
Apelação Cível Nº 5054015-89.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: ANA MARISA SARAIVA ROCHA (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
REPRESENTANTE LEGAL DO APELANTE: MONIQUE ROCHA DIAS (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
ANA MARISA SARAIVA ROCHA propôs ação de procedimento comum contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, postulando o restabelecimento do benefício auxílio-doença cessado em 31/08/2004.
Sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido formulado na inicial (
) .Apelou a parte autora alegando cerceamento de defesa em razão do indeferimento do pedido de designação de audiência de Instrução e Julgamento. No mérito, requereu a reforma da sentença a fim de restabelecer o benefício por incapacidade a contar da data da sua cessação (NB nº 31/123.436.498-8) com a transformação em aposentadoria por invalidez, a partir de 07/03/2008, data do início do benefício assistencial que percebe.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relato.
VOTO
Admissibilidade
Recurso adequado e tempestivo.
Cerceamento de Defesa
A apelante alega cerceamento de defesa em razão do indeferimento da prova testemunhal para demonstrar a incorreção da conclusão pericial.
O art. 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil [Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.] faculta ao Juiz da causa determinar a produção de provas tão somente nos casos em que entender necessária à complementação da instrução do processo.
A jurisprudência está cristalizada há muito tempo no sentido de que, sendo o Juiz o destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir sobre a necessidade ou não da sua realização. Em prevalecendo o princípio da verdade real, o arcabouço probatório deve possibilitar ao Magistrado a formação do seu convencimento acerca da lide proposta. Deste modo, a ele é dada a faculdade de determinar as diligências necessárias para dissipar as dúvidas que porventura persistam. O princípio inquisitório, ainda que adotado supletivamente no nosso sistema processual - visto que a regra é que as partes produzam as provas, segundo o princípio dispositivo - denuncia que o juiz tem liberdade para definir as provas que entender necessárias ao deslinde da lide.
A incapacidade laboral em regra é comprovada por meio de exame médico pericial e o julgador firma sua convicção com base no laudo técnico. Embora o julgador não esteja adstrito à prova pericial, são necessários robustos elementos técnicos para afastar a conclusão do perito.
Porém, a prova testemunhal não constitui meio idôneo para fins de afastamento da prova técnica, conforme se infere do art. 443, incisos I e II, do CPC.
Desta forma, afasto a preliminar arguida.
Benefícios por incapacidade laboral
A concessão de benefícios por incapacidade laboral está prevista nos artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91, verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Os benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença foram tratados pela Emenda Constitucional n.º 103/2019, que instituiu a Reforma da Previdência, como aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio por incapacidade temporária, respectivamente. A nova nomenclatura já foi inserida nos artigos 43 e 71 do Regulamento da Previdência Social (Decreto n.º 3.048/99), com a redação dada pelo Decreto n.º 10.410/00.
Da leitura dos artigos acima transcritos, infere-se que são requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: i) qualidade de segurado do requerente; ii) cumprimento da carência de 12 contribuições, quando necessária; iii) incapacidade permanente e insuscetível de reabilitação profissional para o exercício de qualquer atividade laboral (aposentadoria); ou iv) incapacidade para o exercício da atividade exercida (auxílio).
Assim, para fazer jus ao benefício de auxílio-doença basta que o segurado esteja incapacitado para o exercício da sua atividade laboral, ou seja, a incapacidade pode ser total ou parcial, temporária ou permanente. Já a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez pressupõe incapacidade total e permanente para o exercício de qualquer atividade laboral.
Saliente-se que a doença pré-existente à filiação ao Regime Geral de Previdência não ensejará a percepção dos benefícios, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença.
Importa ressaltar que os benefícios de incapacidade são fungíveis, sendo facultado ao julgador (e, diga-se, à Administração), conforme a espécie de incapacidade constatada, conceder um deles, ainda que o pedido tenha sido limitado ao outro. Dessa forma, o deferimento do amparo nesses moldes não configura julgamento ultra ou extra petita.
Acresça, ainda, que o caráter da incapacidade, a privar o segurado do exercício de todo e qualquer trabalho, deve ser avaliado conforme as circunstâncias do caso concreto, uma vez que não se pode olvidar que existem fatores que influenciam na possibilidade de reabilitação do segurado para atividade diversa da exercida, v.g., faixa etária, grau de escolaridade, qualificação profissional.
Qualidade de segurado
A qualidade de segurado é adquirida pela filiação, compulsória ou facultativa, a um regime de Previdência Social. Os arts. 11 e 13 da Lei 8.213/91 relacionam as pessoas físicas beneficiárias do Regime Geral de Previdência Social.
O art. 15 da Lei nº 8.213/91 prevê o denominado "período de graça", que permite a prorrogação da qualidade de segurado independentemente de contribuições, in verbis:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício, exceto do auxílio-acidente; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
Assim, o cerne da questão está em saber se a autora estaria incapaz para suas atividades habituais em 16/01/2008, data em que perdeu a qualidade de segurada.
A propósito, menciono excerto da sentença apelada:
A autora conforme artigo 15, inciso II da Lei 8.213/91 manteve a qualidade de segurada até 30/11/2006, considerando-se a data do término do auxílio-doença NB 506891287-1. (...)
Já quanto à hipótese do parágrafo 2º, que permite a prorrogação do período de graça por mais doze meses, o qual exige prova da condição de desemprego com registro no Ministério do Trabalho e Emprego, é plausível concluir que a autora esteve desempregada de forma involuntária no lapso que permeia a data da cessação do benefício de auxílio-doença 506891287-1 em 30/11/2005 e o início da incapacidade permanente em 07/03/2008 (data fixada pelo laudo do evento 33). Tal conclusão se toma por base o atestado médico referido pelo perito no laudo complementar do evento 70, o qual dá conta de que havia na ocasião remissão da doença. É crível entender que em situações como a da autora, acometida de doença psiquiátrica severa, tenha dificuldades de se recolocar no mercado de trabalho ainda que todo o esforço possível tenha sido feito.
Desta forma o período de graça estaria prorrogado até a data de 16/01/2008, considerando-se o disposto no art. 15, II e §2º, da Lei nº 8.213/91 c/c §4º do mesmo dispositivo legal.
A DII fixada no laudo pericial foi 07/03/2008, data do início do benefício assistencial que recebe (
).Assim, tendo a incapacidade sido fixada em 07/03/2008 não há que se cogitar do restabelecimento do benefício cessado em 2005. Da mesma forma, a transformação do benefício assistencial em aposentadoria por invalidez encontra óbice na ausência de qualidade de segurada da parte autora, à época da concessão do benefício assistencial.
Saliente-se, por oportuno, que embora a incapacidade que originou a concessão do benefício assistencial seja a mesma que ensejou o benefício de auxílio-doença cessado em 2005, o perito informou que conforme atestado de 12/01/2007 a autora estava em remissão da sintomatologia do Transtorno Afetivo Bipolar, indicado pelo CID 10 F31.7 (
)Assim, na ausência de elementos que apontem em sentido contrário ao laudo pericial, a conclusão técnica deve prevalecer.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PROVA PERICIAL. INCAPACIDADE NÃO COMPROVADA. BENEFÍCIO INDEVIDO. 1. Dentre os elementos necessários à comprovação da incapacidade, com vistas à concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, a prova pericial, embora não tenha valor absoluto, exerce importante influência na formação do convencimento do julgador. Afastá-la, fundamentadamente, seja para deferir, seja para indeferir o benefício previdenciário, exige que as partes tenham produzido provas consistentes que apontem, de forma precisa, para convicção diversa da alcançada pelo expert. 2. Tendo o laudo médico oficial concluído pela inexistência de incapacidade para o exercício de atividades laborais habituais, e não havendo prova substancial em contrário, não há direito ao auxílio-doença ou à aposentadoria por invalidez. (TRF4, AC 5002564-31.2019.4.04.7119, SEXTA TURMA, Relator JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA, juntado aos autos em 25/08/2022)
Honorários Recursais
Vencida a parte tanto em primeira como em segunda instância, sujeita-se ao acréscimo de honorários de advogado de sucumbência recursais de que trata o § 11 do art. 85 do CPC. Majora-se o saldo final dos honorários sucumbenciais que se apurar aplicando os critérios fixados pelo Juízo de origem, para a ele acrescer vinte por cento.
Caso o valor da condenação/atualizado da causa apurado em liquidação do julgado venha a superar o valor de 200 salários mínimos previsto no § 3º, inciso I, do artigo 85 do CPC/2015, o excedente deverá observar o percentual mínimo da faixa subsequente, assim sucessivamente, na forma do §§ 4º, inciso III e 5º do referido dispositivo legal.
Fica suspensa a exigibilidade em relação à parte autora enquanto perdurarem os requisitos ensejadores do benefício da gratuidade
Custas Processuais
Suspensa a exigibilidade das custas devidas pela parte autora em razão do benefício da assistência judiciária gratuita.
Conclusão
A sentença deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos.
Dispositivo
Em face do exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003464666v43 e do código CRC f412d64c.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5054015-89.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: ANA MARISA SARAIVA ROCHA (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
REPRESENTANTE LEGAL DO APELANTE: MONIQUE ROCHA DIAS (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. Laudo pericial. ausência de elementos técnicos capazes de infirmar a conclusão do perito. prova testemunhal que não se presta a demostração de fatos eminentemente técnicos.
A incapacidade laboral em regra é comprovada por meio de exame médico pericial e o julgador firma sua convicção com base no laudo técnico. Embora o julgador não esteja adstrito à prova pericial, são necessários robustos elementos técnicos para afastar a conclusão do perito.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de setembro de 2022.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003464667v5 e do código CRC 0354eba1.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/09/2022 A 27/09/2022
Apelação Cível Nº 5054015-89.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): FABIO NESI VENZON
APELANTE: ANA MARISA SARAIVA ROCHA (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
ADVOGADO: LEONITA MACHRI (OAB RS024679)
ADVOGADO: DIEGO CHAGAS BAPTISTA (OAB RS065615)
REPRESENTANTE LEGAL DO APELANTE: MONIQUE ROCHA DIAS (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
ADVOGADO: DIEGO CHAGAS BAPTISTA (OAB RS065615)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/09/2022, às 00:00, a 27/09/2022, às 16:00, na sequência 250, disponibilizada no DE de 08/09/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:08:40.