Ementa para citação:

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. DANO MATERIAL. DESCONTOS NA REMUNERAÇÃO DO MILITAR.

1) Apesar da União não integrar a relação contratual, era a responsável pelos descontos por plano de serviços advocatícios efetuados em folha de pagamento dos militares, sendo, portanto, parte legítima para figurar no polo passivo.

2) Inexistindo prova de autorização de militar ou beneficiário de pensão para descontos em sua remuneração/benefício previdenciário a título de plano de prestação de assistência judiciária, é medida de ordem a condenação tanto da União quanto do escritório de advocacia para ressarcir os valores indevidamente descontados, observada a prescrição, bem como o pagamento por danos morais.

(TRF4, AC 5059730-25.2012.404.7100, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth Tessler, juntado aos autos em 19/02/2016)


INTEIRO TEOR

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5059730-25.2012.4.04.7100/RS

RELATOR:MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE:UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
APELANTE:JAIRO CANDIDO ADVOGADOS ASSOCIADOS
ADVOGADO:FLAVIO ZASLAVSKY
APELADO:WLADIA BITENCOURT SFAIR
ADVOGADO:LIVIO ANTONIO SABATTI

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. DANO MATERIAL. DESCONTOS NA REMUNERAÇÃO DO MILITAR.

1) Apesar da União não integrar a relação contratual, era a responsável pelos descontos por plano de serviços advocatícios efetuados em folha de pagamento dos militares, sendo, portanto, parte legítima para figurar no polo passivo.

2) Inexistindo prova de autorização de militar ou beneficiário de pensão para descontos em sua remuneração/benefício previdenciário a título de plano de prestação de assistência judiciária, é medida de ordem a condenação tanto da União quanto do escritório de advocacia para ressarcir os valores indevidamente descontados, observada a prescrição, bem como o pagamento por danos morais.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 17 de fevereiro de 2016.

Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

Relatora


Documento eletrônico assinado por Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8062617v5 e, se solicitado, do código CRC E4CF87F4.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5059730-25.2012.4.04.7100/RS

RELATOR:MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE:UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
APELANTE:JAIRO CANDIDO ADVOGADOS ASSOCIADOS
ADVOGADO:FLAVIO ZASLAVSKY
APELADO:WLADIA BITENCOURT SFAIR
ADVOGADO:LIVIO ANTONIO SABATTI

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença  que julgou procedente o pedido formulado nos autos da ação ordinária por meio da qual a parte autora pretende a condenação da União para: 1) que seja determinado o cancelamento de descontos na sua conta corrente a título de Assist. Jurid/J.C, pois não manifestou interesse em contratar a sociedade de advogados e está sofrendo descontos na sua remuneração de Segundo Sargento do Exército; 2) que sejam devolvidos os valores descontados indevidamente; 3) que seja paga indenização por danos morais.

Em sede de razões recursais, a União, preliminarmente, sustenta ser ilegítima para figurar no polo passivo da demanda. Argumenta que a relação contratual que levou aos descontos ora guerreados deu-se, exclusivamente, entre a pensionista e o Escritório de Advocacia consignatário. Aduz inexistir prova de abalo moral suportado pela autora apta a ensejar a condenação em danos morais. Requer, por fim, o prequestionamento expresso dos dispositivos legais e constitucionais abordados nessas razões de recurso para fins de acesso aos Tribunais Superiores.

A corre aduz a não incidência do código de defesa do consumidor. Sustenta ser indevida a condenação na devolução dos valores descontados. Alega que bastaria à demandante requerer o cancelamento do serviço de advocacia. Afirma que os requerimentos extrajudiciais da apelante para cancelamento do serviço se deram em endereço diverso. Aduz que a apelante poderia ter efetuado o cancelamento por via telefônica gratuitamente. Argumenta que o serviço disponibilizado à parte autora sempre foi de seu conhecimento. No tocante aos danos morais, aponta que não praticou qualquer ato ilícito que pudesse dar ensejo a eventual indenizável.

Foram apresentadas contrarrazões.

É o relatório.

Inclua-se em pauta.

VOTO

Trata-se de ação declaratória da ilegalidade de descontos realizadas no contracheque da parte autora pela requerida UNIÃO FEDERAL em favor de JAIRO CÂNDIDO E ADVOGADOS ASSOCIADOS, a título de “taxa de assessoria jurídica” denominada “Assit. Jurid./JC”; cumulado com pedido de repetição de indébito e pedido de indenização pelos danos morais suportados pela parte autora em decorrência dos descontos indevidos.

Em que pese os argumentos trazidos pela apelante, entendo que a sentença merece ser mantida visto que deu adequada solução à lide, razão pela qual reproduzo a fundamentação, adotando-a como razões de decidir, verbis:

II – Fundamentação

2.1 Preliminares

Ilegitimidade passiva da União

Considerando a competência para a autorização e o cancelamento de descontos a cargo do Centro de Pagamentos do Exército, não merece acolhimento a alegação de ilegitimidade passiva da União, dada sua qualidade de fonte pagadora, especialmente diante da alegação da parte-autora de que os descontos estariam sendo realizados sem a sua autorização.

Nulidade da citação de Jairo Cândido e Advogados Associados

O réu Jairo Cândido e Advogados Associados alegou a nulidade da citação e, por conseguinte, pediu a extinção do feito, ao argumento de que a citação teria sido encaminhada ao endereço de outro escritório de advocacia, localizado na Rua Francisco Ferrer, 515, 5º andar, Bairro Rio Branco, em Porto Alegre. Afirmou, todavia, que a sede do escritório está localizada na Avenida Paulista, 2644, 5º e 11º andares, Bairro Cerqueira César, em São Paulo/SP.

Entendo que não deve ser reconhecida tal nulidade.

Conforme se observa nos autos, o endereço para o qual a citação foi direcionada foi informado pelo Exército à autora, por meio de sua Seção de Inativos e Pensionistas – SIP, como sendo do escritório Jairo Cândido e Advogados Associados (evento 1, OUT7). Em cumprimento ao mandado de citação expedido, a Oficial de Justiça obteve o novo endereço do escritório – Rua Benjamin Flores, 49 – onde foi realizada a citação na pessoa do advogado Flávio Zaslavsky, OAB/RS nº 78.442, que representa o escritório-réu neste feito (evento 9, MAND1 er CERT2).

Ressalte-se que não foi registrada qualquer ressalva levantada pelo então representante sobre eventual impossibilidade de receber a citação por ocasião daquele ato. Outrossim, houve ciência inequívoca da demanda por parte do réu, que pode exercer sua defesa tempestivamente. Cabe, na espécie, a aplicação do princípio de que não se declara nulidade se não houve prejuízo.

Rejeito, portanto, a preliminar.

2.2 Da inversão do ônus da prova

O pedido para inversão do ônus da prova merece acolhida. A decretação da inversão do ônus de prova, nos moldes em que firmada no inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, reclama não apenas seja verossímil a alegação expressa pelo consumidor, mas também a imprescindibilidade da providência, ou seja, a constatação de que esta é o único meio possível ao hipossuficiente de comprovar a legitimidade de seus argumentos. No caso dos autos, tratando-se de descontos em folha em função de convênio entre as rés (fonte pagadora e empresa prestadora de serviços), que a parte-autora afirma não ter contratado, encontram-se presentes tais requisitos.

2.3 Mérito

A controvérsia trazida nos autos versa sobre a possibilidade de se efetuarem descontos nos proventos de pensionista militar, sem a sua autorização expressa, em razão de convênio firmado entre o Exército e o escritório de advocacia Jairo Cândido e Advogados Associados, para prestação de serviços de assistência jurídica aos integrantes daquele órgão.

A Medida Provisória nº 2.215-10, de 31/08/2001, que regulamentou a reestruturação da remuneração dos militares das Forças, assim dispõe, em seu art. 14:

Art. 14. Descontos são os abatimentos que podem sofrer a remuneração ou os proventos do militar para cumprimento de obrigações assumidas ou impostas em virtude de disposição de lei ou de regulamento.

§ 1º Os descontos podem ser obrigatórios ou autorizados.

§ 2º Os descontos obrigatórios têm prioridade sobre os autorizados.

§ 3º Na aplicação dos descontos, o militar não pode receber quantia inferior a trinta por cento da sua remuneração ou proventos.

(…)

Art. 16. Descontos autorizados são os efetuados em favor de entidades consignatárias ou de terceiros, conforme regulamentação de cada Força.

De igual modo, a legislação aplicável aos servidores civis da União também prevê, no caso de consignação em folha de pagamento em favor de terceiros, a necessidade de anuência do interessado para que possam ser efetivados os referidos descontos, nos termos do artigo 45 da Lei 8.112/90:

Art. 45. Salvo por imposição legal, ou mandado judicial, nenhum desconto incidirá sobre a remuneração ou provento.

Parágrafo único. Mediante autorização do servidor, poderá haver consignação em folha de pagamento a favor de terceiros, a critério da administração e com reposição de custos, na forma definida em regulamento. ( destaquei)

Desse modo, ressalvados os descontos decorrentes de imposição legal, só é legítimo impor consignação em folha de pagamento de servidor público em favor de terceiros quando for expressamente autorizada pelo interessado, não havendo que se falar em anuência tácita.

Não se pode negar à Administração Pública a legitimidade para firmar convênios com entidades particulares para a prestação de serviços de interesse dos seus servidores. Contudo, esses convênios só podem restringir direitos ou impor obrigações quando houver a expressa anuência do servidor para a respectiva adesão.

No caso em apreço, a autora sustenta que não autorizou os descontos em seus proventos, uma vez que não aderiu ao serviço oferecido pelo escritório-réu, mediante a celebração de contrato ou assinatura de qualquer tipo de autorização. A demonstração de que efetivamente houve o acordo de vontades, manifestado na celebração do contrato autorizando o desconto na pensão da autora,  dependeria da apresentação do respectivo instrumento. Cabe registrar, ainda, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, porquanto relação de consumo, consubstanciada em prestação de serviço, razão pela qual a prova dessa contratação deve ser exigida da parte-ré, com amparo no art. 6º, inc, VIII, do CDC.

A União afirmou que a MP nº 2.131/00 e suas posteriores reedições permitem a consignação em folha de pagamento do Exército de descontos autorizados por seus servidores, aposentados e pensionistas, mediante requerimento do próprio interessado. Todavia, instada pelo Juízo para apresentar o requerimento da autora de desconto das parcelas objeto da lide, demonstrou não possuí-lo, limitando-se a afirmar que “não mantém intermediação com as entidades consignatárias e a parte contratante, não tendo nenhum acesso às cláusulas contratuais entre ambos firmadas” (evento 27, OFIC1, p. 1)

A segunda demandada, em sua contestação, explica que em 1998 foram enviadas fichas de adesão aos militares, oportunizando que  respondessem se desejavam ou não ser incluídos no serviço de assistência jurídica. Ainda de acordo com a ré, a maioria das fichas retornaram positivas, algumas negativas e outras não foram devolvidas, de modo que suas adesões foram realizadas, sendo possibilitado o cancelamento do serviço a qualquer tempo. Outrossim, sustenta que a autora tinha ciência dos descontos e com eles anuiu, mantendo-se inerte por vários anos sem re

querer o cancelamento do serviço. Por fim, alegou que a empresa que, à época, prestava serviços de cadastramento e armazenamento de todos os documentos associados, destruiu grande parte deles, por ocasião da rescisão do contrato que mantinham, dentre os quais poderia estar os documentos relativos à adesão da autora.

Como se vê, nenhuma das rés possui prova documental da adesão da autora ao serviço de assistência jurídica. A inexistência da aludida prova sinaliza no sentido da ilegitimidade dos descontos a título de assistência jurídica, dada a ausência de manifestação de vontade da autora, autorizando tal cobrança. Com efeito, o silêncio, para ser considerado como anuência tácita na formação contratual, deve estar acompanhado de outros fatores, de outros elementos, os quais apontem para a aceitação.

No caso dos autos, por exemplo, ainda que a autora não tenha se manifestado expressamente acerca da adesão, caso tivesse utilizado o serviço de assistência jurídica oferecido pela ré, valendo-se, com isso, da contrapartida assegurada por força das contribuições mensais, seria possível concluir que havia aceitado o serviço de forma tácita, já que o silêncio estaria qualificado por aquele outro elemento (utilização do serviço disponibilizado). Contudo, inexiste prova da existência desse ou de qualquer outro elemento que pudesse se agregar ao silêncio, a fim de indicar a aceitação tácita da autora.

Vale salientar, ainda, que o fato de o desconto sobre os proventos da autora perdurar por vários anos não é suficiente para, por si só, legitimar a cobrança. Isso porque a mácula é anterior, situando-se na própria formação do contrato, de modo que a posterior ausência de manifestação, desacompanhada de outros elementos que sinalizem no sentido da aceitação, da anuência com o acordo proposto, não é suficiente para sanar aquele vício.

O fato de a demandante ter ciência dos descontos, diferentemente do que sugere a segunda ré, não basta para que se tenha por perfectibilizada a manifestação de vontade necessária para a formação contratual. Entendimento em sentido contrário acabaria por estimular práticas abusivas, pois bastaria aos fornecedores cientificar os consumidores acerca da realização de determinada cobrança para que esta se tornasse legítima, o que não se admite.

Não fosse o suficiente, ainda respalda a pretensão da parte-autora a impossibilidade de o fornecedor disponibilizar qualquer serviço ao consumidor sem solicitação prévia, conforme expressa previsão do art. 39, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, norma plenamente aplicável ao caso em tela, já que a demandante e o réu Jairo Cândido e Advogados Associados se amoldam, respectivamente, aos conceitos de consumidor e fornecedor, estabelecidos nos artigos 2º e 3º do referido diploma legal.

Dessarte, a parte-autora faz jus à cessação dos descontos atinentes à assistência jurídica e à devolução dos valores satisfeitos a esse título, observada a prescrição trienal (art. 206, §3º, IV, do Código Civil). Conquanto ambas as rés tenham contribuído para a realização dos descontos indevidos, apenas o escritório de advocacia Jairo Cândido e Advogados Associados deve proceder à restituição, uma vez que os valores descontados da autora lhe eram destinados pela União por força do convênio.

Ademais, considerando a responsabilidade do escritório demandado, aplica-se ao caso o disposto no art. 206, § 3º, inc. V, do CC, devem ser devolvidas as parcelas descontadas nos 3 anos anteriores ao ajuizamento da ação, englobando as parcelas descontadas a partir de 23/10/2009.

O montante deve ser atualizado monetariamente, pela variação do IPCA-E, desde a data de cada desconto, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação (art. 406 do Código Civil c/c art. 161, §1º, do Código Tributário Nacional).

Pedido de devolução em dobro dos valores indevidamente descontados

Pretende a autora seja o réu condenado a pagar-lhe em dobro os valores indevidamente cobrados a título de anuidades.

A previsão do art. 940 do Código Civil consiste em verdadeira sanção civil, cuja aplicação pressupõe má-fé por parte do credor. Nesse sentido, o Enunciado nº. 159 da Súmula do STF:

Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do CCB.

No caso, não há prova de que a cobrança indevida tenha-se dado por malícia ou dolo, de modo que não vislumbro má-fé a justificar a devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente.

Dano Moral

Para que exista a obrigação de reparar o dano é necessário, basicamente, que estejam presentes certos pressupostos, quais sejam: a) ação ou omissão, qualificada juridicamente, ou seja, que se apresenta como um ato lícito ou ilícito; b) ocorrência de dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, e inexistência de excludentes de responsabilidade, tais como força maior, caso fortuito e culpa exclusiva da vítima, pois excluem a culpabilidade.

O dano moral está previsto constitucionalmente no inciso X do art. 5º da CF/88, que assim dispõe: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Para Carlos Alberto Bittar, “qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal) ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive ou atua (o da reputação ou da consideração social).” (Reparação Civil por Danos Morais, nº 07, p. 41).

No escólio de Yussef Said Cahali, dano moral é “tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado” (Dano moral 2a. Ed., São Paulo, RT, 1998, p. 20).

Nesta linha de raciocínio, pode-se afirmar que a responsabilidade por indenização de danos morais, seja ela subjetiva ou objetiva, pressupõe a comprovação de efetivo dano moral, ou seja, a efetiva comprovação de abalo moral relevante sofrido pela vítima. Cabe ao juiz, guiando-se pelo princípio da razoabilidade, analisar se houve dano grave e relevante que justifique a indenização buscada.

No caso em análise, a autora teve valores de seus proventos de pensão descontados, durante vários anos, sem que houvesse sua autorização para tanto. Ademais, ao encaminhar requerimento escrito para que cessassem os descontos, a autora não teve atendido seu pleito pelas rés. Ressalte-se, neste ponto, que o pedido de cancelamento ao escritório Jairo Cândido Advogados Associados foi encaminhado pela autora ao mesmo endereço onde se efetivou a citação, razão pela qual não é verossímil a alegação de que não tomou conhecimento do pedido. Assim, comprovada a situação ofensiva, resta clara a responsabilidade da parte-ré pelo pagamento de indenização, que deve ter caráter ressarcitório e preventivo.

Com relação à quantificação do dano, o certo é que deve ser suficiente para reparar o prejuízo sofrido e ao mesmo tempo deve ter caráter preventivo. Deve ser levada em consideração a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, natureza e repercussão da ofensa, a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável e sua situação econômica.

Assim, levando em conta tais critérios, tem-se por razoável e ponderada a fixação da indenização pelos danos morais no v

alor R$5.000,00 (cinco mil reais), valor este que se apresenta em sintonia com a realidade econômica da parte autora e plenamente suportável pelas ré.

O valor da indenização será corrigido monetariamente pelo IPCA-E, desde a data desta sentença, e acrescido de juros moratórios de 12% ao ano (art. 406 do CC), que fluirão desde o evento danoso (Súmula nº 54 do STJ). Saliento que, tendo em conta o litisconsórcio passivo entre o DNIT e pessoas jurídicas de direito privado,  por uniformidade de critério de condenação, aplica-se a regra geral da taxa de juros do Código Civil, afastando-se o critério da Lei nº 11.960/09.

A data do evento danoso, no caso presente, considerando que não há prova do primeiro desconto realizado e que o pedido de restituição envolve as parcelas debitadas nos 3 anos anteriores ao ajuizamento da ação, é fixada em 23/10/2009. Os juros deverão ser contados a partir dessa data.

Corroborando a argumentação esposada na sentença, tenho que a União é a responsável pela administração dos descontos efetuados em folha de pagamento dos militares, sendo, portanto, parte legítima para figurar no polo passivo desta demanda.

No mérito propriamente dito, não se pode olvidar que a natureza jurídica da relação ora debatida entre as partes é eminentemente consumerista, devendo ser reconhecida a vulnerabilidade presumida da autora e aplicada a ela toda a sistemática defensiva do Código de Defesa do Consumidor. Afinal, a autora estava sendo descontada por suposto acordo para disponibilização de serviços advocatícios, fato que se enquadra perfeitamente como relação de consumo.

A Lei n.º 8.078/90, em seu art. 6, inciso VIII, prevê a facilitação da defesa do consumidor através da inversão do ônus da prova. Trata-se de direito de facilitação da defesa e não pode ser determinada senão após o oferecimento e valoração da prova, se e quando o julgador estiver em dúvida. Logo, a inversão do ônus da prova não é automática, ela depende de circunstâncias concretas que serão apuradas pelo juiz no contexto da facilitação da defesa do consumidor.

No caso, tenho que estão presentes os requisitos para a inversão do ônus probatório, visto que é razoável se esperar que o escritório de advocacia e a União apresentassem provas da anuência do servidor acerca dos descontos a título de prestação de serviço de assistência judiciária.

Todavia, as rés não juntaram aos autos qualquer elemento de prova que pudesse comprovar a adesão do servidor ao serviço oferecido.

Aponto ser irrelevante o fato do escritório de advocacia disponibilizar o serviço de telefonia gratuito para fins de cancelamento do desconto da rubrica. Isso porque a autora comprovou que diligenciou junto ao Exército Brasileiro e ao escritório de advocacia requerendo o cancelamento dos descontos, conforme se verifica no evento 1, OUT7 e OUT8.

No mesmo sentido, não pode ser acolhida a tese do escritório réu, o qual alega que o envio do requerimento de cancelamento se deu em endereço diverso. Conforme se verifica no Aviso de Recebimento, evento 1, OUT8, a autora enviou o pedido de cancelamento para o endereço Rua Francisco Ferrer, 515, 5º andar, Porto Alegre-RS, o mesmo fornecido pelo Exército Brasileiro.

Anoto inclusive que o AR foi devidamente recebido e assinado por pessoa com presunção de poderes para tanto. Acaso tenha o escritório de advocacia réu alterado seu endereço de funcionamento, deveria ter informado o fato ao Exército Brasileiro.

Assim, entendo que ficou devidamente demonstrada a irregularidade dos descontos de serviço de assistência jurídica, devendo os réus solidariamente restituir os referidos valores, observada a prescrição reconhecida na decisão de base, 3 anos anteriores ao ajuizamento da presente ação.

Com relação aos danos morais derivados da atitude das demandadas, estes também devem ser mantidos, porquanto evidente que foi o postulante submetido a constrangimento e a preocupação desnecessária. Não se tratava de qualquer desconto, mas sim de desconto em seu benefício previdenciário, que possui natureza eminentemente alimentícia.

Assinalo, ainda, que o dano moral, no caso em apreço, para ficar configurado e ser passível de indenização, independe de demonstração do prejuízo, uma vez que este é presumido diante da própria situação vivenciada pelo requerente. Nesse sentido:

CIVIL. DANOS MORAIS. CEF. CONTA CORRENTE. DÉBITOS SEM AUTORIZAÇÃO. LANÇAMENTOS INDEVIDOS.

– Os lançamentos a débito na conta corrente do autor sem a autorização deste configuram dano moral. Embora existente a dívida, a cobrança deve ser feita na forma da lei ou de contrato celebrado entre o correntista e a instituição bancária. Indenização fixada em R$ 1.000,00 (um mil reais).

– Apelação provida. Ação procedente.

(TRF5, AC 2002.80.00.006525-2, Rel. Des. Federal MARCELO NAVARRO, QUARTA TURMA, DJ 21.09.2006).

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADOS E PENSIONISTAS. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA INSS. DANOS MORAIS MAJORADOS. 1. Diante da conduta ilícita da instituição financeira será devida a restituição dos valores indevidamente descontados no benefício previdenciário do autor bem como o pagamento a título de danos morais. 2. Apesar do INSS não integrar a relação contratual de que origina o débito indevido, agiu a autarquia com negligência ao descontar valores do benefício previdenciário do autor sem analisar a regularidade do contrato de empréstimo. Por esse motivo, deve responder a autarquia previdenciária solidariamente com o Banco. 3. O valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), se afigura razoável para o caso concreto, tendo em vista não caracterizar enriquecimento sem causa por parte do segurado, bem como assegurar o caráter pedagógico na medida. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003092-38.2013.404.7002, 3ª TURMA, Juíza Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 12/12/2014)

Anoto que, apesar dos valores descontados mensalmente se afigurarem de pouca monta, estes vem sendo descontados por anos, sendo tal fato suficiente para configurar a lesão moral à autora.

 Saliento, por fim, que o enfrentamento das questões apontadas em grau de recurso, bem como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias superiores os dispositivos que as embasam. Deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado. Dessa forma, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão-somente para esse fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (artigo 538 do CPC).

Conclusão

Portanto, a sentença abordou apropriadamente as alegações das partes e as provas produzidas, não havendo reparo a ser feito.

Ante o exposto, voto por negar provimento aos recursos.

Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

Relatora


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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/02/2016

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5059730-25.2012.4.04.7100/RS

ORIGEM: RS 50597302520124047100

RELATOR:Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE: Marga Inge Barth Tessler
PROCURADOR:Dr(a) Paulo Gilberto Cogo Leivas
APELANTE:UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
APELANTE:JAIRO CANDIDO ADVOGADOS ASSOCIADOS
ADVOGADO:FLAVIO ZASLAVSKY
APELADO:WLADIA BITENCOURT SFAIR
ADVOGADO:LIVIO ANTONIO SABATTI

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17/02/2016, na seqüência 223, disponibilizada no DE de 22/01/2016, da qual foi intimado(a) UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 3ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AOS RECURSOS.

RELATOR ACÓRDÃO:Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
VOTANTE(S):Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
:Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
:Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

José Oli Ferraz Oliveira

Secretário de Turma


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