AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 5017226-43.2013.404.7108/RS

AUTOR:LUIZ CARLOS BARBOZA LOPES
ADVOGADO:GABRIEL DORNELLES MARCOLIN
RÉU:CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF

SENTENÇA

RELATÓRIO

Trata-se de ação ordinária em que objetiva a parte autora a condenação da Caixa Econômica Federal a atualizar o saldo da sua conta do FGTS com base no INPC ou, alternativamente, no IPCA ou qualquer outro índice que reponha as perdas inflacionárias do trabalhador na(s) conta(s) referida(s), e pagar as diferenças apuradas.

Citada, a Caixa Econômica Federal apresentou contestação, sustentando a improcedência dos pedidos.

É o relatório. Decido.

 

FUNDAMENTAÇÃO

Legitimidade passiva da Caixa Econômica Federal: nos termos da Súmula n° 249 do STJ, ‘a Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva para integrar processo em que se discute correção monetária do FGTS.’

Litisconsórcio passivo necessário com BACEN e UNIÃO: conforme pacífica jurisprudência do STJ, nas demandas que tratam da atualização monetária dos saldos das contas vinculadas do FGTS, a legitimidade passiva ad causam é exclusiva da Caixa Econômica Federal, por ser gestora do Fundo, com exclusão da União, do BACEN e dos bancos depositários.

Prescrição: o prazo prescricional para requerer diferenças não creditadas nos saldos de contas vinculadas ao FGTS é trintenário, consoante Súmulas nºs 57 do TRF/4ª Região e 210 do STJ, e se inicia a partir da data em que a opção pelo Fundo foi efetivada.

 

Sobre a atualização monetária dos saldos de conta vinculada ao FGTS

O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, criado pela Lei n° 5.107/66 – destinado, inicialmente, a amparar trabalhadores em situações de encerramento da relação de emprego e de doenças graves, servindo hoje também para custear investimentos nas áreas de habitação, saneamento e infraestrutura -, é formado pelo conjunto de recursos depositados pelo setor privado em conta bancária vinculada aos trabalhadores a seu serviço, mais algumas receitas previstas no § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.036/90.

De acordo com o artigo 13 da Lei nº 8.036/90, a remuneração dos depósitos é feita da seguinte forma:

 Art. 13. Os depósitos efetuados nas contas vinculadas serão corrigidos monetariamente com base nos parâmetros fixados para atualização dos saldos dos depósitos de poupança e capitalização juros de (três) por cento ao ano.

 Já os saldos da poupança são assim remunerados, conforme previsto no artigo 12 da Lei nº 8.177/91:

 Art. 12. Em cada período de rendimento, os depósitos de poupança serão remunerados:

I – como remuneração básica, por taxa correspondente à acumulação das TRD, no período transcorrido entre o dia do último crédito de rendimento, inclusive, e o dia do crédito de rendimento, exclusive;

II – como remuneração adicional, por juros de: (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012)

a) 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento); ou (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012)

b) 70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, mensalizada, vigente na data de início do período de rendimento, nos demais casos. (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012)

 Atualmente os depósitos de poupança são remunerados pela TR, índice que pela Lei n° 8.660/93 substituiu a TRD.

Da análise dos dispositivos acima transcritos, verifica-se que tanto os depósitos de FGTS, como os de poupança são atualizados pelo mesmo indexador, a TR. Não obstante, a poupança é bem melhor remunerada, pois enquanto acrescida de uma taxa mensal de 05%, a taxa de remuneração do FGTS é de apenas 3% ao ano.

Não bastasse isso, a TR, conforme já decidiu o STF na ADin nº 493/DF não constitui índice de correção monetária (visto não refletir adequadamente o valor das perdas inflacionárias), mas, sim, o custo primário de captação dos depósitos a prazo fixo. Inclusive, teve variação negativa em alguns meses, o que a torna imprestável como índice de atualização monetária.

O mesmo entendimento foi recentemente reafirmado no julgamento das ADIs n°s 4425 e 4357, em que analisada a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 62/2009.

À guisa de ilustração, trago o seguinte paralelo entre a TR e o INPC, índice utilizado para a correção dos salários dos trabalhadores e dos benefícios previdenciários, que bem demonstra a imprestabilidade da TR como índice de atualização monetária.

 

TR:

1999 0,51630,82981,16140,60920,57610,31080,29330,29450,27150,22650,19980,29985,7295  
2000 0,21490,23280,22420,13010,24920,21400,15470,20250,10380,13160,11970,09912,0962  
2001 0,13690,03680,17240,15460,18270,14580,24410,34360,16270,29130,19280,19832,2852  
2002 0,25910,11710,17580,23570,21020,15820,26560,24810,19550,27680,26440,36092,8023  
2003 0,48780,41160,37820,41840,46500,41660,54650,40380,33640,32130,17760,18994,6485  
2004 0,12800,04580,17780,08740,15460,17610,19520,20050,17280,11080,11460,24001,8184  
2005 0,18800,09620,26350,20030,25270,29930,25750,34660,26370,21000,19290,22692,8335  
2006 0,23260,07250,20730,08550,18880,19370,17510,24360,15210,18750,12820,15222,0377  
2007 0,21890,07210,18760,12720,16890,09540,14690,14660,03520,11420,05900,06401,4452  
2008 0,10100,02430,04090,09550,07360,11460,19140,15740,19700,25060,16180,21491,6348  
2009 0,18400,04510,14380,04540,04490,06560,10510,01970,00000,00000,00000,05330,7090  
2010 0,00000,00000,07920,00000,05100,05890,11510,09090,07020,04720,03360,14060,6887  
2011 0,07150,05240,12120,03690,15700,11140,12290,20760,10030,06200,06450,09371,2079  
2012 0,08640,00000,10680,02270,04680,00000,01440,01230,00000,00000,00000,00000,2897  
2013 0,00000,00000,00000,00000,00000,00000,02090,00000,00790,09200,02070,04940,1910  

 

INPC:

1999 0,651,291,280,470,0580,070,740,550,390,960,940,748,43% 
2000 0,610,050,130,09-0,050,301,391,210,430,160,290,555,27% 
2001 0,770,490,480,840,570,601,110,790,440,941,290,749,44% 
2002 1,070,310,620,680,090,611,150,860,831,573,392,7014,74% 
2003 2,471,461,371,380,99-0,060,040,180,820,390,370,5410,38% 
2004 0,830,390,570,410,400,500,730,500,170,170,440,866,13% 
2005 0,570,440,730,910,70-0,110,030,000,150,580,540,405,05% 
2006 0,380,230,270,120,13-0,070,11-0,020,160,430,420,622,81% 
2007 0,490,420,440,260,260,310,320,590,250,300,430,975,15% 
2008 0,690,480,510,640,960,910,580,210,150,500,380,296,48% 
2009 0,640,310200,550,600,420,230,080,160,240,370,244,11% 
2010 0,880,700,710,730,43-0,11-0,07-0,070,540,921,030,606,46% 
2011 0,940,540,660,720,570,220,000,420,450,320,570,516,07% 
2012 0,510,390,180,640,550,260,430,450,630,710,540,746,19% 
2013 0,920,520,600,590,350,28-0,130,160,270,610,540,725,56% 

 

Veja-se que nos últimos 05 anos a TR permaneceu praticamente zerada. E sem atualização monetária, as contas vinculadas ao FGTS, no mesmo período, sofreram apenas a incidência dos juros anuais de 3%, acréscimo insuficiente para impedir a corrosão da moeda em decorrência das perdas inflacionárias.

A correção monetária dos saldos vinculados ao FGTS deve, no mínimo, refletir a inflação do período, e o índice que melhor reflete o objetivo da Lei do FGTS é o INPC, que é o índice que corrige monetariamente os salários dos trabalhadores e os benefícios previdenciários.

Ainda que se entenda ser o FGTS um fundo institucional, de caráter estatutário e não contratual, é devida a manutenção do valor real dos seus depósitos, tendo em vista que o artigo 2º da Lei n° 8.036/90 expressamente dispõe que ‘O FGTS é constituído pelos saldos das contas vinculadas a que se refere esta lei e outros recursos a ele incorporados, devendo ser aplicados com atualização monetária e juros, de modo a assegurar a cobertura de suas obrigações‘. Quando o rendimento da TR é igual ou próximo a zero, verifica-se ilegalidade por afronta ao referido dispositivo.

São inúmeras as vantagens que da utilização da TR advém à CEF na condição de administradora dos seus recursos, em contrapartida aos prejuízos amargados pelos fundidas em decorrência da insuficiente atualização monetária dos valores depositados em sua(s) conta(s) vinculada(s) ao longo de praticamente uma vida inteira. Não se pode olvidar que o FGTS é patrimônio do trabalhador, e que, nessa perspectiva, não pode ser utilizado para subsidiar políticas públicas sem a devida reposição das perdas inflacionárias, sob pena de configurar confisco.

Assim, resta procedente o pedido, devendo a CEF substituir a TR pelo INPC na atualização das contas vinculadas ao FGTS, desde janeiro de 1999, quando criado pelo Banco Central/CMN um redutor na sua apuração.

Caso já realizado o saque, a CEF deverá efetuar o pagamento das diferenças devidas; do contrário, creditar diretamente na(s) conta(s) vinculada(s) as diferenças devidas.

As diferenças devidas deverão ser monetariamente corrigidas pelo INPC, e acrescidas de juros de mora no percentual de 6% ao ano (artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97), a contar da citação (artigo 219, caput, do CPC e Súmula n° 204 do STJ), independentemente de ter havido, ou não, o levantamento do saldo, conforme verbete da Súmula nº 71 do TRF4, in verbisOs juros moratórios são devidos pelo gestor do FGTS e incidem a partir da citação nas ações em que se reclamam diferenças de correção monetária, tenha havido ou não levantamento do saldo, parcial ou integralmente.

 

DISPOSITIVO

Face ao exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para CONDENAR a CEF a pagar / depositar as diferenças resultantes da aplicação do INPC como índice de correção monetária em substituição a TR na(s) conta(s) vinculada(s) ao FGTS da parte autora, desde janeiro de 1999, corrigidas monetariamente pelo INPC desde o vencimento de cada parcela até o pagamento e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês, contados da citação.

Condeno a CEF ao ressarcimento das custas adiantadas pela parte autora e ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais), tendo em vista a simplicidade da demanda e a ausência de dilação probatória, atualizados monetariamente pela TR até o efetivo pagamento.

Eventuais apelações interpostas pelas partes restarão recebidas no duplo efeito (artigo 520, caput, do CPC), salvo nos casos de intempestividade e, se for o caso, ausência de preparo, que serão oportunamente certificados pela Secretaria.

Interposto(s) o(s) recurso(s), caberá à Secretaria, mediante ato ordinatório, abrir vista à parte contrária para contrarrazões, e, na sequência, remeter os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Transcorrido o prazo sem aproveitamento, certifique-se o trânsito em julgado e intimem-se as partes acerca do prosseguimento.

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Novo Hamburgo, 08 de janeiro de 2014.

Maria Cristina Saraiva Ferreira e Silva

Juíza Federal na Titularidade Plena


Documento eletrônico assinado por Maria Cristina Saraiva Ferreira e Silva, Juíza Federal na Titularidade Plena, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.jfrs.jus.br/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 10547385v22 e, se solicitado, do código CRC 2F238281.
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Signatário (a):Maria Cristina Saraiva Ferreira e Silva
Data e Hora:22/01/2014 17:43
sentença FGTS

 

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