as informações descritas.

Dificuldade Moderada

c. Relate o(a) Sr(a). Perito(a) as suas conclusões acerca dos indicadores aferidos na situação do(a) periciado(a), expondo fundamentalmente se da influência mútua das barreiras do meio e das dificuldades de integração interpessoal e social verifica-se a existência de impedimento de logo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial – assim considerando aquele perdure pelo prazo mínimo de 2 anos.

RESPOSTA:

CID:10F72.0 CRM6262, não realiza tratamento e acompanhamento, bem como uso de medicação.

Autor possui companheira, possui um relacionamento duradouro, 1 filho com a mesma, demostrando possuir domínio de escolhas afetivas intrapessoais amorosas.

Conforme laudo médico evento 24, autor não possui evidência de incapacidade para o trabalho do ponto de vista psiquiátrico, com diagnóstico de deficiência mental leve. Não havendo impedimento, de longo prazo de natureza mental, conforme art 4º do Decreto nº3.298/99.

Conforme relato do histórico de vida autor já desenvolveu atividade laboral remunerada, porem não houve flexibilidade conforme lei de Cotas empresa privada, entende-se que o mesmo possui condições para o trabalho sendo enquadrado como Pessoa com Deficiência, nos critérios da lei de cotas.

Analisadas conjuntamente as avaliações médica e social conclui-se que o autor:

- apresenta diagnóstico de deficiência mental leve;

- possui histórico de dificuldades de aprendizado desde a infância, com repetência e progressão até à 5ª série;

- conta com histórico reduzido de atividades laborativas: com 23 anos de idade na data da perícia registra apenas dois vínculos como empregado da mesma empresa de calçados, com contratos de 2 e de 3 meses de serviço com interrupção entre ambos (evento 3, CNIS1); exerceu a última atividade (colheita de maçã) por 15 dias;

- relata que em 2015 começou a trabalhar na Arte Pé Calçados, pelo período de experiencia, relata não foi desligado por ser deficiente em não acompanhar a produção dos demais funcionários;

- tem dificuldade para leitura e cálculos; não realiza compras e não pega ônibus sozinho; não reconhece dinheiro e não realiza operações bancárias;

- tem dificuldade de contextualizar o meio em função da deficiência e não frequenta a vida comunitária social;

- possui dificuldade moderada de atividade e participação nos domínios doméstico, relações e interações interpessoais, vida comunitária e social;

- depende do auxílio de terceiros para obter moradia e condições mínimas de subsistência.

Todas essas circunstâncias, relatadas nas avaliações médica e social, indicam a presença de impedimento de longo prazo de natureza mental e intelectual, que impossibilita o autor de prover a própria manutenção e prejudica sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, tratando-se, portanto, de pessoa com deficiência.

Agrega-se a tais informações, pela pertinência, prova produzida após a sentença - perícia médica realizada em 17/03/2022 em ação de interdição 50000851620218210094 em tramitação na Justiça Estadual de Frederico Westphalen/RS (evento 5, LAUDOPERIC2) -, cujo conhecimento em grau de apelação é expressamente autorizado no parágrafo único do art. 435 do CPC, após regular contraditório, consoante precedentes desta Corte:

(...) 2. No tocante à juntada de documentos, o art. 435 do CPC, dispõe ser lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos. No parágrafo único, do mesmo dispositivo, também admite-se a juntada posterior de documentos formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da parte de acordo com o art. 5º. 3. Não obstante o Superior Tribunal de Justiça admita a possibilidade de juntada de novos documentos após o encerramento da fase de instrução, inclusive em âmbito recursal, tal entendimento não prescinde da necessidade de que seja respeitado o contraditório. (TRF4, Quarta Turma, AC 50355921820174047100, rel. Victor Luiz dos Santos Laus, j. em 30ago.2021)

(...) 2. Nos termos do art. 435 do NCPC, cuja redação reproduz a do art. 397 do CPC de 1973, a juntada de documentos novos em sede de recurso somente é possível caso se trate de documentos novos ou aqueles cujo acesso não tenha sido viabilizado anteriormente à parte. (TRF4, Quinta Turma, AC 50041486720134047112, rel. Gisele Lemke, j. em 4nov.2019)

Na referida perícia foi constatado quadro de retardo mental grave (CID-10 F72), com início da doença na primeira infância e diagnóstico de impedimento total e permanente para os atos da vida civil por ausência de discernimento, circunstância que vem em reforço à conclusão exposta.

Anote-se que a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que o julgador não está adstrito às conclusões do laudo técnico (art. 479 do CPC), devendo indicar na sentença os motivos que o levaram a desconsiderar as conclusões da perícia:

PREVIDENCIÁRIO. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. INCAPACIDADE COMPROVADA. LAUDO PERICIAL. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. TUTELA ESPECÍFICA. (...) 4. O julgador não está adstrito à literalidade do laudo técnico, sendo-lhe facultada ampla e livre avaliação da prova. Assim, deve ser o laudo pericial interpretado sempre sobre a ótica redutora de vulnerabilidades sociais que permeia nosso ordenamento jurídico, nunca se atendo a uma visão meramente tecnicista. (...) (TRF4, AC 5015405-80.2021.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 03/08/2022)

ASSISTENCIAL. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA. PERÍCIA BIOPSICOSSOCIAL. COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942, CPC. 1. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC ( O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligido aos autos. 2. Ainda que o caderno processual não contenha elementos probatórios conclusivos com relação à incapacidade do segurado, caso não se possa chegar a uma prova absolutamente conclusiva, consistente, robusta, é adequado que se busque socorro na prova indiciária e nas evidências. 3. As perícias médicas realizadas para fins de concessão de benefício assistencial devem ser avaliadas diferentemente dos exames realizados nos casos de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. (...)(TRF4, AC 5019884-87.2019.4.04.9999, NONA TURMA, Relator para Acórdão PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 07/07/2020)

Comprovado, assim, o requisito pessoal, cabe avançar na análise das condições em que vive o grupo familiar.

Em relação ao aspecto socieconômico, destaca-se do estudo social que o grupo familiar é formado por 4 integrantes (o autor de 23 anos; sua mulher de 22 anos; o filho de ambos de 2 anos de idade e o sogro, de 64 anos).

A renda mensal é constituída por cerca de R$ 1.100,00, oriunda de vendas ambulantes realizadas pelo sogro auxiliado pelo autor; por R$ 170,00 de bolsa-família e por R$ 250,00 de auxílio emergencial.

Apesar de o total de rendimentos, excluídos os auxílios apontados, indicarem renda per capita no limite legal na data do estudo social, em 1º/07/2021 (salário-mínimo nacional em 2021 equivalia a R$ 1.100,00), o contexto fático-probatório revela a situação de risco social em que vive o autor.

Além de depender do auxílio de terceiros para obter moradia e condições mínimas de subsistência, declarou a assistente social que as despesas com água, alimentação e gás da família aproximavam-se do total da renda percebida, bem como que a habitação onde o grupo reside, de propriedade do sogro do autor, de madeira, encontra-se em péssimo estado de conservação, não possui forro e conta com frestas que permitem a entrada de água quando chove, conforme comprovado em fotografias anexadas à perícia.

Assim, tem-se por preenchidos os requisitos pelo autor à concessão do benefício, cumprindo ressaltar que o reconhecimento do direito não impede a posterior revogação do benefício, acaso verificada a cessação das condições que lhe deram origem, na forma do art. 21 da LOAS.

Dessa forma, o recurso enseja provimento para conceder benefício assistencial ao autor desde o protocolo do requerimento 1198043188 (DER em 11/07/2019) (evento 1, INIC1, p50), por ter sido este o quadro fático-jurídico examinado na demanda e, em especial, na avaliação socioeconômica, e não o que ensejou o requerimento anterior (evento 1, INIC1, p51-107).

Correção monetária e juros de mora

A partir do julgamento definitivo pelo Supremo Tribunal Federal do tema 810 da repercussão geral (RE 870947), o Superior Tribunal de Justiça firmou tese no julgamento do tema 905 dos recursos repetitivos (REsp 1495146) no sentido de que as condenações judiciais de natureza previdenciária sujeitam-se à atualização monetária e aos juros de mora da seguinte forma:

3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

Com base em tal entendimento, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada da seguinte forma:

- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);

- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91).

Quanto às parcelas vencidas de benefícios assistenciais, as Cortes Superiores fixaram a incidência do IPCA-E como índice de correção monetária.

Os juros de mora, por sua vez, incidentes desde a citação (súmula 204 do STJ), de forma simples (não capitalizada), devem observar os seguintes índices e períodos:

- 1% ao mês até 29/06/2009;

- a partir de 30/06/2009, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve ser observada a redação dada ao art. 3º da EC 113/2021, a qual estabelece que, nas discussões e condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.

Anote-se que é pacífico no Superior Tribunal de Justiça que a correção monetária e os juros legais, como consectários da condenação, configuram matéria de ordem pública, podendo ser tratada pelo Tribunal sem necessidade de prévia provocação da parte e não lhes sendo aplicados os óbices do julgamento "extra petita" ou da "reformatio in pejus". A propósito: AgRg no REsp 1.291.244/RJ, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 05/03/2013; AgRg no REsp 1.440.244/RS, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 10/10/2014; REsp 1781992/MG, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26/03/2019, DJe 23/04/2019; AgInt no REsp 1663981/RJ, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 14/10/2019, DJe 17/10/2019.

Custas e despesas processuais

O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (arts. 2º e 5º, I, da Lei Estadual/RS 14.634/14, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais).

Honorários de advogado

Invertido o ônus sucumbencial, os honorários de advogado devem ser suportados pelo INSS, nos percentuais mínimos de cada faixa do art. 85, §3º, do CPC sobre as parcelas vencidas até o acórdão, nos termos da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça e da Súmula 76 do Tribunal Regional Federal da Quarta Região.

Honorários recursais

Inaplicável o art. 85, §11, do CPC, em razão do provimento do recurso.

Implantação do benefício

Tendo em vista o disposto nos arts. 497 e 536 do CPC, que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, o julgado deve ser cumprido imediatamente, no prazo máximo de trinta dias úteis.

Conclusão

Em conclusão, o recurso enseja provimento para conceder o benefício assistencial ao autor nos termos da fundamentação. Determinada a implantação imediata do benefício.

Dispositivo

Em face do exposto, voto por dar provimento à apelação e por determinar a implantação do benefício.



Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003485594v36 e do código CRC 8929dee0.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Data e Hora: 28/9/2022, às 15:16:20


5004544-88.2020.4.04.7115
40003485594.V36


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:08:28.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5004544-88.2020.4.04.7115/RS

RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

APELANTE: DILCEU DOS SANTOS (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) (AUTOR)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELANTE: ESTER VITORIA OLIVEIRA OLTZ (Curador) (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. vinculação ao laudo técnico. inexistência. fato superveniente. art. 435, parágrafo único, do cpc. possibilidade de conhecimento. direito ao benefício. decorrência do contexto probatório. consectários legais. custas processuais. apelação provida.

1. São dois os requisitos para a concessão do benefício assistencial: condição de pessoa com deficiência/impedimento de longo prazo ou idosa (65 anos ou mais); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, de hipossuficiência econômica ou de desamparo).

2. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo técnico, nos termos do art. 479 do CPC, podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligido aos autos.

3. O art. 435, parágrafo único, do CPC possibilita a juntada ao processo, mesmo em sede recursal, de documento que se tornou conhecido, acessível ou disponível após a sentença, viabilizando o conhecimento como prova após observado o princípio do contraditório.

4. Demonstrado no conjunto probatório o preenchimento dos requisitos, faz jus o autor à concessão de benefício assistencial desde a entrada do requerimento cujo quadro fático-jurídico restou examinado na demanda e, em especial, na avaliação socioeconômica.

5. De acordo com julgamento pelo STF do tema 810 da repercussão geral (RE 870947) e pelo STJ do tema 905 dos recursos repetitivos (REsp 1495146), sobre as parcelas vencidas de benefícios assistenciais incidirão o IPCA-E como índice de correção monetária e juros de mora a contar da citação (Súmula 204 do STJ), na taxa de 1% (um por cento) ao mês até 29/06/2009 e, a partir de 30/06/2009, computados uma única vez (sem capitalização), de acordo os índices oficiais de remuneração das cadernetas de poupança.

6. O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (arts. 2º e 5º, inciso I, da Lei Estadual/RS nº 14.634/2014, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais).

7. Apelação provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de setembro de 2022.



Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003485595v7 e do código CRC 46f9104c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Data e Hora: 28/9/2022, às 15:16:20


5004544-88.2020.4.04.7115
40003485595 .V7


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:08:28.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/09/2022 A 27/09/2022

Apelação Cível Nº 5004544-88.2020.4.04.7115/RS

RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PROCURADOR(A): FABIO NESI VENZON

APELANTE: DILCEU DOS SANTOS (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) (AUTOR)

ADVOGADO: JEAN CARLO PINHEIRO ZAGONEL (OAB RS112428)

ADVOGADO: JOHN CARLOS SIPPERT (OAB RS079795)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELANTE: ESTER VITORIA OLIVEIRA OLTZ (Curador) (AUTOR)

ADVOGADO: JEAN CARLO PINHEIRO ZAGONEL (OAB RS112428)

ADVOGADO: JOHN CARLOS SIPPERT (OAB RS079795)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/09/2022, às 00:00, a 27/09/2022, às 16:00, na sequência 164, disponibilizada no DE de 08/09/2022.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:08:28.

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