VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA PRIMEIRA INSTÂNCIA. PREJUÍZO EVIDENCIADO. PROCESSO ANULADO DESDE O MOMENTO EM QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO DEVERIA TER SIDO INTIMADO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUE DEFERIU A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. TRF4. 5020853-36.2014.4.04.7200

Data da publicação: 02/07/2020 00:57:04

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA PRIMEIRA INSTÂNCIA. PREJUÍZO EVIDENCIADO. PROCESSO ANULADO DESDE O MOMENTO EM QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO DEVERIA TER SIDO INTIMADO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUE DEFERIU A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA 1. A ausência de intervenção do Ministério Público em primeira instância, nas causas de intervenção obrigatória e nas quais a parte autora tenha sofrido prejuízo, acarreta a nulidade do processo desde o momento em que o Ministério Público deveria ter sido intimado. 2. Embora a redação do art. 3º do Código Civil tenha sido alterada pela Lei 13.146/2015 ("Estatuto da Pessoa com Deficiência"), para definir como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos, e o inciso I do art. 198 do Código Civil disponha que a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º, a vulnerabilidade do indivíduo portador de deficiência psíquica ou intelectual não pode jamais ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o Direito não pode fechar os olhos à falta de determinação de alguns indivíduos e tratá-los como se tivessem plena capacidade de interagir em sociedade em condições de igualdade. Assim, ao suprimir a incapacidade absoluta do portador de deficiência psíquica ou intelectual, o Estatuto contempla, da pior e mais prejudicial forma possível, o pressuposto de igualdade nele previsto, dando o mesmo tratamento para os desiguais. 3. In casu, tendo restado comprovado que a parte autora não possui discernimento para a prática dos atos da vida civil, deve ser rigorosamente protegida pelo ordenamento jurídico. 4. Sem embargo da anulação do processo, deve ser mantida a antecipação de tutela concedida em sentença, uma vez que presentes os pressupostos para a sua concessão. (TRF4, AC 5020853-36.2014.4.04.7200, QUINTA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 12/07/2016)


APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020853-36.2014.4.04.7200/SC
RELATOR
:
PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO
:
WALTER MARCELINO PIRES
:
EDINETE VANI RIBEIRO
ADVOGADO
:
Robson Argemiro Correa
:
Hélvio da Silva Muniz
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA PRIMEIRA INSTÂNCIA. PREJUÍZO EVIDENCIADO. PROCESSO ANULADO DESDE O MOMENTO EM QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO DEVERIA TER SIDO INTIMADO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUE DEFERIU A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
1. A ausência de intervenção do Ministério Público em primeira instância, nas causas de intervenção obrigatória e nas quais a parte autora tenha sofrido prejuízo, acarreta a nulidade do processo desde o momento em que o Ministério Público deveria ter sido intimado.

2. Embora a redação do art. 3º do Código Civil tenha sido alterada pela Lei 13.146/2015 ("Estatuto da Pessoa com Deficiência"), para definir como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos, e o inciso I do art. 198 do Código Civil disponha que a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º, a vulnerabilidade do indivíduo portador de deficiência psíquica ou intelectual não pode jamais ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o Direito não pode fechar os olhos à falta de determinação de alguns indivíduos e tratá-los como se tivessem plena capacidade de interagir em sociedade em condições de igualdade. Assim, ao suprimir a incapacidade absoluta do portador de deficiência psíquica ou intelectual, o Estatuto contempla, da pior e mais prejudicial forma possível, o pressuposto de igualdade nele previsto, dando o mesmo tratamento para os desiguais.
3. In casu, tendo restado comprovado que a parte autora não possui discernimento para a prática dos atos da vida civil, deve ser rigorosamente protegida pelo ordenamento jurídico.
4. Sem embargo da anulação do processo, deve ser mantida a antecipação de tutela concedida em sentença, uma vez que presentes os pressupostos para a sua concessão.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, anular, de ofício, o processo, desde o momento em que o Ministério Público deveria ter sido intimado, com determinação à Autarquia Previdenciária de que não cesse o pagamento da aposentadoria por invalidez n. 020.725.751-5, prejudicada a apelação do INSS e a remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 05 de julho de 2016.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator


Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8366096v9 e, se solicitado, do código CRC 6568166B.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Paulo Afonso Brum Vaz
Data e Hora: 11/07/2016 14:40




APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020853-36.2014.4.04.7200/SC
RELATOR
:
PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO
:
WALTER MARCELINO PIRES
:
EDINETE VANI RIBEIRO
ADVOGADO
:
Robson Argemiro Correa
:
Hélvio da Silva Muniz
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pelo INSS em face da sentença que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela e julgou parcialmente procedente o pedido de restabelecimento de benefício por incapacidade (aposentadoria por invalidez a contar de 11/06/2009).
Em suas razões recursais, o INSS postula, preliminarmente, a apreciação do agravo retido interposto contra a decisão (evento 51) que indeferiu o pedido de dilação de prazo para o réu apresentar o parecer médico de seu assistente técnico. Postula o provimento do agravo, para que os autos retornem à origem, a fim de que o perito judicial possa esclarecer as questões levantadas pela equipe médica do INSS. Suscita, outrossim, a ocorrência da decadência para o autor questionar o ato administrativo que cessou o benefício de aposentadoria por invalidez, ocorrido no ano de 1994. No mérito, admite que, atualmente, o autor é incapaz, haja vista ser titular de pensão por morte do genitor na qualidade de filho inválido. Porém, sustenta que o benefício de aposentadoria por invalidez foi cancelado, porque, em perícia médica do INSS, o autor foi considerado apto para o trabalho no ano de 1994 (evento 26, procadm2), sendo que o primeiro atestado médico declarando a incapacidade do demandante é de 05/07/1996, sendo esta a data de início da incapacidade reconhecida pelo INSS (evento 56, lau2), época, todavia, que o demandante já teria perdido a qualidade de segurado da Previdência Social. Em razão disso, pede: a) o conhecimento e provimento do agravo retido, anulando-se a sentença e remetendo o processo à origem, para análise das razões constantes do parecer médico juntado pelo INSS; b) o reconhecimento da decadência, com a consequente extinção do processo, com fulcro no art. 269, IV, do CPC/73; c) a fixação da data de início da incapacidade em 05/07/1996 e o julgamento de improcedência do pedido; d) na hipótese de manutenção da condenação, a observância dos critérios da Lei 11.960/2009 na atualização das diferenças apuradas; e e) a limitação da condenação dos honorários advocatícios a 10% sobre as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença.
No evento 80 (infben2), o INSS comprovou o cumprimento da decisão que antecipou a tutela, com a implantação da aposentadoria por invalidez em favor do demandante.
Com as contrarrazões, e por força do reexame necessário, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
Nesta instância, os autos foram remetidos ao Ministério Público Federal (evento 3, desp1), o qual apresentou parecer opinando pelo parcial provimento do apelo, apenas para que a condenação em honorários advocatícios seja limitada às parcelas vencidas até a data da sentença.
É o relatório.
VOTO
Na presente ação, o autor, representado por sua procuradora, a Srª Edinete Vani Ribeiro, postula o restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez n. 020.725.751-5 (espécie 32, DIB em 01/03/1974, DCB em 22/07/1994 - evento 1, infben15).
No evento 1 (proc2), anexou certidão declarando a existência de procuração feita em cartório em favor da Srª Edinete Vani Ribeiro, na data de 21/07/2009, para diversos fins, tais como representá-lo perante o INSS, nomear e constituir advogado, representá-lo em todas as ações perante tribunais, fóruns e instâncias, entre outros.
Porém, no evento 5 (declim1), o julgador a quo, considerando que não estava comprovada a incapacidade civil do autor, conforme alegado na sua qualificação, e que a Sra. Edinete detinha mera procuração pública, entendeu descaracterizada a representação ou assistência processual e determinou a exclusão daquela do polo ativo do feito.

Na sentença, o julgador reconheceu a prescrição das parcelas anteriores a 11/06/2009 e condenou o INSS a pagar ao demandante o benefício de aposentadoria por invalidez desde aquela data.

Ocorre que, nas perícias psiquiátrica e neurológica realizadas no curso do processo (eventos 29, 41 e 42), restou comprovado que o autor é portador de retardo mental não especificado (CID F79), hidrocefalia (CID G91) e transtorno de personalidade e de comportamento decorrentes de doença cerebral (CID F07) e, em razão disso, está, desde 1974, total, absoluta e definitivamente incapacitado para o trabalho e para os atos da vida diária, necessitando, ao menos desde 1994, de auxílio permanente de terceiros para todas as atividades.

Ora, as perícias não deixam qualquer dúvida acerca da condição de absoluta incapacidade de autodeterminação do demandante, com o que não se lhe aplicaria o prazo prescricional reconhecido na sentença.
Embora a redação do art. 3º do Código Civil tenha sido alterada pela Lei 13.146/2015 ("Estatuto da Pessoa com Deficiência"), para definir como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos - situação essa na qual não se encontra o demandante -, e o inciso I do art. 198 do Código Civil disponha que a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º, entendo que a vulnerabilidade do indivíduo - inquestionável no caso do autor - não pode jamais ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o Direito não pode fechar os olhos à falta de determinação de alguns indivíduos e tratá-los como se tivessem plena capacidade de interagir em sociedade em condições de igualdade.
Veja-se que, no próprio parecer do projeto de lei que deu origem ao Estatuto da Pessoa com Deficiência apresentado no Senado Federal, foi referido que:
"Para facilitar a compreensão, optamos por fazer uma análise conjunta dos dispositivos constantes dos arts. 6º e 84, além de algumas das alterações contidas no art. 114, uma vez que dispõem sobre a capacidade civil das pessoas com deficiência. Seu cerne é o reconhecimento de que condição de pessoa com deficiência, isoladamente, não é elemento relevante para limitar a capacidade civil. Assim, a deficiência não é, a priori , causadora de limitações à capacidade civil. Os elementos que importam, realmente, para eventual limitação dessa capacidade, são o discernimento para tomar decisões e a aptidão para manifestar vontade. Uma pessoa pode ter deficiência e pleno discernimento, ou pode não ter deficiência alguma e não conseguir manifestar sua vontade." (grifei)
A Lei 13.146/2015, embora editada com o propósito de promover uma ampla inclusão das pessoas portadoras de deficiência, ao contrário, justamente aniquila a proteção dos incapazes, rompendo com a própria lógica dos direitos humanos.
Com efeito, a teoria das incapacidades existe para proteger o incapaz, ou seja, protege-se o indivíduo que não tem idade suficiente ou que padece de algum mal que lhe impede de discernir bem sua conduta, ressaltando-se que a proteção não se dá apenas em relação aos outros indivíduos e contra as situações da vida, mas, também (e talvez, sobretudo), em relação ao próprio incapaz, o qual pode representar um risco a si mesmo em algumas situações. Ao suprimir a incapacidade absoluta do portador de deficiência psíquica ou intelectual, o Estatuto contempla, da pior e mais prejudicial forma possível, o pressuposto de igualdade nele previsto, dando o mesmo tratamento para os desiguais.
No artigo "A destruição da teoria das incapacidades e o fim da proteção aos deficientes", publicado no site migalhas.com.br, em 08/04/2016, os autores Vitor Frederico Kümpel e Bruno de Ávila Borgarelli afirmam:
"O paradigma da inclusão dos deficientes, que tem seu marco inicial na década de 1980, substituiu, em relação a essas pessoas, "uma perspectiva exclusivamente médica ou biológica por uma perspectiva que é também social"26. As legislações atuais tendem a esse processo inclusivo, sempre realizado a partir do pareamento de condições em vida social através do rompimento de barreiras e de obstáculos que possam marginalizar os indivíduos portadores de deficiências. Assim, em poucas linhas, é que se encaminha o direito do século XXI. E isso está bem.
Mas o afã de promover essa etapa (inclusão) pode resultar em grandes fracassos, se não houver critérios equilibrados e racionalidade no processo legislativo acerca da matéria. Eis o erro trazido pela lei 13.146/2015. Ela não consagra os direitos humanos. Ela os contradiz, e uma simples colocação dos termos das convenções internacionais já o demonstra.
Vejamos a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência27. Ao determinar que a igualdade seja promovida, a Convenção reconhece, é claro, a diferença que existe e que precisa ser dirimida o quanto possível em seus efeitos.
A definição feita para efeitos da Convenção a respeito de pessoas com deficiência é de que essas "têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
Difícil deixar de apontar que só esses termos já tiram muito do pretenso fundamento da lei 13.146/2015. Reconhecer que as pessoas com deficiência encontram barreiras implica em criação de mecanismos para derrubá-las. Retirar a proteção do deficiente não parece um bom mecanismo....
Já a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência28, cujo objetivo é prevenir e eliminar todas as formas de preconceito contra as pessoas portadoras de deficiência e propiciar a sua plena integração à sociedade (art. 2º), apresenta definições sutilmente mais qualificadas e recomendações bem mais concretas.
Afirma-se, em seu art. 1º, que, para os efeitos da Convenção, entende-se por deficiência "uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social".
A própria Convenção Interamericana, portanto, afirma que a deficiência importa numa limitação à capacidade de exercer atividades essenciais da vida diária. Nisso o conteúdo se aproxima da lei 13.146.
Mas a Convenção não dá azo à "sequência" funesta da referida lei brasileira.
Veja-se, a título de exemplo, o art. 3º, n. 1, a:
"Art. 3º. Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados-partes comprometem-se a:
1. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade, entre as quais as medidas abaixo enumeradas, que não devem ser consideradas exclusivas:
a) medidas das autoridades governamentais e/ou entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração;"
(...)
Será que a legislação protetiva dos deficientes mentais, especialmente o regime das incapacidades, contraria essas recomendações da Convenção?
De modo algum. A própria Convenção - e este é aqui o ponto mais relevante - determina em seu art. 1º, n. 2, b, que, "Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado-parte para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Nos casos em que a legislação interna preveja a declaração de interdição, quando for necessária e apropriada para o seu bem-estar, esta não constituirá discriminação."
Está claro que não há aí um repúdio às legislações internas dos Estados que, objetivando promover o bem-estar (proteção) dos deficientes, aplicam-lhes tratamento diverso, como é o caso da incapacidade - que constitui exceção - e, disso, o procedimento de interdição.
Ora, retirar a proteção de alguém que comprovadamente não pode governar sua própria conduta é aplicar a lógica dos direitos humanos? Nada mais inaceitável e cruel. O pior de tudo é que, na tentativa frenética de ganhar terreno entre os operadores do direito, a nova lei usa como justificativa.....os próprios direitos humanos!
É um disparate.
O problema que nos traz a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Nova Iorque, 2007), especialmente com relação ao instituto da "decisão apoiada", será analisado em uma próxima coluna. Mas, ainda assim, se o objetivo dessa Convenção é 'promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais' pelos deficientes (art. 1), a retirada de proteção trazida pela lei 13.146/2015, no Brasil, está em desacordo com esses termos.
Além disso, permitir "o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais" (art. 2) por parte dos deficientes pressupõe a existência de um aparato que impulsione essa verdadeira quebra de barreiras."
Voltando ao caso dos autos, é evidente, pelas conclusões das peritas judiciais, que o demandante não possui discernimento para a prática dos atos da vida civil e, em razão disso, deve ser rigorosamente protegido pelo ordenamento jurídico, não podendo ser prejudicado pela fluência do prazo prescricional.
No artigo "Crítica à nova sistemática da incapacidade de fato segundo a Lei 13.146/15", publicado no site Jus Navigandi (jus.com.br), em 09/2015, os autores Marlon Tomazette e Rogério Andrader Cavalcanti Araújo, ao tratarem da questão da suspensão da prescrição e da decadência para o incapaz, afirmam:
O artigo 198 do CC afirma que não corre prescrição contra os incapazes de que trata o artigo 3o do Código Civil (absolutamente incapazes). Assim, pela nova sistemática, a suspensão da prescrição deixaria de contemplar os deficientes, continuando a correr normalmente prescrição contra eles.
Estamos certos de que muitos magistrados, consternados pela injustiça da alteração, aplicarão analogicamente a suspensão da prescrição e da decadência (artigo 198) aos deficientes. Ocorre que as hipóteses de suspensão e interrupção de prescrição são taxativas, como se depreende das lições do maior especialista no tema que o Direito Brasileiro já conheceu - Antônio Luís da Câmara Leal. Assevera o festejado jurista[20]:
"Os intérpretes são unânimes em reconhecer que a enumeração das causas suspensivas da prescrição pelo Código é taxativa, e não exemplificativa.
Quer isso dizer que, sendo de direito estrito, não admitem ampliação por analogia."
O seu raciocínio é dotado de irretorquível lógica. Ora, se violado o direito, nasce a pretensão, que, não exercida no prazo previsto, será encoberta pela prescrição (art. 189), é porque a fluência do mencionado lapso prescricional, por força de lei, é ininterrupta. Qualquer exceção a tal comando deve estar prevista em lei, pois, do contrário, a hipótese se subsumirá à regra geral (da fluência ininterrupta do prazo). O que buscamos dizer é que não há lacuna aqui a ser colmatada, porquanto, ou a fluência do prazo é ininterrupta, por força do artigo 189, ou pode ser obstada, suspensa ou interrompida, por força apenas de um dos dispositivos constantes do artigos 197 e seguintes. Não há limbo, não há lacunas... logo, não haverá analogia.
Mas e se o magistrado, tocado pela infelicidade da mutação legislativa, resolver analogicamente aplicar a regra suspensiva do artigo 198, I aos deficientes? Bem... ele estará a agir como legislador, inovando onde não há lacuna. O mais surreal, porém, é que o fim da suspensão da prescrição, derivada da deficiência mental ou intelectual, embora prejudicialíssimo a este, iguala-o aos não deficientes, contemplando da pior forma possível o pressuposto igualitário do Estatuto. O irônico é que talvez desigualar os atores jurídicos com deficiência, em algumas hipóteses, atendesse mais ao princípio da isonomia, no sentido material, do que dispensar regramento jurídico idêntico ao das pessoas sem deficiência, mormente quando a diferenciação está justificada pelo caráter protetivo.
Conhecendo, porém, a forma pouco científica, quase emotiva, como se trata o direito no Brasil, cremos, abismados, que, no futuro, os tribunais aplicarão analogicamente o artigo 198, I aos hoje (plenamente capazes) deficientes simplesmente por parecer-lhes o mais justo, seja isso técnico ou não."
De outro lado, reconhecida a condição de incapaz do autor, verifico que o processo contém nulidade insanável, em razão de não ter havido intervenção do Ministério Público em primeira instância.

Com efeito, a intervenção do Ministério Público nas demandas em que estejam em discussão interesses de incapazes é obrigatória e, descumprida essa exigência, é de ser considerado nulo o processo, a partir do momento em que deveria ter ocorrido a intervenção do Órgão Ministerial, a teor do disposto no art. 279, caput, e § 1º, combinado com o art. 178, inciso II, ambos do NCPC. Nessa linha, anoto os seguintes precedentes da Corte: AC 5009585-28.2013.404.7100, SEGUNDA TURMA, Relator p/ Acórdão CLÁUDIA MARIA DADICO, juntado aos autos em 27/04/2016; AC 5045688-96.2015.404.9999, QUINTA TURMA, Relator p/ Acórdão PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 14/04/2016; AC 0014574-30.2015.404.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 26/11/2015; AC 0010391-16.2015.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, D.E. 19/11/2015; AC 5000995-19.2010.404.7213, SEXTA TURMA, Relatora p/ Acórdão VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 03/09/2015.
Registre-se, por oportuno, que, mesmo nas causas em que a intervenção do Ministério Público é obrigatória, como naquelas em que há interesses de incapazes, é necessária a demonstração de prejuízo ao incapaz para que se reconheça a nulidade processual. Nesse sentido, os seguintes precedentes deste Tribunal: AC 5068807-92.2011.404.7100, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 18/07/2013; AC 5001174-95.2010.404.7004, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão João Pedro Gebran Neto, D.E. 29/04/2013; AC 0000384-33.2013.404.9999, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 09/04/2013; AR 0002457-36.2012.404.0000, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 10/01/2013; AR 2009.04.00.037185-6, Segunda Seção, Relator Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 19/11/2012.
Na hipótese dos autos, restou evidenciado o prejuízo ao autor, pelo reconhecimento da prescrição quinquenal e pela não concessão do adicional de 25% previsto no art. 45 da Lei 8.213/91, o que me leva a presumir que, caso tivesse ocorrido a obrigatória intervenção do parquet, outro poderia ter sido o resultado da demanda, em face, quiçá, de apelo da parte interessada ou do próprio Ministério Público, conforme estatui, aliás, o art. 996, caput, do NCPC.

Portanto, é nulo o processo desde o momento em que o Ministério Público deveria ter sido ser intimado (art. 178, II, combinado com o art. 279, caput e § 1º, do NCPC), não havendo falar em suprimento da nulidade no caso concreto, uma vez que, da forma como resolvida a controvérsia, houve efetivo prejuízo financeiro ao demandante.

Sem embargo da anulação do processo, entendo que, em face das peculiaridades do presente caso, deve ser mantida a antecipação de tutela concedida em sentença, uma vez que presentes os pressupostos para a sua concessão.

Com efeito, a verossimilhança do direito alegado resultou comprovada pelo exame do conjunto probatório realizado pelo juízo a quo, em que restou reconhecido o direito do autor ao restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez.

O risco de dano encontra-se demonstrado pelo fato de o autor já contar 69 anos de idade, residir em Casa de Repouso desde março de 2014 e apresentar precárias condições de saúde (está em cuidados paliativos e de manutenção, já que não existe possibilidade de recuperação motora ou cognitiva, locomove-se em cadeira de rodas, faz uso de fraldas geriátricas e necessita de auxílio permanente de terceiros para as atividades da vida diária). Assim, apesar de já ser titular de pensão por morte de genitor, na condição de filho inválido, no valor mensal equivalente a um salário mínimo (n. 125.635.161-7, espécie 21, DIB em 22/07/2002 - evento 1, infben16), entendo que tal montante é insuficiente para suprir suas necessidades básicas.

Além disso, seria ilógico que a anulação do processo, com o objetivo de afastar prejuízo ao incapaz, causasse ao demandante mal maior, com a cessação do pagamento do próprio benefício, indispensável à sua manutenção, verba alimentar que é.

Por fim, ante a condição de absolutamente incapaz do demandante, deverá o Juízo a quo promover-lhe a nomeação de curador especial, nos termos do disposto no art. 72, inciso I, do NCPC.
Conclusão
Anula-se, de ofício, o processo, desde o momento em que o Ministério Público deveria ter sido intimado, com determinação à Autarquia Previdenciária de que não cesse o pagamento da aposentadoria por invalidez n. 020.725.751-5.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por anular, de ofício, o processo, desde o momento em que o Ministério Público deveria ter sido intimado, com determinação à Autarquia Previdenciária de que não cesse o pagamento da aposentadoria por invalidez n. 020.725.751-5, prejudicada a apelação do INSS e a remessa oficial.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator


Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8366095v59 e, se solicitado, do código CRC 7D7CECD3.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Paulo Afonso Brum Vaz
Data e Hora: 11/07/2016 14:40




EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 05/07/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020853-36.2014.4.04.7200/SC
ORIGEM: SC 50208533620144047200
RELATOR
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE
:
Paulo Afonso Brum Vaz
PROCURADOR
:
Dr. Carlos Eduardo Copetti Leite
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO
:
WALTER MARCELINO PIRES
:
EDINETE VANI RIBEIRO
ADVOGADO
:
Robson Argemiro Correa
:
Hélvio da Silva Muniz
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 05/07/2016, na seqüência 370, disponibilizada no DE de 14/06/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU ANULAR, DE OFÍCIO, O PROCESSO, DESDE O MOMENTO EM QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO DEVERIA TER SIDO INTIMADO, COM DETERMINAÇÃO À AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA DE QUE NÃO CESSE O PAGAMENTO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ N. 020.725.751-5, PREJUDICADA A APELAÇÃO DO INSS E A REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
VOTANTE(S)
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
:
Des. Federal ROGERIO FAVRETO
:
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma


Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8434366v1 e, se solicitado, do código CRC 788C863.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Lídice Peña Thomaz
Data e Hora: 05/07/2016 18:18




O Prev já ajudou mais de 90 mil advogados em todo o Brasil.Acesse quantas petições e faça quantos cálculos quiser!

Teste grátis por 15 dias