Ementa para citação:

EMENTA:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ART. 485, IV, E ART. 320, CPC.

1. Diante do caráter social das normas previdenciárias, que primam pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente, o que lhe garante flexibilização dos rígidos institutos processuais.

2. A ausência de conteúdo probatório válido a instruir a inicial, conforme disposto no art. 320 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito. Dessa forma, possibilita-se que a parte autora ajuíze nova ação, caso obtenha prova material hábil a demonstrar o exercício do labor rural pelo período de carência necessário para a concessão da aposentadoria pleiteada.

3. Precedente do STJ em sede de recurso representativo de controvérsia (REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016).

(TRF4, AC 5047621-07.2015.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 15/06/2016)


INTEIRO TEOR

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5047621-07.2015.4.04.9999/PR

RELATOR:ROGERIO FAVRETO
APELANTE:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
APELADO:ANTONIO GABRIEL MARIA
ADVOGADO:THAIS TAKAHASHI

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ART. 485, IV, E ART. 320, CPC.

1. Diante do caráter social das normas previdenciárias, que primam pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente, o que lhe garante flexibilização dos rígidos institutos processuais.

2. A ausência de conteúdo probatório válido a instruir a inicial, conforme disposto no art. 320 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito. Dessa forma, possibilita-se que a parte autora ajuíze nova ação, caso obtenha prova material hábil a demonstrar o exercício do labor rural pelo período de carência necessário para a concessão da aposentadoria pleiteada.

3. Precedente do STJ em sede de recurso representativo de controvérsia (REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, julgar extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV e art. 320 do Código de Processo Civil, restando prejudicada a apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 14 de junho de 2016.

Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

Relator


Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8320459v3 e, se solicitado, do código CRC B228B4F7.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Rogerio Favreto
Data e Hora: 14/06/2016 16:29

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5047621-07.2015.4.04.9999/PR

RELATOR:ROGERIO FAVRETO
APELANTE:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
APELADO:ANTONIO GABRIEL MARIA
ADVOGADO:THAIS TAKAHASHI

RELATÓRIO

Trata-se de ação em que a parte autora objetiva a concessão de aposentadoria rural por idade em razão do desenvolvimento de atividades rurais na condição de boia-fria.

Sentenciando, o MM. Juiz assim decidiu:

Diante do exposto, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado para CONDENAR o réu a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria rural, com data de início a partir do requerimento administrativo e renda mensal inicial no valor de 01 (um) salário mínimo.

As parcelas vencidas deverão ser pagas com a aplicação de juros de mora calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/09, a partir da citação. Quanto à correção monetária, deverá ter o termo inicial a data do ajuizamento da ação, incidindo no vencimento de cada prestação, calculada com base no INPC, haja vista a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI n. 4357, STF).

Em virtude da sucumbência, arcará o INSS com os honorários advocatícios, ora arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do §3º do artigo 20, do Código de Processo Civil. Ressalte-se que a base de cálculo sobre o qual incidirá mencionado percentual será composta das prestações vencidas entre o termo inicial do benefício e a data da sentença, em consonância com a Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.

Condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, nos termos da Súmula n. 20/TRF-4ª Região (“O art. 8º, parágrafo 1º, da lei 8620/93 não isenta o INSS das custas judiciais, quando demandado na Justiça Estadual”).

Tratando-se sentença ilíquida, proceda-se à remessa à superior instância para o reexame necessário, nos moldes da Súmula 490 do STJ.

Irresignado, o INSS apela aduzindo que a parte autora não comprovou efetivamente o exercício da atividade rural, porquanto trouxe como início de prova somente certidão de casamento, de 1984, em que está qualificado como caseiro. Alega que em consulta ao sistema SERPRO verificou que o endereço cadastrado pelo autor junto à Receita Federal entre 1993 e 2009 foi em Ribeirão Pires/SP. Pondera a existência de vínculos urbanos no período de carência, além do fato de as testemunhas não tecerem detalhes acerca do alegado trabalho rural. Em caso de manutenção da sentença, requer que seja observado o disposto na Lei 11.960/2009 quanto à correção monetária e aos juros de mora.

Oportunizadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

Novo CPC (Lei 13.105/2015):

Direito intertemporal e disposições transitórias

Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, “a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”. Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.

Nesses termos, para fins de remessa necessária e demais atos recursais, bem como quanto aos ônus sucumbenciais, aplica-se a lei vigente na data em que proferida a decisão recorrida.

Considerações gerais sobre a aposentadoria rural por idade:

A apreciação de pretensão de concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/1991), deve ser feita à luz do disposto nos artigos 48, §§ 1º e 2º, 25, II, 26, III e 39, I, da Lei nº 8.213/1991. Assim, necessária a comprovação do implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e de cinquenta e cinco anos para a mulher) e do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, ainda que a comprovação seja feita de forma descontínua, sendo dispensável o recolhimento de contribuições. Neste sentido, o julgamento da APELREEX nº 0008606-53.2014.404.9999, Quinta Turma, de minha relatoria, D.E. 15/08/2014.

Não se pode olvidar, outrossim, que o artigo 143 da Lei nº 8.213/1991, tratando genericamente do trabalhador rural que passou a ser enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social (na forma da alínea “a” do inciso I, ou do inciso IV ou VII do Art. 11), assegurou-lhe o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de sua vigência, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência exigida. Complementando o artigo 143 na disciplina da transição de regimes, o artigo 142 da Lei nº 8.213/1991 estabeleceu que, para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial deve obedecer a uma tabela que prevê prazos menores no período de 1991 a 2010.

Quanto ao ano a ser utilizado para verificação do tempo de atividade rural necessário à obtenção do benefício, nos termos da tabela prevista no artigo 142 da Lei nº 8.213/1991, como regra, deverá ser aquele em que o segurado completou a idade mínima, desde que, até então, já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício, sendo irrelevante, neste caso, que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXVI, e Lei de Benefícios, art. 102, §1º).

Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei, observada a tabela do artigo 142 da Lei nº 8.213/1991. Neste caso, a verificação do tempo de atividade rural necessária ao deferimento do benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, devendo ser verificado o implemento do requisito “tempo equivalente à carência” progressivamente, nos anos subseqüentes ao implemento do requisito etário, de acordo com a tabela do mencionado artigo 142 da Lei de Benefícios.

Deve ser observado que nos casos em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31/08/1994, data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou o art. 143 da Lei de Benefícios, (posteriormente convertida na Lei nº 9.063/1995), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/1991.

A disposição contida no art. 143 da Lei nº 8.213/1991, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, § 1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.

Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, RExt. nº. 631240/MG, Rel. Ministro Roberto Barroso, Plenário, julgado em 03/09/2014).

O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, Súmula nº 149 do STJ e REsp nº 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012 (recurso representativo da controvérsia). Cabe salientar que embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo.

Não se exige, por outro lado, prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas início de prova material (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.

Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural. Com efeito, como o §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família exercem “em condições de mútua dependência e colaboração”. Via de regra, os atos negociais da entidade respectiva serão formalizados não individualmente, mas em nome do pater familiae, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta, exercida, normalmente, no caso dos trabalhadores rurais, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental”.

Importante, ainda, ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não serve para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/1991, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equi

parados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. Ou seja, somente será descaracterizado o regime de economia familiar acaso reste comprovado que a remuneração proveniente do labor urbano do cônjuge importe em montante tal que dispense a renda do labor rural para a subsistência do grupo familiar.

Cumpre salientar que, muitas vezes, a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso, deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se ficar com estas últimas, pois produzidas com todas as cautelas legais, garantindo-se o contraditório. Não se trata aqui de imputar inverídicas as informações tomadas pela Seguradora, mas de prestigiar a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional. Dispondo de elementos que possam obstaculizar a pretensão da parte autora, cabe ao INSS judicializar a prova administrativa, a fim de que seja examinada no conjunto do acervo probatório constante dos autos.

Do caso concreto:

No presente caso, observo que a parte autora preencheu o requisito etário, 60 (sessenta) anos, em 20/12/2013, porquanto nascido em 20/12/1953 (evento 1, OUT4). O requerimento administrativo foi efetuado em 06/10/2014 (evento 1). Dessa forma, a parte autora deve comprovar o exercício de atividade rural no período de 180 meses imediatamente anteriores ao implemento do requisito etário ou ao requerimento administrativo, o que lhe for mais favorável.

Para fazer prova do exercício de atividade rural, a parte autora instruiu sua peça inicial com os seguintes documentos:

– CNIS do autor constando vínculos rurais de 01/06/1989 a 08/1989 (Cooperativa dos Plantadores de Cana de Bandeirantes/PR) e de 25/06/1997 a 15/07/1997 (Luiz Carlos Baracat, Fazenda Santa Luzia, Lupercio/SP), e vínculos urbanos de 02/10/1989 a 14/05/1990 e de 18/06/1990 a 19/03/1991 (Gutierrez Paula Munhoz S/A Construção Civil) e de 01/08/1992 a 18/03/1993 (Hilário Ferrari, Curitiba/PR) (evento 1.6, página 17);

– certidão de casamento do autor, de 1984, constando sua profissão como caseiro (evento 1.6, página 11);

– certidão de nascimento do irmão do autor, de 1963, em que seu pai está qualificado como lavrador (evento80, CERTNASC2);

– certidão do cartório eleitoral de que, de acordo com os assentamentos do cadastro eleitoral, consta a ocupação do autor como trabalhador rural, sem data dos assentos (evento80, OUT3).

Por ocasião da audiência de instrução, em 20/07/2015 (eventos 49, TERMOAUD1 e 70), foram inquiridas as testemunhas José Boeno e Isaias Ferrari, as quais confirmaram o exercício de atividades rurais pela demandante.

A testemunha José Boeno relata:

que conhece o autor desde que ele nasceu. Que o conheceu em Congonhinhas, que conheceu o pai dele. Que desde que conhece o autor ele trabalha por dia, para um e para outro, por empreita. Que o autor teve para São Paulo, lá não sabe o que ele fez, que em Congoinhas e Santa Maria ele trabalhou de boia-fria para diversas pessoas. Que não sabe dizer para quem o autor trabalhou.

 

A testemunha Isaias Ferrari, por sua vez, esclarece:

que conhece o autor há 20 anos. Que o conheceu em Santa Maria, que há 20 anos o autor é morador da cidade. Que o autor não era de Santa Maria. Que desde que conhece o autor ele trabalha para um e para outro, como volante. Que o autor faz serviço braçal. Que roça pasto, carpe cana, carpe roça. Que o autor não tem terras. Que o autor trabalha de boia-fria. Que o autor trabalhou e vários lugares, que trabalhou para o Rossi, Tatão e Bentão. Que por último o autor estava fazendo uma roçadinha para o Tatão. Que desde que conhece o autor ele não teve outra atividade que não fosse rural.

O autor, em seu depoimento pessoal, declarou:

que nasceu em Congonhinhas/PR, começou a trabalhar com 13 anos de idade, sempre de boia-fria, no algodão, carpindo “para um e para outro”. O pai era doente, de família muito pobre, assim, ele quem sustentava a casa. Trabalhava de boia-fria, ia de caminhão. Naquele tempo não se registrava ninguém. Cada semana era um “gato” diferente. Pegava emprego com fazendeiros. Carpia soja. Naquele tempo não tinha maquinário e não tinha veneno, era tudo na inchada. Ganhava 12 cruzeiros por dia, trabalhando a semana inteira, até embaixo de chuva. Não tinha registro em carteira. Trabalhou na fazenda Suíça, em Santa Maria, carpindo e roçando pasto. Veio para Santa Maria quando a mãe morreu. Desde quando foi morar em Santa Maria ele trabalha de boia-fria. Por 11 anos trabalhou na fazenda do Seu Nona. Trabalhou na fazenda Santa Lucia, o “gato” era o Sr. José Boeno. Por último, tem trabalhado na fazenda do Sr. Rocho Alemão, fazendo uma roçadinha, que isso faz 15 dias.

Embora as testemunhas afirmem que a parte autora desempenhou atividade rural, em Congonhinhas/PR, durante algum período de sua vida laboral, saliente-se que foi acostado aos autos apenas um documento, no qual o autor consta como “caseiro”, a fim de comprovar a alegada lide campesina. Nota-se, ainda, que o documento apresentado (certidão de casamento em Ribeirão Pires/SP) é datado de 1984, ou seja, fora do período de carência. Por outro lado, não foi juntada qualquer outra prova material, em nome do autor ou de terceiros integrantes do núcleo familiar, hábil a indicar o alegado exercício de labor, somente certidão de nascimento do irmão do autor, de 1963, em que seu pai está qualificado como lavrador.

Assim, não foi trazido qualquer documento contemporâneo, dentro do período de carência que se quer comprovar. A prova não é uníssona, uma vez que a prova testemunhal refere somente o labor rural em Congonhinhas, sendo que a testemunha José Boeno refere que o autor esteve um tempo no estado de São Paulo, mas não sabe o que fez lá, a testemunha Isaias Ferrari, por sua vez, nada refere acerca de o autor ter morado em São Paulo. Em seu depoimento pessoal, o autor também não faz referência ao período que morou fora do estado do Paraná.

Embora do CNIS do autor conste vínculos rurais de 01/06/1989 a 08/1989 (Cooperativa dos Plantadores de Cana de Bandeirantes/PR) e de 25/06/1997 a 15/07/1997 (Luiz Carlos Baracat, Fazenda Santa Luzia, Lupercio/SP), não há prova testemunhal acerca de tais períodos em bandeirantes e em Lupercio.

Também não é possível reconhecer a descontinuidade do labor, como quer o autor, porque sequer há informação de quando retornou a Congonhinhas, uma vez que, segundo o INSS, em consulta ao sistema SERPRO, verificou que o endereço cadastrado pelo autor, junto à Receita Federal, entre 1993 e 2009, foi em Ribeirão Pires/SP. Ademais, não há qualquer início de prova material quando do retorno a Congonhinhas, após 2009.

Assim, relativamente ao período que morou em São Paulo não há prova testemunhal acerca do labor rural e em relação ao período em que retornou a Congonhinhas não há início de prova material.

Dessa forma, tenho que os documentos juntados aos autos não constituem início de prova material, pois não são capazes de comprovar o efetivo exercício de atividade rural pela parte autora no período analisado.

Registro recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, em regime de recurso especial repetitivo (REsp nº 1.321.493/PR), em que restou definido que a prova exclusivamente testemunhal é insuficiente para comprovação da atividade desempenhada pelo trabalhador rural, sendo indispensável que ela venha corroborada por razoável início de prova material, inclusive para os trabalhadores do tip

o boia-fria.

No caso em tela, portanto, não havendo início de prova material acerca do alegado trabalho rural e não sendo admitida a prova exclusivamente testemunhal, a solução seria, em tese, a prolação de decisão de improcedência do pedido com resolução de mérito. Caso transcorrido o prazo para eventual ação rescisória e formada a coisa julgada imutável (material), estaria o trabalhador rural “condenado” a ficar de fora da proteção previdenciária, especialmente quando a idade avançada já não mais permite o desempenho de atividade que lhe garanta o sustento, apesar de ter dedicado uma vida inteira de trabalho.

Contudo, não é possível desconsiderar a dificuldade encontrada, notadamente pelos trabalhadores rurais, para a comprovação do tempo de serviço prestado nas lides campesinas, uma vez que o trabalho, no mais das vezes, é exercido informalmente.

Em razão dessa dificuldade de obter registros documentais acerca das atividades exercidas pelo trabalhador rural, evidenciada através dos inúmeros feitos que demandam a análise de tempo rural, autoriza, excepcionalmente, a possibilidade de julgar extinto o processo sem resolução de mérito. Oportuno fazer o registro de que essa alternativa de resolução do processo, reservada às hipóteses em que evidenciada a insuficiência ou mesmo a ausência de prova material do período que se pretende comprovar como de labor rural, já foi adotada nas Turmas especializadas em Direito Previdenciário desta Corte (AC 2001.04.01.075054-3- Rel. Des. Federal Antonio Albino Ramos de Oliveira – DJ 18.09.2002; AC 2001.70.01.002343-0, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – DJ 21.05.2003).

A solução acima preconizada leva em consideração o caráter social das normas previdenciárias, que primam pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pela qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente. Porém, para que se torne efetivamente implementada a proteção previdenciária, necessário uma flexibilização dos rígidos institutos processuais. Portanto, considerando o interesse social que envolve referidas demandas, deve-se priorizar o princípio da busca da verdade real, notadamente em relação àqueles trabalhadores cuja dificuldade de obter documentos hábeis a demonstrar seu trabalho é notória, como é o caso dos trabalhadores rurais que postulam a aposentadoria por idade.

Neste sentido, não se mostra adequado inviabilizar ao demandante o direito de perceber a devida proteção social, em razão da improcedência do pedido e consequente formação plena da coisa julgada material, quando o segurado, na verdade, poderia fazer jus à prestação previdenciária que lhe foi negada judicialmente.

Cumpre ressaltar que esse entendimento foi acolhido recentemente pela Colenda Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.352.721/SP, em sede de recurso representativo de controvérsia, cuja ementa apresenta o seguinte teor:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.

1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.

2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.

3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.

4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.

5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.

6. Recurso Especial do INSS desprovido.

(REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016)

Em suma, o STJ estabeleceu o entendimento de que na hipótese de ajuizamento de ação com pedido de concessão de aposentadoria rural por idade, a ausência/insuficiência de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas sim de extinção sem resolução de mérito. Assegura-se, como isso, caso o segurado especial venha a obter outros documentos que possam ser considerados prova material do trabalho rural, a oportunidade de ajuizamento de nova ação sem o risco de ser extinta em razão da coisa julgada.

Creio que o caso em tela se amolda à orientação traçada no julgamento do Recurso Especial acima citado, pois ausente início de prova material do labor rural correspondente ao período de carência necessário à concessão da aposentadoria rural por idade postulada.

Logo, à míngua de conteúdo probatório válido a instruir a inicial, conforme disposto no art. 320 do CPC, por implicar carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, autorizada a extinção do feito sem o julgamento do mérito. Dessa forma, possibilita-se que a parte autora postule em outro momento, caso obtenha prova material hábil a demonstrar o exercício do labor rural pelo período de carência necessária, a concessão da aposentadoria rural por idade, conforme orientação traçada no recurso representativo de contróversia, REsp 1.352.721/SP.

Dessa forma, considerando a ausência de prova material apta a comprovar o efetivo exercício do labor rural, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV e art. 320 do Código de Processo Civil, merecendo reforma a sentença.

 Conclusão:

Reforma-se a sentença a fim de julgar extinto o processo sem resolução do mérito,

nos termos do art. 485, IV e art. 320 do Código de Processo Civil, restando prejudicada a apelação da parte autora.

Dispositivo:

Ante o exposto, voto por julgar extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV e art. 320 do Código de Processo Civil, restando prejudicada a apelação do INSS, nos termos da fundamentação.

Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

Relator


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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/06/2016

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5047621-07.2015.4.04.9999/PR

ORIGEM: PR 00016132420148160073

RELATOR:Des. Federal ROGERIO FAVRETO
PRESIDENTE: Paulo Afonso Brum Vaz
PROCURADOR:Dr. Sérgio Cruz Arenhart
APELANTE:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
APELADO:ANTONIO GABRIEL MARIA
ADVOGADO:THAIS TAKAHASHI

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/06/2016, na seqüência 382, disponibilizada no DE de 24/05/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU JULGAR EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, NOS TERMOS DO ART. 485, IV E ART. 320 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, RESTANDO PREJUDICADA A APELAÇÃO DO INSS, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.

RELATOR ACÓRDÃO:Des. Federal ROGERIO FAVRETO
VOTANTE(S):Des. Federal ROGERIO FAVRETO
:Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
:Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Lídice Peña Thomaz

Secretária de Turma


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