Imagine contribuir regularmente para o INSS como segurado facultativo de baixa renda, cumprindo todos os requisitos exigidos, e, ao requerer um benefício, receber a negativa sob a alegação de que uma simples doação compromete a sua concessão. Parece absurdo? Pois essa tem sido a realidade de muitos segurados que se deparam com interpretações restritivas do INSS.
O conceito de renda própria, essencial para definir quem pode contribuir como facultativo baixa renda, tem sido aplicado de forma questionável pelo INSS.
Mas afinal, doação é renda? Como garantir que suas contribuições sejam reconhecidas? Neste artigo, exploramos os critérios legais, as interpretações administrativas e as decisões judiciais recentes que confirmam que doação não configura fonte de renda própria.
O que é o segurado facultativo baixa renda?
O segurado facultativo baixa renda é aquele que contribui para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) com alíquota reduzida de 5% sobre o salário-mínimo, conforme previsto no art. 21, parágrafo 2º, inciso II, alínea “b” da Lei n. 8.212/1991. Trata-se de um incentivo à proteção previdenciária de pessoas que exercem apenas atividades domésticas no âmbito de sua residência, sem auferir renda própria, e desde que pertencente a família de baixa renda.
Requisitos para o segurado facultativo baixa renda
Para contribuir como segurado facultativo baixa renda, é necessário cumprir os seguintes requisitos cumulativos:
- Não possuir renda própria, incluindo aluguéis, pensões alimentícias, benefícios previdenciários ou qualquer outro tipo de rendimento;
- Não exercer atividade remunerada, dedicando-se exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito da própria residência;
- Possuir renda familiar de até dois salários-mínimos (atualmente R$ 3.036,00, considerando o salário mínimo vigente em 2025);
- Estar inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) e manter os dados atualizados a cada dois anos.
Caso qualquer um desses requisitos não seja atendido, as contribuições realizadas nessa categoria serão invalidadas, necessitando complementação de alíquota.
Doação é renda própria?
Em diversos casos, o INSS tem interpretado que doações recorrentes poderiam ser enquadradas como renda própria, desqualificando a contribuição na modalidade facultativa de baixa renda. No entanto, a jurisprudência tem reafirmado que doações eventuais não configuram renda fixa ou habitual e, portanto, não descaracterizam o enquadramento do segurado.
Ocorre que, o próprio INSS, na Instrução Normativa n. 128/2022, no art. 107, parágrafo 2º, inciso XIV, alínea “a”, bem como na Portaria DIRBEN/INSS n. 990/2022, no art. 74, inciso XIV, alínea “a”, estabelece que, para fins específicos de enquadramento nesta condição e recolhimento na alíquota de 5%, não será considerada como renda aquela exclusivamente proveniente de auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária e de valores oriundos de programas sociais de transferência de renda.
Dessa forma, é importante observar que há normas expressas que delimitam quais rendimentos podem ser considerados para fins de enquadramento do segurado facultativo baixa renda. A interpretação administrativa que desconsidera esse critério pode trazer insegurança jurídica e comprometer o acesso à proteção previdenciária para quem realmente precisa.
Jurisprudência sobre o tema
A 10ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul reforça o entendimento de que doações esporádicas, sem caráter de habitualidade ou previsibilidade, não descaracterizam a condição de segurado facultativo de baixa renda:
“Além disso, consta que o INSS deixou de validar as contribuições sob o argumento de que havia renda pessoal no CadÚnico de R$ 120,00 (cento e vinte reais), informada como “valor recebido de doação” (evento 1, OUT12, fls. 08 e 17). Com base nestas informações, conclui-se que não há justificativa válida para afastar a qualidade de segurada facultativa de baixa renda da autora. O fato de perceber renda de R$ 120,00 (não esclarecida se mensal ou eventual), fruto de doação, não afasta esta situação, mas sim a confirma. Caberia ao INSS desconstituir a condição de baixa renda da família, ônus do qual a autarquia não logrou desincumbir-se.” (TRF4, AC 5000137-15.2023.4.04.9999, 10ª Turma, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, julgado em 05/09/2023)
Dessa forma, fica evidente que a simples menção a valores recebidos de terceiros, sem comprovação de recorrência ou impacto significativo na subsistência do segurado, não justifica a exclusão da categoria de facultativo baixa renda. Esse posicionamento confirma a necessidade de uma análise criteriosa por parte do INSS, sob pena de inviabilizar indevidamente a proteção previdenciária daqueles que mais necessitam.
Como contribuir como facultativo baixa renda?
A contribuição pode ser realizada via:
- Guia da Previdência Social (GPS): preenchida manualmente ou gerada online;
- Código de pagamento 1929, com vencimento no dia 15 do mês subsequente.
Caso o segurado ultrapasse os limites de renda ou descumpra as regras, será necessário complementar a contribuição para garantir a validade do período.
Benefícios acessíveis ao segurado facultativo baixa renda
Os segurados que contribuem sob essa modalidade têm direito a:
- Aposentadoria por idade;
- Aposentadoria por Incapacidade Permanente;
- Auxílio por Incapacidade Temporária;
- Salário-Maternidade.
E os seus dependentes têm direito aos seguintes benefícios:
Importante ressaltar que o facultativo baixa renda não pode se aposentar por tempo de contribuição, salvo se houver contribuições adicionais com alíquotas diferenciadas.
Conclusão
O reconhecimento do segurado facultativo baixa renda é essencial para garantir proteção previdenciária a indivíduos em situação de vulnerabilidade. A interpretação do INSS sobre doações como “renda própria” é equivocada e tem sido corrigida pelo Judiciário.
Advogados previdenciaristas devem estar atentos a essas questões para garantir que os direitos de seus clientes sejam preservados e que a legislação seja corretamente aplicada na esfera administrativa e judicial.
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