A aposentadoria especial para auxiliares de enfermagem sofreu alterações significativas com a Reforma da Previdência (EC nº 103/2019), impactando os critérios de elegibilidade e o cálculo do benefício. Em 2025, os tribunais continuam a interpretar essas mudanças, consolidando entendimentos sobre a aplicação das novas regras. A seguir, apresento um panorama das condições antes e depois da reforma, bem como o posicionamento atual dos tribunais:
Nesse sentido, o auxiliar de enfermagem é uma das profissões que pode se enquadrar nesse tipo de aposentadoria, visto que são profissionais que trabalham habitualmente em contato direto com pacientes e, consequentemente, agentes biológicos durante sua jornada laboral.
Neste texto, vamos abordar em detalhes a aposentadoria especial dos auxiliares de enfermagem, destacando a previsão normativa, os agentes nocivos e suas particularidades, bem como de que forma podemos comprovar a exposição ocupacional.
Aposentadoria Especial do Auxiliar de enfermagem até a Reforma (direito adquirido)
Antes da Emenda Constitucional nº 103/2019, a única exigência para a concessão da aposentadoria especial era o trabalho com exposição a agentes nocivos à saúde e/ou risco à integridade física por 25 anos. Não havia previsão de idade mínima ou pontuação até 13/11/2019.Dessa forma, se completados 25 anos de trabalho de auxiliar de enfermagem em atividade especial até 13 de novembro de 2019, o trabalhador tem direito adquirido à aposentadoria especial pela regra antiga, mesma que venha a requerer o benefício após a reforma.
Após a Reforma
Assim, para o auxiliar de enfermagem que comprovar atividade especial e não possui o direito adquirido “pré-reforma” existem duas novas regras. Uma para quem já era filiado ao sistema (regra de transição), e outra para quem se filiou somente após a Reforma (13/11/2019) ou para filiados anteriores em que a aplicação da regra permanente seja mais vantajosa. Assim, confira:
Regra de transição
Exigência de tempo de atividade especial e pontuação (tempo de contribuição + idade = PONTOS)
- 25 anos de atividade especial e 86 PONTOS
Regra permanente
Exigência de tempo de atividade especial e idade mínima
- 25 anos de atividade especial e 60 anos de idade
Resumo Comparativo
Elemento | Antes da Reforma | Após a Reforma |
Tempo mínimo | 25 anos | 25 anos |
Idade mínima | Não exigida | 60 anos |
Cálculo da RMI | 100% da média dos 80% maiores salários | 60% da média + 2% por ano após 20 |
Conversão de tempo | Permitida | Vedada |
Comprovação | PPP, LTCAT, ou por categoria até 1995 | PPP e LTCAT obrigatórios |
Direito adquirido | Garantido | Não retroage para flexibilizar regras anteriores |
Enquadramento por categoria profissional do Auxiliar de Enfermagem:
Os técnicos/auxiliares de enfermagem sempre tiveram direito à aposentadoria especial. Nesse contexto, até 28 de abril de 1995, as atividades de atendente e auxiliar de enfermagem, enquadram-se como especiais, pela categoria profissional, em conformidade com o código 2.1.3 do Anexo II do Decreto nº 83.080/79, em equiparação à atividade de enfermeiro. Assim, vejamos:
A partir 29/04/1995 até a publicação da Lei 9.528/97, em 10/12/1997, a comprovação passou a ocorrer mediante apresentação de formulário que demonstrasse a efetiva exposição de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou a integridade física.
Após 10/12/1997, tal formulário deveria estar fundamentado em laudo técnico das condições ambientais do trabalho, assinado por médico do trabalho ou engenheiro do trabalho.
Agentes Biológicos
A aposentadoria especial é um direito daqueles que trabalham expostos a agentes nocivos à saúde, que podem ser físicos, químicos ou biológicos. Os profissionais da enfermagem, como técnicos, auxiliares e enfermeiros, estão frequentemente expostos a microorganismos que podem causar infecções. Os agentes biológicos incluem bactérias, fungos e vírus, independentemente da forma de transmissão.
Assim, conforme a tabela NR 15, anexo XIV, as seguintes atividades estão expostas a esses agentes nocivos:
- trabalhos em estabelecimentos de saúde em contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados;
- trabalhos com animais infectados para tratamento ou para o preparo de soro, vacinas e outros produtos;
- esvaziamento de biodigestores;
- trabalhos em laboratórios de autópsia, de anatomia e anátomo histologia;
- trabalho de exumação de corpos e manipulação de resíduos de animais deteriorados;
- coleta e industrialização do lixo;
- trabalhos em galerias, fossas e tanques de esgoto.
Exposição permanente?
De início, reproduzo o texto do artigo 65 do Decreto 3.048/99:
Art. 65. Considera-se tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço.
Veja-se que o conceito de permanência define-se pela forma indissociável que a exposição ao agente nocivo se dá com prestação da atividade.
Isto é, quando a exposição é intrínseca ao desempenho da profissão ela é permanente! A norma não exige o contato direto com o agente nocivo durante todos os momentos da prática laboral, mas sim que a exposição ocorra de forma habitual e seja inerente à profissão.
Nesse contexto, não se pode exigir que um profissional da saúde esteja, de forma integral, em contato direto com agentes biológicos para que a atividade especial seja reconhecida. Isso porque o risco de contaminação é inerente ao ambiente hospitalar, ou seja, indissociável da atividade destes profissionais.
Previsão expressa no texto constitucional
Embora raríssimos os pontos positivos desta Reforma, certamente a inclusão da exposição a agentes biológicos no seu texto foi um deles. Antes apenas os Decretos Regulamentares traziam essa disposição, que agora tem previsão constitucional. Assim, vale conferir o texto:
Art. 201 […]
1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
[…]
II – cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
Assim, os critérios de caracterização e comprovação da atividade especial para os profissionais da área da saúde continuam essencialmente os mesmos, com a novidade de que agora há menção expressa aos agentes biológicos no texto constitucional.
Então, como comprovar a exposição ocupacional?
Conforme fundamentação destacada acima, a exposição a agentes biológicos possibilita o reconhecimento de tempo especial. Nesse sentido, o formulário PPP é o documento hábil à comprovação da atividade especial. Assim, este documento deve ser solicitado pelo segurado ao empregador, que tem a obrigação de fornecê-lo (art. 58, § 4º da Lei 8.213/91).
O formulário PPP deve registrar, de forma específica, as atividades realizadas, bem como quais os agentes nocivos o segurado esteve exposto durante o desempenho da função. Assim, vejamos um exemplo de formulário PPP relacionado ao tema:
Dessa forma, podemos observar que o documento registra, de forma expressa, o contato direto com pacientes e a exposição habitual a agentes biológicos.
Além disso, é importante ressaltar que a obtenção de laudos técnicos disponibilizados pelos empregadores é fundamental para consolidar a prova material. Ademais, ainda é possível requerer ao juízo a realização de perícia técnica no estabelecimento do empregador, a fim de demonstrar a exposição ocupacional.
Por outro lado, caso se trate de situação na qual a empresa estiver BAIXADA, é preciso seguir algumas outras estratégias.
Em primeiro lugar, requer-se a produção de prova testemunhal, a fim de comprovar as atividades efetivamente exercidas.
Concomitantemente, apresenta-se laudo técnico da própria empresa (encontrado em processos de outros segurados ou em bancos de laudos dos Tribunais), ou ainda, laudo de empresa similar, para as mesmas atividades que se pretende reconhecer.
Por fim, é sempre recomendável que se postule a realização de perícia técnica em estabelecimento similar, caso o juízo entenda necessário.
Jurisprudência
O atual entendimento jurisprudencial acerca do tema é pacífico. Nesse sentido, é inegável que o trabalho desenvolvido por técnicos e auxiliares de enfermagem, em contato direto com pacientes, muitas vezes infectados de doenças contagiosas, enseja o reconhecimento da atividade como especial em razão da exposição a agentes biológicos. Dessa forma, destaco recente julgado do TRF/4:
EMENTA:
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. AUXILIAR DE ENFERMAGEM. AGENTES BIOLÓGICOS. EXPOSIÇÃO PERMANENTE. EPI IRRELEVANTE. LAUDO TÉCNICO EXTEMPORÂNEO. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS MAJORADOS. TUTELA ESPECÍFICA.
1. O reconhecimento da especialidade da atividade exercida sob condições nocivas é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador (STJ, Recurso Especial Repetitivo nº 1.310.034).
2. É cabível o reconhecimento da especialidade do trabalho exercido sob exposição a agentes biológicos. A exposição a agentes biológicos não precisa ser permanente para caracterizar a insalubridade do labor, sendo possível o cômputo do tempo de serviço especial diante do risco de contágio constantemente presente. Entendimento da Terceira Seção deste Tribunal.
3. Conforme dispõe a NR-15 do Ministério do Trabalho e Emprego, ao tratar da exposição a agentes biológicos em seu Anexo XIV, são insalubres as atividades desempenhadas em hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana, quando houver contato direto com pacientes ou objetos por estes utilizados.
4. A utilização de EPI não afasta a especialidade do labor, pois é presumida a sua ineficácia em relação aos agentes nocivos biológicos. Tema 15 IRDR deste Tribunal.
5. A jurisprudência posicionou-se no sentido de aceitar a força probante de laudo técnico extemporâneo, reputando que, à época em que prestado o serviço, o ambiente de trabalho tinha iguais ou piores condições de salubridade
(TRF4, APELREEX 5002884-40.2012.404.7115, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 11/04/2016). 6. Honorários majorados, consoante previsão do artigo 85, §11º do CPC. 7. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado. (TRF4, AC 5002923-62.2020.4.04.7016, DÉCIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 15/12/2022)
- STF – Tema 709: é constitucional a cessação da aposentadoria especial se o segurado continuar exercendo atividade de risco.
- Aplicação da Súmula Vinculante nº 33 para servidores públicos: garante a aplicação analógica do art. 57 da Lei 8.213/91 até edição de lei complementar.
- Não se exige laudo técnico para o período até 28/04/1995 se houver enquadramento por categoria profissional.
- Tese fixada no Tema 534/STJ: admite-se reconhecimento por prova documental robusta, mesmo sem PPP.
Conclusão
A aposentadoria especial para auxiliares de enfermagem passou por mudanças significativas com a Reforma da Previdência. Em 2025, os tribunais mantêm a proteção ao direito adquirido, permitindo que profissionais que cumpriram os requisitos antes da reforma se aposentem pelas regras antigas. Para os demais, aplicam-se as novas regras, que incluem idade mínima e alterações no cálculo do benefício. A comprovação da exposição a agentes nocivos continua sendo fundamental para o reconhecimento da atividade especial.
Quais são os principais agentes nocivos que podem justificar a aposentadoria especial de um auxiliar de enfermagem?
Os principais agentes nocivos que justificam a aposentadoria especial para auxiliares de enfermagem incluem agentes biológicos, como bactérias, fungos e vírus.
Como um auxiliar de enfermagem pode comprovar a sua exposição a agentes nocivos?
A comprovação da exposição a agentes nocivos é feita por meio do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), que deve ser solicitado ao empregador.
A utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) afeta o direito à aposentadoria especial?
Não. A utilização de EPIs não exclui o direito à aposentadoria especial.
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