
Apelação Cível Nº 5032355-72.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: SADI HARDI WINGERT
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Sadi Hardi Wingert e o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS interpuseram recursos de apelação contra sentença, proferida em 17/08/2015, modificada na via dos embargos de declaração e que julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos:
Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por SADI HARDI WINGERT contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, extinguindo o feito, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil, ao efeito de DETERMINAR ao INSS que RECONHEÇA e COMPUTE como especiais os períodos de 29/05/1998 a 17/04/2001. Diante da sucumbência recíproca, arcarão as partes, de forma igualitária, com o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 600,00, forte no art. 20, §§ 3° e 4°, do CPC, vedada a compensação de honorários, pois entendo que é verba do procurador, restando suspensa a exigibilidade quanto ao requerente, face ao beneficio da AJG previamente deferido. Fica isento o requerido do pagamento das custas processuais, forte no artigo 11 da Lei 8.121/85, já com a redação da Lei 13.471/10, que determina a isenção de custas, despesas judiciais e emolumentos a todas as Pessoas Jurídicas de Direito Público.
Em sua apelação, a parte autora defendeu a concessão de aposentadoria especial, mediante o reconhecimento da especialidade do trabalho prestado também no período de 18/04/2001 a 27/05/2004. Requereu a conversão do tempo comum em especial, sustentando que o tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que foi efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Entende, assim, que a vedação instituída pela Lei nº 9.032/1995 não alcança os períodos anteriores à sua vigência. Arguiu a inconstitucionalidade do art. 57, §8º, da Lei 8.213/91, como condição para concessão de aposentadoria especial ou início dos efeitos financeiros. Requereu a condenação do INSS ao pagamento dos honorários advocatícios.
O INSS, em suas razões de apelação, sustentou, preliminarmente, a existência de coisa julgada. No mérito, busca afastar a especialidade do tempo reconhecido em sentença (29/05/1998 a 17/04/2001), aduzindo a ausência de documento hábil para comprovar a alegada exposição habitual e permanente a agentes nocivos. Argumentou que o autor esteve exposto a ruído inferior ao limite de tolerância então vigente. Pontuou que a insalubridade decorrente do contato com agentes químicos deve ser quantitativa, sendo necessário demonstrar que a exposição ultrapassa os limites da tolerância. Postulou a compensação dos honorários advocatícios.
Apresentadas contrarrazões pela parte autora.
Vieram os autos a este Tribunal Regional Federal da 4a. Região.
VOTO
Remessa oficial
Trata-se de sentença publicada sob a égide do CPC/1973, de modo que a admissibilidade da remessa oficial deve ser examinada à luz das normas aí previstas.
O reexame necessário incide nas hipóteses do art. 475 do CPC de 1973, mas há exceção quando a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos (§ 2º do art. 475 do CPC de 1973). Para os casos de sentença ilíquida, como o presente, a jurisprudência uniformizada do Superior Tribunal de Justiça orienta pela incidência do reexame necessário:
Súmula n° 490. A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
Assim, deve ser considerada interposta a remessa necessária.
Coisa julgada
Há coisa julgada, segundo dispõe o art. 301, §3º, do Código de Processo Civil, quando se repete ação que já foi decidida por sentença transitada em julgado. O mesmo dispositivo legal define a identidade de ações (art. 301, §2º): uma ação é idêntica à outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Por sua vez, o conceito de coisa julgada material é dado pelo art. 467 do CPC: Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.
A causa de pedir compõe-se dos fatos constitutivos do direito alegado (causa remota) e da fundamentação jurídica, em que o autor demonstra a incidência da hipótese abstratamente prevista em norma legal sobre os fatos concretos (causa próxima). A causa de pedir não se reduz à relação jurídica de direito material deduzida em juízo, pois é a ocorrência do fato que faz incidir a regra jurídica e irradia os efeitos jurídicos. Então, mesmo que a causa de pedir próxima seja semelhante, se a causa de pedir remota é diversa, não se trata da mesma ação.
No caso sob exame, a parte autora, na ação nº 2004.71.08.013036-5, que tramitou no Juizado Especial Federal de Novo Hamburgo/RS, postulou (1) o cômputo do tempo de serviço rural no período de 10/06/1973 a 31/03/1978, (2) o reconhecimento de atividade especial exercida nos intervalos de 03/04/1978 a 04/06/1987, 26/10/1987 a 29/09/1989 e 01/06/1989 a 17/04/2001, bem como (3) a conversão do tempo especial em comum e (4) a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo (27/05/2004) (Ev. 5, ANEXOSPET4, p. 36/44).
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, reconhecendo a especialidade dos períodos de 03/04/1978 a 04/06/1987 e 01/06/1989 a 17/04/2001, convertendo-os em comum, e determinar a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição (Ev. 5, ANEXOSPET4, p. 45/58).
Porém, a 1ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul deu parcial provimento ao recurso do INSS para decidir pela impossibildiade da conversão do tempo especial em comum após 28/05/1998. A demanda transitou em julgado em 04/06/2008.
Nesta ação, o autor pretende a concessão de aposentadoria especial, desde a data de entrada de requerimento administrativo, em 27 de maio de 2004, mediante o cômputo dos períodos de 28/05/1998 a 17/04/2001 e 18/04/2001 a 27/05/2004.
O exame dos elementos constitutivos da ação anteriormente ajuizada e desta demanda demonstra que não há identidade de pedido e causa de pedir. Com efeito, a impossibilidade de conversão do tempo especial em comum, a partir de 28 de maio de 1998, decidido na ação precedente, não inviabiliza o cômputo do intervalo posterior a esta data para o fim de que seja concedida aposentadoria especial.
Note-se que a decisão proferida na ação nº 2004.71.08.013036-5 reconheceu a especialidade do período de 29/05/1998 a 17/04/2001, tendo julgando, no entanto, inviável, apenas, a conversão do tempo especial em comum posterior a 28 de maio de 1998.
Portanto, diante da inexistência de identidade entre as ações ajuizadas pelo autor, não há coisa julgada.
Ausência de interesse de agir
O interesse de agir afigura-se como uma das condições da ação e a sua ausência enseja o indeferimento da inicial com a consequente extinção do feito sem resolução do mérito, a teor do que dispõem os artigos 267, inciso VI, e 295, inciso III, todos do Código de Processo Civil.
O autor postula a averbação do período de 29/05/1998 a 17/04/2001, reconhecido como especial na ação nº 2004.71.08.013036-5.
Contudo, considerando que a parte autora é titular de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 42/146.126.891-2) e que, conforme já visto, ficou decidido na ação nº 2004.71.08.013036-5, transitada em julgado, a inviabilidade da conversão do tempo especial em comum, a partir de 28 de maio de 1998, não se revela possível a averbação requerida. Isso porque esta pretensão constitui o objeto daquela ação e, em face da improcedência do pedido de conversão, ela se apresenta inexequível.
Portanto, o processo dever ser extinto, sem resolução de mérito, quanto ao pedido de averbação do tempo especial já reconhecido posterior a 28 de maio de 1998.
Tempo de atividade especial
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente na época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, havendo a prestação laboral sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem do tempo de serviço especial na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24-09-2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18-11-2009).
A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:
a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social), em sua redação original (artigos 57 e 58), a especialidade do tempo de serviço decorria do exercício de atividade profissional prevista como especial nos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 e/ou na legislação especial. As normas regulamentares classificavam as atividades de duas formas: segundo os grupos profissionais, presumindo-se a sujeição do trabalhador a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; e segundo os agentes nocivos, caso em que deve ser demonstrada a exposição ao agente por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar o grau de nocividade dos agentes envolvidos;
b) entre 29 de abril de 1995 a 05 de março de 1997, período em que estavam vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/1995 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13 de outubro de 1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523/1996, que a revogou expressamente;
c) a partir de 06 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528/1997), passou a ser exigida, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, ou por meio de perícia técnica.
Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, §3º, da Lei n° 8.213/91), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.
Além disso, conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade. Não é razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).
A respeito da utilização de equipamento de proteção individual (EPI), a partir de 03/12/1998, data da publicação da MP nº 1.729, convertida na Lei nº 9.732, que modificou a redação dos §§ 1º e 2º do art. 58 da Lei nº 8.213/1991, a legislação previdenciária estabelece que a existência de tecnologia de proteção individual eficaz, que comprovadamente neutralize os agentes nocivos ou diminua a sua intensidade a limites de tolerância, afasta o efetivo prejuízo à saúde ou integridade física do trabalhador, razão pela qual a atividade não pode ser qualificada como especial.
O Supremo Tribunal Federal, em julgado com repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não há direito à aposentadoria especial. Contudo, havendo demonstração de que o uso do EPI, no caso concreto, não é suficiente para afastar a nocividade, deve ser reconhecida a especialidade do trabalho. Em relação ao ruído, o STF considerou que a exposição a níveis superiores aos limites de tolerância causa prejuízos ao organismo humano que vão além dos relacionados à perda das funções auditivas. Assim, a utilização do EPI não garante a eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído, pois existem fatores de difícil ou impossível controle que influenciam a sua efetividade. Esta é a redação da tese firmada no Tema nº 555:
I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. (ARE 664335, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)
Uma vez que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador a prestação de trabalho em condições especiais, regida pela legislação em vigor na época do exercício da atividade, é possível a conversão do tempo especial para comum, independente da data da prestação do trabalho ou do requerimento de benefício. A respeito, cabe registrar que, embora o art. 28 da MP nº 1.663-10 tenha revogado o § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213/1991, a lei de conversão (Lei nº 9.711/1998) não manteve o dispositivo, permanecendo a possibilidade de soma do tempo de serviço especial, após a respectiva conversão, ao tempo de atividade comum, para a concessão de qualquer benefício.
A atual redação do artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999 estabelece que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Contudo, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação vigente na data da concessão do benefício, e não aquele em vigor quando o serviço foi prestado. A matéria foi decidida em recurso especial repetitivo, firmando-se a seguinte tese no Tema nº 546 do STJ: 'A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço'(REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24-10-2012, DJe 19-12-2012).
De acordo com o art. 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.827/2003, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).
Ruído
Como visto, em se tratando do agente nocivo ruído, o reconhecimento da especialidade do labor exige, em qualquer período, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. Ou seja, não basta, aqui, mesmo no período anterior a 28/04/1995, o enquadramento por categoria profissional, sendo exigida prova da exposição ao agente nocivo.
Em relação ao agente nocivo ruído, consideram-se os níveis de pressão sonora estabelecidos na legislação em vigor na data da prestação do trabalho, conforme o quadro a seguir:
Período trabalhado | Enquadramento | Limites de tolerância |
até 05/03/1997 | 1. Decreto nº 53.831/1964; 2. Decreto nº 83.080/1979. | 1. Superior a 80 dB; 2. Superior a 90 dB. |
de 06/03/1997 a 06/05/1999 | Decreto nº 2.172/1997. | Superior a 90 dB. |
de 07/05/1999 a 18/11/2003 | Decreto nº 3.048/1999, na redação original. | Superior a 90 dB. |
a partir de 19/11/2003 | Decreto nº 3.048/1999 com alteração introduzida pelo Decreto nº 4.882/2003. | Superior a 85 dB. |
Cabe esclarecer que os Decretos nº 53.831/1964 e 83.080/1979 tiveram vigência concomitante até a edição do Decreto nº 2.172/1997, que revogou de forma expressa o fundamento de validade da legislação então vigente. Dessa forma, até 05/03/1997, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsão mais benéfica do Decreto n° 53.831/64.
O Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o limite de tolerância ao agente físico ruído para 85 decibéis, não pode ser aplicado retroativamente. Dessa forma, entre 06 de março de 1997 e 18 de novembro de 2003, o limite de tolerância ao ruído corresponde a 90 decibéis, consoante o código 2.0.1 do Anexo IV dos Decretos n° 2.172/1997 e 3.048/1999. O Superior Tribunal de Justiça examinou a matéria em recurso especial repetitivo e fixou a seguinte tese:
Tema nº 694: O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). (REsp 1.398.260/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 05/12/2014)
Cumpre perquirir, também, sobre a possibilidade de o uso de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz afastar a nocividade provocada pelo ruído, descaracterizando, assim, a especialidade desse tempo de serviço.
Primeiramente, note-se que a utilização de equipamentos de proteção individual só passou a ter relevância, para fins de reconhecimento das atividades exercidas em condições especiais, a partir da MP nº 1.729/98, convertida na Lei nº 9.732/98, que alterou o § 2º do artigo 58 da Lei 8.213/91, determinando que o laudo técnico contenha informação sobre a existência de tecnologia de proteção individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. Trata-se, aliás, de entendimento sedimentado pelo próprio INSS na esfera administrativa (IN nº 45/2010, art. 238, § 6º).
No período posterior à MP nº 1.729/98, embora esteja assentada a relevância do uso do EPI para reconhecimento da especialidade do labor, cumpre observar que, em relação ao agente nocivo ruído, o uso de EPI se revela, de per si, ineficaz para neutralizar os danos causados ao organismo humano. Com efeito, consoante já identificado pela medicina do trabalho, a exposição a níveis elevados de ruído não causa danos apenas à audição, de sorte que protetores auriculares não são capazes de neutralizar os riscos à saúde do trabalhador. Os ruídos ambientais não são absorvidos apenas pelos ouvidos e suas estruturas condutivas, mas também pela estrutura óssea da cabeça, sendo que o protetor auricular reduz apenas a transmissão aérea e não a óssea, daí que a exposição, durante grande parte do tempo de serviço do segurado produz efeitos nocivos a longo prazo, como zumbidos e distúrbios do sono.
Por essa razão, o STF, no julgamento do ARE nº 664335 (tema reconhecido com repercussão geral sob o número 555), assentou a tese segundo a qual, 'na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria.'
Não destoa desse entendimento a jurisprudência sedimentada por esta Corte Regional, senão vejamos:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE URBANA. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Comprovado o tempo de serviço urbano, por meio de prova material idônea, devem os períodos urbanos ser averbados previdenciariamente. 2. O registro constante na CTPS goza da presunção de veracidade juris tantum, devendo a prova em contrário ser inequívoca, constituindo, desse modo, prova plena do serviço prestado nos períodos ali anotados. 3. Apresentada a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho deve ser reconhecido o respectivo tempo de serviço. 4. A exposição habitual e permanente a níveis de ruído acima dos limites de tolerância estabelecidos na legislação pertinente à matéria sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI ou de menção, em laudo pericial, à neutralização de seus efeitos nocivos. 5. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes, por si só, para descaracterizar a especialidade da atividade desempenhada pelo segurado, devendo cada caso ser apreciado em suas particularidades. Possível afastar o enquadramento da atividade especial somente quando comprovada a efetiva utilização de equipamentos de proteção individual que elidam a insalubridade. 6. Se o segurado implementar os requisitos para a obtenção de aposentadoria pelas regras anteriores à Emenda Constitucional n.º 20/98, pelas Regras de Transição e/ou pelas Regras Permanentes, poderá inativar-se pela opção que lhe for mais vantajosa. 7. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, AC 5007203-21.2016.404.7209, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 20/09/2017)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. CATEGORIA PROFISSIONAL. PINTORES DE PISTOLA. AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. AGENTES QUÍMICOS - QUANTIDADE DE EXPOSIÇÃO. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA NA EXPOSIÇÃO AOS AGENTES NOCIVOS. PERÍCIA EM DATA POSTERIOR AO LABOR. EPI. FONTE DE CUSTEIO. REQUISITOS IMPLEMENTADOS - DIREITO À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. TERMO INICIAL. EXIGÊNCIA DE AFASTAMENTO DA ATIVIDADE. ART. 57, §8º, DA LEI N. 8.213/91. INCONSTITUCIONALIDADE.CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.CUSTAS. 1. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. 2. (...) 10. Não havendo provas consistentes de que o uso de EPIs neutralizava os efeitos dos agentes nocivos a que foi exposto o segurado durante o período laboral, deve-se enquadrar a respectiva atividade como especial. Em se tratando de ruído nem mesmo a comprovação de que a utilização de protetores reduzia a intensidade do som a níveis inferiores aos máximos deve afastar o reconhecimento da especialidade da atividade, pois já comprovado que a exposição por períodos prolongados produz danos em decorrência das vibrações transmitidas, que não são eliminadas pelo uso do equipamento de proteção. 11. (...) (TRF4, AC 0015614-47.2015.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 22/09/2017)
Sob essas premissas, portanto, é que deve ser avaliada a especialidade decorrente da exposição a ruído.
Hidrocarbonetos e óleos minerais
Os tóxicos orgânicos, especialmente os hidrocarbonetos, constituem agente químico nocivo elencado no Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/1964 (código 1.2.11 - tóxicos orgânicos), no Anexo I do Decreto nº 83.080/1979 (código 1.2.10 -- hidrocarboneto e outros compostos de carbono), no Anexo IV do Decreto nº 2.172/1997 e no Anexo IV do Decreto nº 3.048/99 (códigos 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.19 - benzeno e seus compostos tóxicos; carvão mineral e seus derivados; outras substâncias químicos, arroladas em extenso rol).
Os hidrocarbonetos abrangem, em verdade, uma multiplicidade de substâncias químicas. Daí por que o fato de o decreto regulamentar não mencionar a expressão 'hidrocarbonetos' não significa que não tenha encampado, como agentes nocivos, diversos agentes químicos que podem ser assim qualificados. Cuida-se, precisamente, do que sucedeu nos Decretos nº 2.172/1997 e nº 3.048/99.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. FUNILEIRO. MECÂNICO. RUÍDO. HIDROCARBONETOS. TUTELA ESPECÍFICA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. Apresentada a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, deve ser reconhecido o respectivo tempo de serviço. 2. O ruído permite enquadramento no Decreto nº 53.831, de 25-03-1964, no Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24-01-1979, no Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05-03-1997, e no Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 06-05-1999, alterado pelo Decreto nº 4.882, de 18-11-2003. 3. A exposição a hidrocarbonetos permite enquadramento no Decreto nº 53.831/64, em seu Quadro Anexo, item 1.2.11; no Decreto nº 72.771/73, em seu Anexo I, item 1.2.10; no Decreto nº 83.080/79, Anexo I, item 1.2.10 e no Decreto n. 3.048/99, itens 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.19 do Anexo IV. 4. Em se tratando de agente químico, a avaliação deve ser qualitativa, mostrando-se desnecessário apontar no laudo a sua quantidade. 5. Possível afastar o enquadramento da atividade especial somente quando comprovada a efetiva utilização de equipamentos de proteção individual que elidam a insalubridade. 6. Resta assegurada à parte autora a possibilidade de continuar exercendo atividades laborais sujeitas a condições nocivas após a implantação do benefício de aposentadoria especial, pois é inconstitucional o § 8º do artigo 57 da Lei de Benefícios. Precedentes. 7. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). 8. A forma de cálculo dos consectários legais resta diferida para a fase de execução do julgado. (TRF4 5024652-61.2016.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA, juntado aos autos em 11/07/2017)
De qualquer sorte, ainda que os hidrocarbonetos não estivessem arrolados nos apontados atos infralegais, não haveria óbice ao reconhecimento de sua nocividade. Isso porque, consoante entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso representativo de controvérsia, 'as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991)' (REsp 1306113/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013).
Desse modo, constatando-se, concretamente, a insalubridade de determinada atividade, é imperioso o reconhecimento da sua especialidade, ainda que o agente nocivo não esteja elencado no respectivo ato regulamentar. Nesse sentido, aliás, já dispunha a Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos: 'Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento.'
Também por essa perspectiva, portanto, a exposição a hidrocarbonetos autorizaria o reconhecimento da especialidade da atividade, desde que contatada, concretamente, a sua nocividade. Os danos provocados à saúde por esses agentes químicos são, aliás, bastante conhecidos. Com efeito, 'o contato com esses agentes (graxas, óleos minerais, hidrocarbonetos aromáticos, combustíveis, solventes, inseticidas, etc.) é responsável por frequentes dermatoses profissionais, com potencialidade de ocasionar afecções inflamatórias e até câncer cutâneo em número significativo de pessoas expostas, em razão da ação irritante da pele, com atuação paulatina e cumulativa, bem como irritação e dano nas vias respiratórias quando inalados e até efeitos neurológicos, quando absorvidos e distribuídos através da circulação do sangue no organismo. Isto para não mencionar problemas hepáticos, pulmonares e renais' (TRF4, APELREEX 0002033-15.2009.404.7108, Sexta Turma, Relator Celso Kipper, D.E. 12/07/2011). Justifica-se, portanto, a especialidade da atividade.
A corroborar o exposto, veja-se, ainda, julgado desta Turma:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. EXAME LAUDO DA EMPRESA. REGISTRO DE AGENTES QUÍMICOS. ESPECIALIDADE. . Constatada omissão quanto à análise da especialidade do labor do autor em face do laudo técnico que registra trabalho exposto a agentes químicos, impõe-se a correção da irregularidade, examinando-se a matéria. . No Quadro Anexo do Decreto nº 53.831, de 25-03-1964, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24-01-1979, e o Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05-03-1997, constam como insalubres as atividades expostas a poeiras, gases, vapores, neblinas e fumos de derivados do carbono nas operações executadas com derivados tóxicos do carbono, em que o segurado ficava sujeito habitual e permanentemente (Códigos 1.2.11, 1.2.10; 1.0.3, 1.017 e 1.0.19). . Apesar de não haver previsão específica de especialidade pela exposição a hidrocarbonetos em decreto regulamentador, há o enquadramento de atividade especial, pois a sua manipulação de modo habitual e permanente já é suficiente para o reconhecimento da atividade exposta ao referido agente nocivo, sem necessidade de avaliação quantitativa (Precedentes desta Corte). . Embargos providos para, reconhecida a especialidade nos períodos de 01/09/1988 a 10/09/1992, 01/02/1993 a 21/04/2002 e 03/02/2003 a 22/10/2003, em face de agentes químicos, reconhecer o direito à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição a partir da primeira DER, em 24/07/2006. (TRF4 5018797-83.2012.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 28/06/2018)
A avaliação quantitativa é desnecessária para os agentes nocivos previstos nos Anexos nº 6, 13, 13-A e 14 da Norma Regulamentadora - NR 15, aprovada pela Portaria nº 3.214/1978 do Ministério do Trabalho e Emprego, conforme dispõe o art. 157, §1º, inciso I, da Instrução Normativa INSS/DC nº 118/2005. Os tóxicos orgânicos, especialmente os hidrocarbonetos, constituem agente químico nocivo, constante no Anexo 13 da NR-15, no código 1.2.11 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/1964, no código 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/1979 e no código 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/1997 e do Decreto nº 3.048/1999.
Em relação ao equipamento de proteção individual, a possibilidade de mitigação da nocividade dos agentes agressivos à saúde é relevante a partir da vigência da Lei nº 9.732/1998.
A declaração do empregador sobre a eficácia do EPI não tem o condão de afastar o reconhecimento da especialidade com base no agente nocivo ruído, conforme a tese firmada no Tema nº 555 do STF. É irrelevante o fato de a empresa deixar de recolher a contribuição adicional prevista no § 6º do art. 57 da Lei nº 8.213/1991, em razão da utilização de EPI, pois o direito ao benefício, no caso de segurado empregado, não depende da comprovação do recolhimento da contribuição previdenciária.
Conversão do tempo comum em especial
Diante do entendimento confirmado pelo STJ no âmbito do EDcl no REsp 1.310.034/PR, julgado em 26/11/2014, em sede de recurso representativo de controvérsia, não é possível a conversão em especial, pelo fator 0,71, dos períodos comuns. Isso porque a Lei nº 9.032/95 extinguiu a possibilidade de conversão do tempo comum em especial, de modo que a aposentadoria especial ficou reservada ao segurado que efetivamente exerce todo o tempo de atividade exigido (15, 20 ou 25 anos) em condições especiais, sem possibilidade de aproveitamento de períodos comuns convertidos. Ressalva-se, apenas, a hipótese do segurado que já houvesse preenchido, quando do advento da Lei nº 9.032/95, os requisitos para a concessão do benefício.
Cuida-se, no particular, de precedente de observância obrigatória pelos tribunais (art. 927, III, CPC), o que dispensa, inclusive, maiores digressões sobre o tema. Anote-se, de qualquer sorte, que a tese do direito adquirido, invocada pelo recorrente, foi repelida pela Corte Superior, que apenas reconhece a existência de direito adquirido à conversão quando os requisitos para a aposentadoria foram preenchidos antes da Lei nº 9.032/95 -- o que, a toda evidência, não constitui a hipótese dos autos.
Ademais, não foi demonstrado que o caso presente se distinguiria daquele submetido à apreciação do STJ, de modo que devem ser observados os fundamentos determinantes daquela decisão.
Caso concreto: atividade especial
A seguir, discriminam-se os períodos de tempo de serviço comum (ou especial) controvertidos:
Período | Ruído (db) | Limite (db) | Agente nocivo com análise qualitativa | EPI eficaz | Reconhecido em sentença |
18/04/2001 a 18/11/2003 | 84,5 | 90 | hidrocarbonetos aromáticos | não | não |
19/11/2003 a 27/05/2004 | 84,5 | 85 | hidrocarbonetos aromáticos | não | não |
Períodos: 18/04/2001 a 18/11/2003 19/11/2003 a 27/05/2004 |
Empresa: Calçados Di Cristalli Ltda. |
Função/atividades: Montador |
Agentes nocivos: Ruído e hidrocarbonetos alifáticos (tolueno, hexano, solventes orgânicos) |
Provas: PPP (Ev. 5, ANEXOSPET4, p. 13) e laudo pericial (Ev. 5, LAUDOPERIC20; LAUDOPERIC25 e LAUDOPERIC29) |
O laudo pericial realizado nos autos indica que o autor esteve exposto a ruído abaixo do limite de tolerância e a agentes químicos.
Quanto aos agentes químicos, referiu o perito que:
Portanto, caso seja considerada a neutralização da exposição ao agente hidrocarboneto aromático pelo uso de luva nitrílica o Autor não laborou em exposição a agente químicos; caso não seja considerada a neutralização da exposição ao agente hidrocarboneto aromático pelo uso de luva nitrílica o Autor laborou em exposição a agente químico no período de 18/04/2001 a 27/05/2004.
Dessa forma, não se pode reconhecer que o EPI fornecido (luva nitrílica) possua eficácia para elidir os efeitos nocivos dos elementos químicos a que esteve exposto o autor, uma vez que essas substâncias podem ser absorvidas pelas vias respiratórias.
Conclusão: ficou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no período indicado, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição a hidrocarbonetos aromáticos (tolueno, hexano, solventes orgânicos).
Portanto, em relação ao período 18/04/2001 a 27/05/2004, a parte autora esteve exposta a agentes nocivos que independem de análise quantitativa. A sentença não reconheceu a especialidade do intervalo, motivo pelo qual deve ser acolhida a apelação do autor para reconhecê-la.
Concessão de aposentadoria especial
Para fazer jus à aposentadoria especial, a parte autora deve preencher os requisitos previstos no art. 57 da Lei nº 8.213/91, quais sejam: a carência prevista no art. 142 da referida lei e o tempo de trabalho sujeito a condições prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física durante 15, 20 ou 25 anos, a depender da atividade desempenhada. Cumpre observar que, a partir da Lei nº 9.032/95, não é possível a conversão de tempo comum em especial, de modo que, para a concessão de aposentadoria especial, a atividade deve ser exercida, durante todo o período (15, 20 ou 25 anos), sob condições nocivas.
No caso dos autos, a contagem de tempos de atividade especial segue a tabela abaixo:
Nº | ATIVIDADE ESPECIAL | |||||
Data inicial | Data final | Dias | Anos | Meses | Dias | |
1 | 03/04/1978 | 04/06/1987 | 3347 | 09 | 02 | 02 |
2 | 01/06/1989 | 17/04/2001 | 4332 | 11 | 10 | 17 |
3 | 18/04/2001 | 18/11/2003 | 941 | 02 | 07 | 01 |
4 | 19/11/2003 | 27/05/2004 | 189 | 00 | 06 | 09 |
Total | 8809 | 24 | 01 | 19 |
Diante de tais considerações, verifica-se, portanto, que o autor trabalhou em condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física por menos de 25 anos, não fazendo jus à concessão de aposentadoria especial.
Tendo em vista que o autor não tem direito à aposentadoria especial, fica prejudicada a análise da inconstitucionalidade do art. 57, §8º, da Lei 8.213/91.
Conversão do tempo especial em comum
É possível a conversão do tempo especial em comum, sendo irrelevante, nesse particular, o advento da MP nº 1.663, convertida na Lei nº 9.711/1998. Isso porque, após a última reedição dessa medida provisória, a norma se tornou definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/91 - o qual autoriza a referida conversão.
Nessa linha, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial repetitivo nº 1151363, em 23/03/2011, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, pacificou o entendimento de que é possível a conversão mesmo após 28/05/1998, nos seguintes termos:
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL APÓS 1998. MP N. 1.663-14, CONVERTIDA NA LEI N. 9.711/1998 SEM REVOGAÇÃO DA REGRA DE CONVERSÃO. 1. Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/91. 2. Precedentes do STF e do STJ.
Destarte, considerando que o §5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 não foi revogado expressa ou tacitamente pela Lei nº 9.711/98 e que, por disposição constitucional (art. 15 da Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28/05/1998.
Por outro lado, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é aquele previsto na legislação vigente na data concessão do benefício - e não o contido na legislação vigente quando o serviço foi prestado. A propósito, a questão já foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial Repetitivo (REsp 1310034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24/10/2012, DJe 19/12/2012), vindo-se a editar a seguinte tese:
A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço.
Desse modo, cumpre observar as normas atualmente vigentes. Frise-se, nessa linha, que, desde o advento do Decreto nº 357/91 (art. 64) -- sucedido por diversos atos infralegais que não modificaram a regra --, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).
No caso sob análise, o reconhecimento do tempo especial em relação ao período de 18/04/2001 a 27/05/2004 - que se pretende obter na presente ação - não foi objeto e nem era necessário para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição postulado na ação nº 2010.71.54.006085-7, motivo pelo qual não foi alcançado pela eficácia preclusiva.
Dessa forma, tem direito o autor à averbação do tempo especial respectivo, que, convertido em comum (1,4), corresponde ao acréscimo de 1 ano, 2 meses e 29 dias.
Honorários advocatícios
Considerando a sucumbência mínima do INSS, compete ao autor o pagamento dos honorários advocatícios. À luz dos critérios previstos no art. 20, §§ 3º e 4º do CPC/1973 -- aplicável na hipótese, já que a sentença recorrida foi publicada sob a sua vigência --, reputa-se adequada a fixação da verba honorária em 10% sobre o valor atualizado da causa. Entretanto, a exigibilidade dessa obrigação fica suspensa por força da Gratuidade da Justiça, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC.
Tutela específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente quanto à averbação do tempo especial reconhecido, no prazo de até trinta dias úteis. Incumbe ao representante judicial do INSS que for intimado desta decisão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de extinguir o processo, sem resolução de mérito, em relação ao pedido de averbação do período de 29/05/1998 a 17/04/2001 como tempo especial; dar parcial provimento à apelação do autor, para reconhecer a especialidade do período de 18/04/2001 a 27/05/2004; negar provimento à remessa oficial e à apelação do INSS; e, de ofício, determinar a averbação imediata do tempo especial convertido em comum (18/04/2001 a 27/05/2004).
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002530773v13 e do código CRC a5d2975f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ADRIANE BATTISTI
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Apelação Cível Nº 5032355-72.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: SADI HARDI WINGERT
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. REMESSA OFICIAL. CABIMENTO. APOSENTADORIA. eficácia preclusiva da coisa julgada. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CONVERSÃO DE TEMPO COMUM PARA ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES QUÍMICOS. RUÍDO. LIMITES DE TOLERÂNCIA. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. APOSENTADORIA ESPECIAL.
1. Não há preclusão, para o fim de reconhecimento da especialidade de períodos em razão do ajuizamento de ação anterior na qual era requerido o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, acaso não tenha havido antes referência expressa quanto à natureza comum das respectivas atividades.
2. Deve ser admitida a remessa necessária quando a sentença, publicada sob a égide do CPC/1973, é contrária à Fazenda Pública e apresenta iliquidez, não se podendo afirmar que o proveito econômico do particular seja inferior ao limite de sessenta salários mínimos (art. 475, § 2º, CPC/1973).
3. A conversão do tempo de serviço comum em especial deve observar a disciplina legal vigente no momento em que se aperfeiçoaram os requisitos para a concessão do benefício (Tema nº 546 do Superior Tribunal de Justiça).
4. A Lei n° 9.032, de 28 de abril de 1995, ao alterar o art. 57, §3º, da Lei nº 8.213, não permitiu, a partir de então, a possibilidade de conversão de tempo de serviço comum em especial para o fim de concessão de aposentadoria especial.
5. A ausência de expressa referência em decreto regulamentar a hidrocarbonetos não equivale a que tenha desconsiderado, como agentes nocivos, diversos compostos químicos que podem ser assim qualificados.
6. Para os agentes nocivos químicos previstos no Anexo 13 da Norma Regulamentadora - NR 15, entre os quais os hidrocarbonetos e outros compostos tóxicos de carbono, é desnecessária a avaliação quantitativa.
7. O limite de tolerância para o agente físico ruído é de 90 (noventa) decibéis, no período entre 6 de março de 1997 e 18 de novembro de 2003 (Tema nº 694 do Superior Tribunal de Justiça).
8. A declaração prestada pelo empregador a respeito da eficácia de equipamento de proteção individual não é suficiente para afastar o reconhecimento da especialidade em razão da sujeição ao ruído.
9. Para ter direito à aposentadoria especial, a parte autora deve preencher os requisitos previstos no art. 57 da Lei nº 8.213, quais sejam: a carência prevista no art. 142 da referida lei e o tempo de trabalho sujeito a condições prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física durante 15, 20 ou 25 anos, a depender da atividade desempenhada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, extinguir o processo, sem resolução de mérito, em relação ao pedido de averbação do período de 29/05/1998 a 17/04/2001 como tempo especial; dar parcial provimento à apelação do autor, para reconhecer a especialidade do período de 18/04/2001 a 27/05/2004; negar provimento à remessa oficial e à apelação do INSS; e, de ofício, determinar a averbação imediata do tempo especial convertido em comum (18/04/2001 a 27/05/2004), nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de maio de 2021.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002530774v3 e do código CRC f223c158.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ADRIANE BATTISTI
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 11/05/2021 A 18/05/2021
Apelação Cível Nº 5032355-72.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
PRESIDENTE: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES
APELANTE: SADI HARDI WINGERT
ADVOGADO: IMILIA DE SOUZA (OAB RS036024)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/05/2021, às 00:00, a 18/05/2021, às 14:00, na sequência 359, disponibilizada no DE de 30/04/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, EXTINGUIR O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, EM RELAÇÃO AO PEDIDO DE AVERBAÇÃO DO PERÍODO DE 29/05/1998 A 17/04/2001 COMO TEMPO ESPECIAL; DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR, PARA RECONHECER A ESPECIALIDADE DO PERÍODO DE 18/04/2001 A 27/05/2004; NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E À APELAÇÃO DO INSS; E, DE OFÍCIO, DETERMINAR A AVERBAÇÃO IMEDIATA DO TEMPO ESPECIAL CONVERTIDO EM COMUM (18/04/2001 A 27/05/2004).
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 26/05/2021 04:01:39.