Ementa para citação:

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. AFASTAMENTO DE REGRA NORMATIVA EM CONTROLE DIFUSO. POSSIBILIDADE. OIT. CONVENÇÃO 169. ESTATUTO DO ÍNDIO. LEI 6.001/73. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PROTEÇÃO SOCIAL. GENITORA INDÍGENA COM IDADE INFERIOR A 16 ANOS. SEGURADA ESPECIAL. SALÁRIO-MATERNIDADE. DIREITO. RECONHECIMENTO.

1. De acordo com Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos, quando presente evidente relevo social, independentemente de os potenciais titulares terem a possibilidade de declinar a fruição do direito afirmado na ação. 2. No caso, não está em discussão, apenas e tão somente, o direito, e respectivos limites, à concessão de determinado benefício previdenciário. A discussão revela transcendência, delimitando a pertinência da atuação ministerial na tutela de direitos indígenas (art. 129, V da CF), ainda que veicule pretensão de matéria de natureza previdenciária. 3. Mostra-se possível a utilização da Ação Civil Pública, assim como qualquer outro instrumento processual, a fim de obter pronunciamento que declare, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, particularmente quando esta declaração constituir-lhe a sua causa de pedir e não o próprio pedido. 4. No presente feito, o pedido do MPF não visa declaração de inconstitucionalidade – em abstrato e com efeito erga omnes – de ato normativo, mas tão somente o afastamento da incidência dos artigos 9º e 11 do Decreto 3.048/99, para que se garanta auxílio maternidade às adolescentes indígenas grávidas e menores de 16 anos. 5. A pretensão veiculada na presente demanda visa, tão somente, à luz dos demais princípios protetivos, que seja desconsiderado o limite de idade como requisito necessário à concessão do salário-maternidade às mulheres indígenas. Inexiste na exordial, portanto, impugnação de ato normativo abstrato que corresponda à ineficácia de qualquer diploma legislativo, de modo que, deve ser rejeitada esta preliminar. 6. Ao cotejar a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, a Declaração das Nações Unidas, a Constituição e Estatuto do Índio – Lei 6001/73, é possível extrair um núcleo básico de proteção social ao trabalho indígena contendo, dentre outras garantias, o direito à não discriminação (direitos trabalhistas e previdenciários em igualdades de condições com não índios e igualdade de oportunidades entre homens e mulheres indígenas e mais desdobramentos quanto ao acesso ao emprego, isonomia salarial, assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho, seguridade social, habitação e direito de associação. Logo, a proteção previdenciária, também, impõe-se aos indígenas. 7. A norma do art. 7°, inciso XXXIII, da CF tem caráter protetivo, visando coibir a exploração do trabalho das crianças e adolescentes, preservando o seu direito à educação, ao lazer e à saúde. Não se coaduna, portanto, com a finalidade da lei valer-se dessa regra para negar aos trabalhadores menores direitos previdenciários e trabalhistas reconhecidos aos trabalhadores maiores de idade. 8. Assim, sob pena de estabelecer uma discriminação à mulher indígena impúbere, comprovada a maternidade e a qualidade de segurada especial da mulher indígena durante o período de carência, deve ser concedido o benefício de salário-maternidade. 9.

(TRF4 5061478-33.2014.404.7000, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 29/08/2016)


INTEIRO TEOR

APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5061478-33.2014.4.04.7000/PR

RELATOR:SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
APELANTE:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
APELADO:MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. AFASTAMENTO DE REGRA NORMATIVA EM CONTROLE DIFUSO. POSSIBILIDADE. OIT. CONVENÇÃO 169. ESTATUTO DO ÍNDIO. LEI 6.001/73. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PROTEÇÃO SOCIAL. GENITORA INDÍGENA COM IDADE INFERIOR A 16 ANOS. SEGURADA ESPECIAL. SALÁRIO-MATERNIDADE. DIREITO. RECONHECIMENTO.

1. De acordo com Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos, quando presente evidente relevo social, independentemente de os potenciais titulares terem a possibilidade de declinar a fruição do direito afirmado na ação. 2. No caso, não está em discussão, apenas e tão somente, o direito, e respectivos limites, à concessão de determinado benefício previdenciário. A discussão revela transcendência, delimitando a pertinência da atuação ministerial na tutela de direitos indígenas (art. 129, V da CF), ainda que veicule pretensão de matéria de natureza previdenciária. 3. Mostra-se possível a utilização da Ação Civil Pública, assim como qualquer outro instrumento processual, a fim de obter pronunciamento que declare, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, particularmente quando esta declaração constituir-lhe a sua causa de pedir e não o próprio pedido. 4. No presente feito, o pedido do MPF não visa declaração de inconstitucionalidade – em abstrato e com efeito erga omnes – de ato normativo, mas tão somente o afastamento da incidência dos artigos 9º e 11 do Decreto 3.048/99, para que se garanta auxílio maternidade às adolescentes indígenas grávidas e menores de 16 anos. 5. A pretensão veiculada na presente demanda visa, tão somente, à luz dos demais princípios protetivos, que seja desconsiderado o limite de idade como requisito necessário à concessão do salário-maternidade às mulheres indígenas. Inexiste na exordial, portanto, impugnação de ato normativo abstrato que corresponda à ineficácia de qualquer diploma legislativo, de modo que, deve ser rejeitada esta preliminar. 6. Ao cotejar a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, a Declaração das Nações Unidas, a Constituição e Estatuto do Índio – Lei 6001/73, é possível extrair um núcleo básico de proteção social ao trabalho indígena contendo, dentre outras garantias, o direito à não discriminação (direitos trabalhistas e previdenciários em igualdades de condições com não índios e igualdade de oportunidades entre homens e mulheres indígenas e mais desdobramentos quanto ao acesso ao emprego, isonomia salarial, assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho, seguridade social, habitação e direito de associação. Logo, a proteção previdenciária, também, impõe-se aos indígenas. 7. A norma do art. 7°, inciso XXXIII, da CF tem caráter protetivo, visando coibir a exploração do trabalho das crianças e adolescentes, preservando o seu direito à educação, ao lazer e à saúde. Não se coaduna, portanto, com a finalidade da lei valer-se dessa regra para negar aos trabalhadores menores direitos previdenciários e trabalhistas reconhecidos aos trabalhadores maiores de idade. 8. Assim, sob pena de estabelecer uma discriminação à mulher indígena impúbere, comprovada a maternidade e a qualidade de segurada especial da mulher indígena durante o período de carência, deve ser concedido o benefício de salário-maternidade. 9.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que integram o presente julgado.

Porto Alegre (RS), 24 de agosto de 2016.

Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE

Relatora


Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8476625v12 e, se solicitado, do código CRC 9CE3D257.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Salise Monteiro Sanchotene
Data e Hora: 29/08/2016 15:25

APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5061478-33.2014.4.04.7000/PR

RELATOR:SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
APELANTE:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
APELADO:MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RELATÓRIO

O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública com pedido de tutela antecipada em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), requerendo prestação jurisdicional no sentido de se garantir benefício salário maternidade a todas as mulheres indígenas menores de 16 anos de idade, de forma que a decisão proferida tenha abrangência nacional, o que também resulta em benefício à própria celeridade e eficiência processuais, direitos fundamentais alçados à expressa estatura constitucional pela Emenda n. 45/2004 (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Magna). Não se aplicando, portanto, à questão em tela, a limitação contida no art. 2º-A, caput, da Lei n. 9.494/97.

Após regular instrução, sobreveio sentença (evento 21 do processo eletrônico originário) julgando parcialmente procedente o pedido nos seguintes termos:

(…)

Indefiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, porque não comprovado o periculum in mora.

 

“Pelo exposto acolho, em parte, o pedido inicial, na forma do art. 269, I, do CPC, para condenar o INSS na obrigação de se abster de considerar o critério etário para deferimento ou indeferimento do benefício de salário-maternidade às seguradas especiais indígenas.”

Irresignado, o INSS interpôs recurso de apelação (evento 25 do eProc originário). Nas suas razões, alega, em preliminar, a inadequação da via difusa para controle concentrado de constitucionalidade e a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal. No mérito, refere que o Estado não se nega a amparar gestantes menores de 16 anos e seus filhos, mas isso não deve ocorrer com o pagamento de benefício substitutivo de mão-de-obra de menores. E o salário maternidade, como se sabe, é substitutivo da remuneração da segurada!. Diz que a função do Estado, considerando-se a gravidez na infância e na adolescência como uma fatalidade, é garantir atendimento médico e devida assistência tanto para a gestante como para o recém-nascido, independentemente de se tratar ou não de indígena.

Consigna que a prosperar o entendimento defendido pela parte autora (e acolhido pela sentença recorrida), provavelmente provocar-se-ia um aumento no número de crianças e adolescentes grávidas nas comunidades indígenas, expectantes de um direito visivelmente inconstitucional, que se analisado sistemicamente milita, em verdade, em seu desfavor.

Salienta que o efeito multiplicador da tese defendida pela parte autora tem, ainda, o potencial de catalisar o número de crianças e adolescentes grávidas nas comunidades indígenas (naturalmente uma gravidez de risco, ante a questão etária), apresentando-se, destarte, como importante questão de saúde pública. Anota que sob o ponto de vista estritamente jurídico, o indeferimento, pelo INSS, dos requerimentos de salário-maternidade propostos por indígenas menores de 16 anos decorre a vedação do trabalho nessa idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos (CR88, art. 7º, XXXIII) e, por consequência, do estabelecido nos arts. 9º e 11, do RGPS (Decreto nº 3.048/99) e na Instrução Normativa INSS/PRES nº 45/2010. Por fim, requer o provimento do recurso, extinguindo-se a ação nos termos do art. 267, VI do CPC/73. No caso de ser mantida a sentença, requer manifestação expressa das normas invocadas no recurso para fins de prequestionamento.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 28 – CONTRAZAP1).

O feito eletrônico alçou a esta Corte, onde foi autuado e distribuído.

Nesta instância, a Procuradoria Regional da República emitindo parecer, opinou pelo desprovimento do apelo (evento 6 – PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.

Compulsando os autos, constato que inexistem motivos para alterar a solução de parcial procedência conferida no primeiro grau.

 Preliminares.

1- Ilegitimidade ativa do Ministério Público.

Inicialmente, quanto à legitimidade ministerial para a propositura de ações civis públicas, quando em voga direitos individuais homogêneos, sinale-se que, excepcionando-se as hipóteses relacionadas com interesses ou direitos dos consumidores, não se desconhece a existência de posicionamentos mais restritivos. Contudo, a jurisprudência pátria evoluiu no sentido de admitir pretensões de tutela coletiva de interesse de segurados e beneficiários da Previdência e Assistência Social, como se pode ver dos seguintes arestos:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. OMISSÃO VERIFICADA. EMBARGOS ACOLHIDOS, COM EFEITOS MODIFICATIVOS, PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que o Ministério Público detém legitimidade processual para propor ação civil pública que trate de matéria previdenciária, em face do relevante interesse social envolvido. Precedentes. 2. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para negar provimento ao recurso especial. (EDcl no AgRg no REsp 1064075/RS, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), SEXTA TURMA, julgado em 02/04/2013, DJe 12/04/2013)

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. De acordo com a jurisprudência atual desta Corte, o Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ação judicial que vise a defesa de direitos individuais homogêneos tendo em vista o relevante interesse social na causa. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1174005/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 01/02/2013)

Na mesma linha já decidiu o Supremo Tribunal Federal “o Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos, quando presente evidente relevo social, independentemente de os potenciais titulares terem a possibilidade de declinar a fruição do direito afirmado na ação.” (AgRg no AI 516.419/PR, 2.ª Turma, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 30/11/2010).

Na hipótese, não está em discussão, apenas e tão somente, o direito e respectivos limites à concessão de determinado benefício previdenciário. A discussão revela transcendência, delimitando a pertinência da atuação ministerial na tutela de direitos indígenas (art. 129, V da CF), ainda que veicule pretensão de matéria de natureza previdenciária.

Nesse sentido, confira-se:

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SALÁRIO-MATERNIDADE. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE RURAL COMO INDÍGENA. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL. BENEFÍCIO DEVIDO A PARTIR DOS 14 ANOS DE IDADE. CABIMENTO. 1. Em ação civil pública, pretende o Ministério Público Federal assegurar às índias Maxakali o reconhecimento da qualidade de seguradas especiais para fins de concessão do benefício previdenciário de salário-maternidade. 2. O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de ser legítima a atuação do Ministério Público na defesa de direitos que, embora individuais, possuam relevante interesse social, pois os chamados direitos individuais homogêneos estariam incluídos na categoria de direitos coletivos abrangidos pelo art. 129, inc. III, da Constituição da República. 3. Para além de ser um direito social elencado (art. 6º) na Constituição Federal, a proteção à maternidade se constitui em um dos focos de atendimento da previdência social (art. 201, inciso II). E, mesmo que diretamente consista em prestação pecuniária, tem por escopo assegurar a dignidade da pessoa tanto da mãe quanto do filho, em período especialmente delicado, diante dos inúmeros cuidados exigidos para a proteção da saúde do novo indivíduo. Tal importância se sobreleva quando os afetados pertencem a minorias indígenas, às quais, por serem consideradas mais vulneráveis, a lei atribuiu especial atenção por parte do Estado. 4. A teor do laudo antropológico juntado aos autos, as jovens índias Maxakali começam a exercer atividades rurícolas e domésticas desde muito cedo, as quais se iniciam com um caráter lúdico e educativo e, progressivamente, vão ganhando contornos de efetiva participação no trabalho familiar, se constituindo tal fato em parte do processo de socialização das crianças. 5. Na comunidade indígena Maxakali, não há um momento ritualmente demarcado para o casamento e somente o nascimento do primogênito é que consolida as uniões afetivas. Essa circunstância, associada ao fato de que a sociedade em questão não dispõe de formas de contagem de tempo semelhantes à do Ocidente, não havendo preocupação com idade, contribui para uma primeira gestação precoce, geralmente entre 13 (treze) e 16 (dezesseis) anos de idade. 6. Embora o art. 7º, XXXIII, da CF, proíba o trabalho de menores de 16 (dezesseis) anos de idade, na hipótese, interpretar a norma em desfavor das índias Maxakali seria descabido. A uma, porque é próprio dos usos e costumes daquela comunidade o exercício de atividades laborativas desde cedo e o Estatuto do Índio prevê a adaptação das condições de trabalho dos índios à sua cultura. A duas, porque seria interpretar a Constituição Federal em sentido oposto à sua finalidade, vez que referida norma constitucional tem caráter protetivo, visando a coibir a exploração do trabalho das crianças e dos adolescentes, preservando o seu direito à educação, ao lazer e à saúde. 7. A vedação do trabalho do menor de 16 anos não é absoluta, pois há possibilidade de desempenho de atividades a partir dos 14 anos de idade, na condição de aprendiz. Assim, a situação da indígena maior de 14 anos e menor de 16 anos que trabalha em atividades rurícolas, domésticas e de extrativismo pode ser equiparada à do aprendiz, pois ambos dão os primeiros passos para adquirir os conhecimentos e a habilidade necessários ao exercício de suas atividades. 8. Apelação a que se nega provimento. (TRF1, 1ª Turma, AC 2005.38.00.005481-5, Relator Des. Federal Kassio Nunes Marques, publicado no e-DJF1 em 10-12-2012).

Não por outro motivo, este Regional, em situação análoga, já reconheceu a legitimidade ativa do MPF para a propositura de ação civil pública. Veja-se:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SALÁRIO-MATERNIDADE. INDÍGENAS. 1. Este Tribunal vem reconhecendo a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor ação civil pública na defesa dos direitos individuais homogêneos em matéria previdenciária, à luz do entendimento atualizado do Supremo Tribunal Federal. Hipótese, ademais, em que se discute sobre direito de indígenas de idade inferior a 16 anos, de modo que a legitimidade do Ministério Público Federal decorre do que expressamente dispõem os artigos 129

da CF, e 5º e 6º da LC 75/93. 2. (…). (AI n.º 5001913-31.2010.404.0000/RS, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti, DE em 17-12-2010).

Desse modo, afasto a tese de ilegitimidade do MPF aventada no recurso do INSS.

2) Inadequação da via difusa para controle concentrado de constitucionalidade.

Igualmente merece ser desacolhida a alegação de que se mostra inadequada a via difusa para controle concentrado de constitucionalidade. Isso porque, no presente feito, o pedido do MPF não visa à declaração de inconstitucionalidade – em abstrato e com efeito erga omnes – de ato normativo, mas tão somente ao afastamento da incidência dos artigos 9º e 11 do Decreto 3.048/99, para que se garanta auxílio-maternidade às adolescentes indígenas grávidas e menores de 16 anos. Logo, está-se diante de questionamento incidental de constitucionalidade.

A propósito, é consabido que a inconstitucionalidade de lei ou o ato normativo pode ser objeto de análise em sede incidental, notadamente, quando se postula a inaplicação dos seus efeitos concretos, como é o caso da citada norma previdenciária.

Em verdade, mostra-se possível a utilização da Ação Civil Pública, assim como de qualquer outro instrumento processual, a fim de se obter pronunciamento que declare, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, particularmente quando esta declaração constituir-lhe a sua causa de pedir e não o próprio pedido.

Admite-se, portanto, a possibilidade de declaração incidental de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos do poder público, desde que a controvérsia constitucional não figure como pedido, mas sim como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal.

Nada obsta, ainda, o uso de ação civil pública que vise à obtenção de bem jurídico concreto, transindividual e perfeitamente definido, de ordem patrimonial, sob o fundamento de ser inconstitucional o dispositivo legal que estaria impedindo seu gozo.

Nas contrarrazões de apelação (evento 28 do processo originário) consta lição de Nelson Nery Júnior, pertinente ao caso, que utilizo como fundamento para decidir o tópico, in verbis:

(…) O objeto da ACP é a defesa de um dos direitos tutelados pela CF, pelo CDC, pela LACP.

A ACP pode ter como fundamento a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. O objeto da ADIn é a declaração, em abstrato, da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, com a consequente retirada da lei declarada inconstitucional do mundo jurídico por intermédio da eficácia erga omnes da coisa julgada. Assim, o pedido na ACP é a proteção do bem da vida tutelado pela CF, CDC ou LACP, que pode ter como causa de pedir a inconstitucionalidade de lei, enquanto o pedido na ADIn será a própria declaração de inconstitucionalidade da lei. São inconfundíveis os objetos da ACP e da ADIn.

Como a competência para processamento e julgamento da ADIn é do STF (art. 102, I, a), não pode ser feito pedido na ACP de declaração, em abstrato, da inconstitucionalidade da lei ou ato normativo. Caso isso ocorra, terá havido invasão de competência do STF, cabendo reclamação junto ao Pretório Excelso, cuja competência é do Plenário (RISTF art. 6º, I, “g”), para que seja preservada esta competência (CF art. 102, I, “l” e RISTF 156/162). (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, São Paulo, 2003, RT, p. 1309).

A pretensão veiculada na presente demanda visa, tão somente, à luz dos demais princípios protetivos, a que seja desconsiderado o limite de idade como requisito necessário à concessão do salário-maternidade às mulheres indígenas. Inexiste na exordial, portanto, impugnação de ato normativo abstrato que corresponda à ineficácia de qualquer diploma legislativo, de modo que deve ser rejeitada esta preliminar.

Mérito.

No que tange ao objeto principal da ACP, a sentença de lavra MMª Juíza Federal Ana Carine Busato Daros Renosto (evento 21 – SENT1 do eProc originário), em razão dos sólidos fundamentos utilizados, deve ser mantida. Reproduzo excerto:

Pretende o MPF que o INSS desconsidere o critério etário para a análise e concessão do benefício do salário-maternidade às mulheres indígenas seguradas especiais.

Sobre o tema, assim dispõe a legislação previdenciária:

Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. (Texto alterado pela Lei n.º 10.710, de 05-08-2003).

Como se vê, para fazer jus ao benefício, a autora deve demonstrar a maternidade e a condição de segurada da Previdência Social.

O INSS reconhece que a mulher indígena é qualificada como segurada especial para fins previdenciários, ‘desde que não esteja incorporada ao cotidiano urbano de vida ou de trabalho’ (evento 06, PET1, fl. 10), porquanto, nesse caso de incorporação, pode estar sujeita a outra qualificação (por exemplo, empregada, empregada doméstica, avulsa, contribuinte individual ou facultativa).

Para a segurada especial, o art. 73, II, estipula:

Art. 73. Assegurado o valor de um salário-mínimo, o salário-maternidade para as demais seguradas, pago diretamente pela Previdência Social, consistirá: (Redação dada pela Lei nº 10.710, de 5.8.2003)

(…)

II – em um doze avos do valor sobre o qual incidiu sua última contribuição anual, para a segurada especial; (Incluído pela lei nº 9.876, de 26.11.99)

Tal previsão é complementada pelo art. 93, §2º, do Decreto nº 3.048/99, com redação pelo Decreto nº 5.545/05:

§ 2o Será devido o salário-maternidade à segurada especial, desde que comprove o exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua, aplicando-se, quando for o caso, o disposto no parágrafo único do art. 29. (Redação dada pelo Decreto nº 5.545, de 2005)

A questão etária que o Ministério Público Federal pretende superar advém da proibição constitucional de ‘qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz,a partir dos 14 (quatorze) anos’ (art. 7º, XXXIII, CF/88), razão pela qual não seria possível que a menor indígena de 16 anos estivesse admitida no RGPS como segurada especial e, conseqüentemente, pudesse receber salário maternidade.

No entanto, a norma do art. 7°, inciso XXXIII, da CF tem caráter protetivo, visando coibir a exploração do trabalho das crianças e adolescentes, preservando o seu direito à educação, ao lazer e à saúde. Não se coaduna, portanto, com a finalidade da lei valer-se dessa regra para negar aos trabalhadores menores direitos previdenciários e trabalhistas reconhecidos aos trabalhadores maiores de idade.

Nesse sentido, os seguintes julgados:

PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO – TRABALHADOR RURAL – MENOR DE 14 ANOS – ART. 7°, INC. XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – TRABALHO REALIZADO EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR – COMPROVAÇÃO PARCIAL.

– A norma constitucional insculpida no art. 7°, inciso XXXIII, da Constituição Federal, tem caráter protecionista, visando coibir o trabalho infantil, não podendo servir, porém, de restrição aos direitos do trabalhador no que concerne à contagem de tempo de serviço para fins previdenciários. Tendo sido o trabalho realizado pelo menor de 14 anos, há que se reconhecer o período comprovado para fins de aposentadoria. (…). (STJ, RESp n.° 386.538, 5ª Turma, Rel. Ministro Jor

ge Scartezzini, DJU, Seção I, de 07-04-2003, p.310).

PREVIDENCIÁRIO SALÁRIO-MATERNIDADE. INDÍGENA. TRABALHADORA RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL COMPROVADA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. ART. 7º, XXXIII, DA CF DE 1988. 1. Para fins previdenciários, os trabalhadores rurais indígenas recebem o mesmo tratamento conferido aos trabalhadores rurais boias-frias, devendo o pedido ser analisado e interpretado de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do STJ e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149 do STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. 2. Demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial durante o período de carência, tem direito a autora à percepção do salário-maternidade. 3. Incabível a evocação da proibição do art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal de 1988, para indeferir o pedido da autora, ante o caráter protetivo da norma. (TRF4, AC 0011850-24.2013.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 23/08/2013)

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA. SALÁRIO MATERNIDADE. TRABALHADORES INDÍGENAS. REQUISITO ETÁRIO. RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO AGRAVADA AOS LIMITES DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO ÓRGÃO PROLATOR. 1. Este Tribunal vem reconhecendo a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor ação civil pública na defesa dos direitos individuais homogêneos em matéria previdenciária, à luz do entendimento atualizado do Supremo Tribunal Federal. Hipótese, ademais, em que se discute sobre direito de indígenas de idade inferior a 16 anos, de modo que a legitimidade do Ministério Público Federal decorre do que expressamente dispõem os artigos 129 da CF, e 5º e 6º da LC 75/93. 2. A vedação do trabalho do menor não é absoluta, pois há possibilidade de desempenho de atividade laboral a partir dos 14 anos de idade, na condição de aprendiz. Esse limite etário comporta exceções, especialmente no caso das índias menores de idade, uma vez que a maternidade precoce tem por objetivo manter a própria sobrevivência dos povos indígenas. 3. Hipótese em que o auxílio-maternidade surge de forma distinta para os indígenas, seja pela organização social própria, seja pela sobrevivência da etnia. Logo, o limite convencional de idade precisa ser relevado como forma de conferir efetividade integral ao direito protetivo da criança e de sua mãe, no propósito de conferir interpretação do art. 231 da Carta federal, harmonizado ao contexto multicultural e dignidade humana da população indígena. 4. Caso em que a possibilidade de concessão de salário-maternidade não tem a intenção de incentivar a concepção precoce ou mesmo estimular o trabalho infantil, do adolescente ou da criança, mas sim garantir o direito à maternidade das índias menores de 16 anos de idade, que se realiza em condições distintas e especiais, merecendo tratamento diferenciado. 5. O entendimento de que a sentença na ação civil pública faz coisa julgada ‘erga omnes’ nos limites da competência territorial do órgão prolator, nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, comporta exceções, especialmente no caso em tela, na medida em que o indeferimento dos pedidos de salário-maternidade, requeridos pelas mães adolescentes indígenas, não se restringem às Agências do INSS localizadas na Capital, mas sim a totalidade do Estado de Santa Catarina. Caso de presunção de que a ocorrência de concentração dos povos indígenas se dê em maior número nas regiões localizadas no interior daquele Estado, de forma que limitar os efeitos da decisão à Subseção Judiciária do órgão prolator da sentença, certamente causará um ‘esvaziamento’ muito grande da proteção buscada com a presente ação. (TRF4, AC 5010723-55.2012.404.7200, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 17/09/2013)

Dessa forma, entendo que deve ser dado provimento ao pedido, para que o INSS se abstenha de considerar o critério etário para indeferimento do benefício de salário-maternidade às seguradas especiais indígenas. (…).

A despeito de tais fundamentos, cabe aqui tecer mais algumas considerações sobre a proteção legislativa aos indígenas.

Pois bem. Com a edição de legislação de tutela, o Estatuto do Índio – Lei 6.001/73, e, principalmente, com a Constituição de 1988, houve a consagração do respeito aos povos tradicionais com uma conquista de bases orientadoras para uma nova história. Neste norte, a edição da Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, em 1989, ratificada pelo Brasil em 2002, provoca uma mudança de paradigmas quanto ao respeito, preservação e inserção social igualitária dos povos tradicionais.

O aludido diploma internacional elenca três espécies de normas que se pode invocar para a tutela do trabalho indígena, a saber, as de diretrizes políticas, as de proteção ao trabalho e as de seguridade e saúde. Neste cabedal, como principais garantias asseguradas aos povos tradicionais, importa, para o caso em exame, a compreensão dos seguintes dispositivos:

1) gozo pleno dos direitos humanos e fundamentais, sem obstáculos nem discriminação (art. 3º., 1);

2) aplicação das disposições da própria Convenção 169 com reconhecimento e proteção dos valores e práticas sociais, culturais, religiosas e espirituais próprias dos povos tradicionais, com respeito à integridade desses valores, práticas e instituições, e adoção, com a sua participação e cooperação, de medidas voltadas a aliviar dificuldades que possam ser experimentadas ao enfrentarem novas condições de vida e de trabalho (art. 5º);

3) direito à não discriminação (acesso ao emprego, isonomia, salarial, assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho, seguridade social, habitação e direito de associação – art. 20, 2);

Já no Estatuto do Índio, colhem-se, dentre outras, as seguintes regras: – direito de não discriminação e direito de gozo pleno dos direitos trabalhistas e previdenciários – art. 14;

Registre-se que coube à Constituição da República garantir, ainda, o direito de acesso à justiça aos índios, suas comunidades e organizações, com a intervenção do Ministério Público em todos os atos do processo.

Assim, ao cotejar a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, a Declaração das Nações Unidas, a Constituição e o Estatuto do Índio – Lei 6001/73, é possível extrair um núcleo básico de proteção social ao trabalho indígena contendo, dentre outras garantias, o direito a não discriminação (direitos trabalhistas e previdenciários em igualdades de condições com não índios e igualdade de oportunidades entre homens e mulheres indígenas e mais desdobramentos quanto ao acesso ao emprego, isonomia salarial, assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho, seguridade social, habitação e direito de associação).

Logo, a proteção previdenciária, também, impõe-se aos indígenas.

No caso em exame, a questão etária posta pelo INSS e que o Ministério Público Federal quer ver superada, tem origem na interpretação que se dá ao art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, que veda qualquer trabalho para menores 16 anos, salvo na condição de aprendiz. Logo, de acordo com essa lógica, a mulher indígena com idade inferior a 16 anos não poderia ser enquadrada no RGPS como segurada especial.

Efetivamente, o limite mínimo de idade para que alguém possa trabalhar é garantia co

nstitucional em prol da criança e do adolescente, vale dizer, norma protetiva estabelecida na legislação trabalhista e previdenciária.

No entanto, aludida regra, editada para proteger pessoas com idade inferior a 16 anos, não pode prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional, efetivamente trabalharam.

A história constitucional brasileira demonstra que o trabalho já foi permitido a partir dos 12 (doze) anos, depois a partir dos 14 (catorze) anos, e, após a EC n. 20/1998, a partir dos 16 (dezesseis) anos, salvo a partir dos 14 (catorze), na condição de aprendiz.

É certo que as normas constitucionais anteriores à EC n. 20/1998 reconheciam a realidade do trabalhador brasileiro, principalmente das áreas rurais, que desde cedo labutavam na lavoura, ao lado de seus pais.

Embora a idade mínima para o trabalho tenha sido alterada pela Constituição, é público e notório que a realidade pouco mudou, apesar dos avanços socioeconômicos do país.

O Supremo Tribunal Federal, já enfrentou o assunto, posicionando-se, desta forma:

ACIDENTE DO TRABALHO. SEGURO OBRIGATÓRIO ESTABELECIDO NO ART. 165- XVI DA CONSTITUIÇÃO: ALCANCE. CONTRATO LABORAL COM AFRONTA A PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO DO MENOR DE DOZE ANOS. Menor de doze anos que prestava serviços a um empregador, sob a dependência deste, e mediante salário. Tendo sofrido o acidente de trabalho faz jus ao seguro próprio. Não obsta ao beneficio a regra do art. 165-X da Carta da Republica, que foi inscrita na lista das garantias dos trabalhadores em proveito destes, não em seu detrimento. Recursos extraordinários conhecidos e providos. (STF, RE 104.654-6/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Rezek, julgado unânime em 11.03.86, DJ 25.04.86, p. 6.514)

Do voto do ilustre Ministro Relator, extrai-se:

 

Está claro, ainda, que a regra do inciso X do mesmo dispositivo constitucional – proibindo qualquer trabalho ao menor de doze anos – foi inscrita na lista das garantias dos trabalhadores em proveito destes, e não em seu detrimento. Não me parece, assim, razoável o entendimento da origem, que invoca justamente uma norma voltada para a melhoria da condição social do trabalhador, e faz dela a premissa de uma conclusão que contraria o interesse de seu beneficiário, como que a prover nova espécie de ilustração para a secular ironia “summum jus, summa injuria”.

Vale anotar, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça, vem, reiteradamente, reconhecendo para fins previdenciários o tempo de serviço rural desempenhado antes da idade mínima constitucionalmente imposta, como se constata, apenas a título de exemplo, das decisões assim ementadas:

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO. RURÍCOLA. MENOR DE 12 ANOS. LEI Nº 8.213/91, ART. 11, INCISO VII. PRECEDENTES. SÚMULA 07/STJ. 1 – Demonstrado o exercício da atividade rural do menor de doze anos, em regime de economia familiar, o tempo de serviço é de ser reconhecido para fins previdenciários, porquanto as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para prejudicá-lo. Precedentes. 2 – Recurso especial conhecido. (STJ, RE 331.568/RS, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado unânime em 23.10.2001, DJ 12.11.2001)

 

PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR AOS 14 ANOS DE IDADE – POSSIBILIDADE – NORMA CONSTITUCIONAL DE CARÁTER PROTECIONISTA – IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO AOS DIREITOS DO TRABALHADOR – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA – ART. 255 E PARÁGRAFOS DO RISTJ. – Desde de que comprovada atividade rural por menor de 12 (doze) anos de idade, impõe-se o seu reconhecimento para fins previdenciários. Precedentes. – A simples transcrição de ementas não é suficiente para caracterizar o dissídio jurisprudencial apto a ensejar a abertura da via especial, devendo ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, bem como, juntadas certidões ou cópias integrais dos julgados paradigmas. – Inteligência do art. 255 e seus parágrafos do RISTJ. – Precedentes desta Corte. – Recurso parcialmente conhecido, e nessa parte provido. (STJ, RE 396.338/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado unânime em 02.04.2002, DJ 22.04.2002)

 

Nessa quadra, sob pena de se estabelecer uma discriminação à mulher indígena impúbere, deve ser afastado o requisito etário configurador da especialidade do segurado.

A propósito, a Terceira Seção desta Corte, também, já se posicionou sobre o assunto:

AÇÃO CIVIL PÚIBLICA. PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. BENEFÍCIO REQUERIDO POR INDÍGENAS MENORES DE 16 ANOS. PROCESSAMENTO PELO INSS. OBRIGATORIEDADE. DELIMITAÇÃO GEOGRÁFICA DOS EFEITOS DA DECISÃO. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. Comprovado o exercício da atividade rural em período em que a autora ainda não contava 16 anos de idade (art. 7º, inc. XXXIII, da CF), é de ser reconhecido para fins previdenciários o tempo de serviço respectivo, uma vez que não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciários os menores de idade que exerçam efetivamente atividade laboral, ainda que contrariamente à Constituição e à lei no tocante à idade mínima permitida para o referido trabalho, porquanto a norma editada para proteger o menor não pode prejudicá-lo naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional, efetivamente trabalhou. Precedentes do STF e do STJ. 2. Consagrada orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que não pode deixar de ser adotada aos trabalhadores indígenas, sob pena de estabelecer uma discriminação injustificada em detrimento de grupo social constitucionalmente protegido. 3. O alcance da sentença proferida em ação civil pública deve levar em consideração a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (REsp 1243887/PR, Corte Especial, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 12-12-2011). 4. Orientação jurisprudencial que desafiaria a atribuição de efeitos nacionais à decisão, tendo em conta a extensão do dano e a natureza da demanda (que objetiva compelir a Autarquia Previdenciária a receber e processar os pedidos de salário-maternidade das trabalhadoras indígenas menores de 16 anos, sem opor-lhes tal condição como fundamento para indeferimento do pedido). No entanto, considerando os limites do pedido formulado na petição inicial, os efeitos da presente ação civil pública ficam restritos ao território do Estado de Santa Catarina. (TRF4, EMBARGOS INFRINGENTES Nº 5010723-55.2012.404.7200, 3ª SEÇÃO, Des. Federal CELSO KIPPER, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 15/05/2014)

 

No mesmo sentido, acórdão da Sexta Turma desta Corte:

PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE SALÁRIOMATERNIDADE. SEGURADA MENOR DE IDADE. CABIMENTO. ART. 7°, XXXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.

HONORÁRIOS DE ADVOGADO. CUSTAS. 1. Demonstrada a maternidade e a qualidade de segurada, há que ser deferido o salário-maternidade, desde o requerimento administrativo, independentemente de idade. Incabível a evocação da proibição do art. 7°, XXXIII, da Constituição Federal para indeferir o pedido da autora, ante o caráter protetivo da norma. 2. A correção monetária deve ser calculada pelo IGP-DI à luz da Lei nº 9.711/98, devendo incidir desde o vencimento de cada parcela. 3. Juros de mora de 1% ao mês (EREsp n.º 207.992/CE), a contar da citação. 4. Versando a causa sobre o benefício de salário-maternidade, os honorários devem corresponder a R$ 260,00, sob pena de estar-se aviltando a remuneração do profissional que atuou na causa. 5. O INSS está isento de custas quando demandado na Justiça Federal. (TRF 4ª Região, AC n.º 2001.71.08.004977-9/RS, 6ª Turma, DJU, Seção 2, de 30-03-2005).

Cabe enfatizar, ademais, que a concessão do benefício de salário-maternidade não constitui óbice ao desenvolvimento ou exteriorização da cultura indígena.

Assim, comprovada a maternidade e a qualidade de segurada especial da mulher indígena durante o período de carência, deve ser concedido o benefício de salário-maternidade.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e à remessa oficial.

Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE

Relatora


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Signatário (a): Salise Monteiro Sanchotene
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 24/08/2016

APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5061478-33.2014.4.04.7000/PR

ORIGEM: PR 50614783320144047000

RELATOR:Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
PRESIDENTE:Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR:Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza
APELANTE:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
APELADO:MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 24/08/2016, na seqüência 338, disponibilizada no DE de 08/08/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL.

RELATOR ACÓRDÃO:Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
VOTANTE(S):Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
:Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
:Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO

Gilberto Flores do Nascimento

Diretor de Secretaria


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