A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) desempenha um papel essencial na uniformização de entendimentos sobre matérias previdenciárias. Entre os precedentes de maior relevância, destaca-se o Tema 326, que foi afetado para saber se o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) responde de forma objetiva pelos descontos indevidos efetuados em benefícios, ainda que decorram de fraudes cometidas por terceiros.
Esse entendimento reforça a proteção ao segurado, cujo benefício possui nítido caráter alimentar, e atribui ao INSS a obrigação de zelar pela segurança dos pagamentos.
Fundamentos do Tema 326
A responsabilidade objetiva da Administração Pública, prevista no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, fundamenta-se na ideia de que o Estado deve responder pelos danos causados a terceiros, independentemente de culpa, desde que se comprove o dano e o nexo causal com a omissão ou falha na prestação do serviço.
No caso dos benefícios previdenciários, caso o julgamento na TNU confirme a tese, o INSS deverá arcar com os prejuízos sofridos pelo segurado, ainda que a fraude tenha sido praticada por terceiros. Isso decorre de:
- Caráter alimentar dos benefícios, indispensáveis para a subsistência do segurado;
- Dever de vigilância do INSS, responsável por procedimentos e sistemas capazes de prevenir fraudes;
- Aplicação do princípio da proteção ao hipossuficiente, em virtude da vulnerabilidade socioeconômica de muitos beneficiários.
Com uma eventual consolidação do Tema 326, o segurado prejudicado por descontos indevidos passaria a ter direito não só à restituição integral dos valores descontados, mas também à indenização por danos morais, quando ficar demonstrado o abalo psíquico ou prejuízo à dignidade causado pela redução indevida de sua renda.
Exemplos práticos de fraudes e falhas administrativas
Passaremos agora a demonstrar exemplos comuns no âmbito de falhas administrativas junto ao INSS.
Empréstimos consignados não reconhecidos
- Situação: Dona Maria, aposentada por idade, verifica que seu benefício passou a sofrer descontos mensais referentes a um empréstimo consignado que ela nunca contratou. Ao buscar esclarecimentos, descobre que seus dados pessoais foram utilizados por um terceiro para a obtenção do crédito.
- Implicações: Mesmo que o golpe tenha sido aplicado por um agente externo, o INSS tem o dever de fiscalizar e bloquear empréstimos fraudulentos. Quando isso não ocorre, caracteriza-se a falha na prestação do serviço. De acordo com o Tema 326, a Autarquia deve arcar com a devolução dos valores descontados e, se configurado dano moral (stress, constrangimento, impossibilidade de honrar outras dívidas), pode ser condenada a indenizar Dona Maria.
Desconto de contribuição a sindicato ou associação desconhecida
- Situação: Seu João, segurado do INSS, recebe há anos um benefício de auxílio-doença. De repente, percebe a retenção mensal de uma taxa sindical que não reconhece. Ao investigar, constata que o desconto foi incluído sem seu consentimento e que ele nunca se filiou àquela entidade.
- Implicações: Embora a inclusão indevida possa ter sido solicitada por terceiro de má-fé, o INSS, como responsável pela operacionalização dos descontos, deve verificar a autorização do segurado. Não cumprida essa obrigação, fica sujeito à responsabilização objetiva, restituindo os valores e, caso haja danos extrapatrimoniais (como inscrição indevida em cadastros de devedores ou dificuldade financeira), pode haver condenação em danos morais.
Golpe de reativação de benefício cessado
- Situação: Dona Rosa teve seu benefício suspenso e, posteriormente, alguém reativou indevidamente essa prestação em nome dela, transferindo os valores para outra conta bancária. Ela somente descobriu a fraude quando tentou reabilitar o benefício de forma legítima.
- Implicações: O INSS deve manter controles internos eficientes para que a reativação de benefício exija identificação e documentação adequadas. Se, por falha na segurança, o benefício foi reativado por um fraudador, caberá a responsabilidade objetiva do INSS pelos valores desviados, além da possibilidade de compensação por danos morais.
Reflexos na prática da advocacia previdenciária
Redução do ônus probatório do segurado
O reconhecimento da responsabilidade objetiva implica que o segurado não precisa provar a culpa do INSS: basta demonstrar o dano (desconto ou retenção indevida) e o nexo causal (falha ou omissão administrativa que permitiu a fraude). Isso torna as ações mais céleres e facilita a defesa dos direitos do segurado.
Previsibilidade nas demandas repetitivas
Caso o posicionamento da TNU se firme nesse sentido, haverá maior segurança jurídica, pois uniformiza a solução de casos semelhantes. Advogados poderão fundamentar suas petições diretamente no Tema 326, o que agiliza o julgamento e evita a multiplicidade de entendimentos divergentes em diferentes juizados.
Danos morais em fraudes reincidentes ou graves
Em muitos casos, o desconto indevido pode gerar dificuldades financeiras significativas para o segurado, que depende do benefício para sua sobrevivência. Assim, cabe ao advogado previdenciarista demonstrar o abalo emocional e o dano psicológico decorrentes da retenção indevida, com documentos como extratos bancários, provas de atrasos em contas e eventuais problemas de saúde agravados pelo estresse financeiro.
Atuação nos Juizados Especiais Federais
A maioria das ações sobre descontos indevidos tramita nos Juizados Especiais Federais, em razão de seu caráter de menor complexidade e valor. A decisão da TNU é de observância obrigatória nestes juizados, o que confere celeridade e uniformidade aos processos.
Conclusão
A confirmação do Tema 326 da TNU fortalecerá a proteção do segurado ao reconhecer a responsabilidade objetiva do INSS por descontos indevidos, ainda que resultantes de fraudes de terceiros.
Essa diretriz refletirá a preocupação em salvaguardar o caráter alimentar dos benefícios previdenciários, evitando que o segurado, parte vulnerável da relação, arque com as consequências de falhas na vigilância e nos procedimentos administrativos.
Para a advocacia previdenciária, trata-se de um importante posicionamento, trazendo segurança jurídica e embasando não apenas pedidos de restituição de valores descontados, mas também indenizações por danos morais, quando evidenciado o prejuízo emocional e financeiro ao segurado.
A título de orientação, é fundamental que o profissional se atenha à coleta de provas que demonstrem o nexo de causalidade, bem como as repercussões na vida do cliente, qualificando a demanda e otimizando a defesa dos direitos previdenciários perante o Judiciário.
Nesse contexto, o Tema 326, portanto, reafirmará o dever do Estado brasileiro em salvaguardar direitos fundamentais, conferindo maior solidez e confiabilidade à prestação previdenciária, bem como garantindo a compensação ao dano efetuado, não somente no aspecto material, como no extrapatrimonial.
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