O Superior Tribunal de Justiça irá decidir, possivelmente em 2025, se há a possibilidade de flexibilização do critério econômico para deferimento do benefício de auxílio-reclusão quando o salário-de-contribuição do segurado recolhido à prisão supere o valor legalmente fixado como critério de baixa renda.
O caso concreto que deu origem ao Tema Repetitivo nº 1.162, trata de um segurado que, ao tempo do recolhimento à prisão, possuía renda mensal de R$ 1.454,56, valor superior ao teto fixado pela Portaria n° 15, de 16 de janeiro de 2018, correspondente a R$ 1.319,18.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região havia dado provimento ao recurso de apelação do INSS, para julgar improcedente o pedido.
Em 27 de novembro de 2024, o Ministro Relator Teodoro Silva Santos votou pelo provimento do recurso especial das beneficiárias, para restabelecer a sentença de procedência de primeiro grau, e propôs a seguinte tese jurídica:
É possível a flexibilização do critério econômico para a concessão do auxílio-reclusão, ainda que a renda mensal do segurado preso supere o valor legalmente fixado como critério de baixa renda, desde que o exceda em percentual ínfimo ou pequeno, e demonstrada a imprescindibilidade do benefício previdenciário para o sustento dos dependentes.
Conforme se observa na tese jurídica proposta, não basta que a renda mensal exceda apenas em percentual ínfimo ou pequeno o valor legalmente fixado; deve ser verificada também a imprescindibilidade do benefício para a subsistência dos dependentes.
De acordo com o Ministro Relator, tal imprescindibilidade pode ser aferida por meio da análise das condições socioeconômica dos potenciais beneficiários, utilizando critérios como o número de dependentes do segurado, sua idade, grau de dependência e gastos ordinários com as necessidades básicas, tais como com alimentação, saúde e transporte.
O julgamento foi suspenso após pedido de vista do Ministro Paulo Sérgio Domingues. Ainda não se manifestaram e aguardam os Ministros Afrânio Vilela, Maria Thereza de Assis Moura, Benedito Gonçalves, Marco Aurélio Bellizze, Sérgio Kukina e Gurgel de Faria.
Posição do INSS
O INSS, naturalmente, defende a impossibilidade de flexibilização do critério econômico definidor da condição de baixa renda.
Dentre seus argumentos, sustenta que o legislador constituinte criou um critério objetivo, que não pode ser flexibilizado pelo Poder Judiciário.
Compara a flexibilização do critério econômico a um hipotético cenário em que o INSS é condenado a conceder um benefício de aposentadoria programada a um homem com idade inferior a 65 anos ou a uma mulher com idade inferior a 62 anos.
Além disso, apregoa que tal prática configuraria a utilização de um critério assistencial (flexibilização da condição de baixa renda) a uma relação jurídica previdenciária, o que não seria possível, pois se tratam de subsistemas da Seguridade Social distintos, com conceitos de universalidade diferentes e que não podem ser confundidos.
Posição dos amicus curiae
O processo conta com dois “amigos da corte”, o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) e o Instituto de Estudos Previdenciários (IEPREV).
Ambos se manifestaram pela possibilidade da flexibilização do critério econômico para deferimento do benefício de auxílio-reclusão, ainda que o salário-de-contribuição do segurado supere o valor legalmente fixado como critério de baixa renda.
O IBDP entende que, para que se possa proferir uma decisão condizente com a proteção que o legislador buscava conferir no momento da elaboração do texto legal, deve haver a análise do caso concreto, bem como de alguns parâmetros, como quantos dependentes o segurado possui e se estes dependentes são presumidos dependentes econômicos ou não.
O IEPREV, por sua vez, defende que a flexibilização do critério econômico deve levar em consideração a realidade social, reconhecendo que a proteção social deve ser ampla e efetiva, levando em consideração as especificidades do caso concreto.
Tema de Repercussão Geral nº 89 do STF
Ao julgar o Tema 89 no, já longínquo ano de 2009, o STF firmou a seguinte tese jurídica:
Segundo decorre do art. 201, IV, da Constituição Federal, a renda do segurado preso é a que deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do auxílio-reclusão e não a de seus dependentes.
De acordo com o voto vencedor, proferido pelo Ministro Ricardo Lewandowski, “o constituinte derivado amparou-se no critério de seletividade para identificar aqueles que efetivamente necessitam do auxílio em tela” e “tal desiderato somente pode ser alcançado se a seleção tiver como parâmetro a renda do próprio preso segurado”.
Ainda conforme o voto do Ilustríssimo Ministro, “caso o critério de seleção fosse baseado na renda dos dependentes, o auxílio-reclusão alcançaria qualquer segurado preso, independentemente de sua condição financeira, que possuísse filhos menores de 14 anos (impedidos de trabalhar por força do art. 227, § 3º, inciso I, da Constituição Federal de 1988”.
Impressões e considerações finais
O reconhecimento da flexibilização do critério econômico definidor de baixa renda pode servir como um importante instrumento de Justiça Social, pois estenderá proteção previdenciária a vários dependentes que se encontram em situação de vulnerabilidade social e privados de um benefício que poderia lhes garantir melhor subsistência e vida digna.
Por outro lado, estar-se-ia trocando um critério objetivo (renda igual ou inferior a R$ 1.906,04 em 2025) por um conceito indeterminado (renda que exceda em percentual ínfimo ou pequeno o valor legalmente fixado), situação que pode vir a causar certa insegurança jurídica.
Por exemplo, um excesso de R$ 285,00, aproximadamente 15% do valor legalmente fixado em 2025, pode ser considerado ínfimo ou pequeno? Não se sabe.
Ao analisar casos concretos distintos, dois magistrados ou dois colegiados podem concluir de maneira contrária, ainda que em ambas as situações se verifique a “imprescindibilidade do benefício previdenciário para o sustento dos dependentes”, critério de análise citado no voto do Ministro Relator.
Sobre tal imprescindibilidade, vale destacar que a discussão pode evoluir para eventual alegação de inobservância ao decidido pelo STF no Tema 89, uma vez que a Corte Constitucional decidiu, por maioria, que somente a renda do próprio segurado recolhido à prisão poderia ser utilizada como parâmetro de aferição, não sendo possível um critério de seleção baseado na renda dos dependentes.
Ao fim e ao cabo, vislumbra-se uma celeuma jurídica de grande complexidade, em que se encontram em lados opostos temas extremamente caros como a garantia de uma maior segurança jurídica e a ampliação da proteção social.
Deixe um comentário