
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:KEMILY PEREIRA DE ARAUJO e outros
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: GENIS SOUZA DA HORA - MT18933-A
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1006007-59.2024.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REPRESENTANTE: LEANDRA FRANCISCO PEREIRA
APELADO: LEANDRA FRANCISCO PEREIRA, K. P. D. A.
Advogado do(a) APELADO: GENIS SOUZA DA HORA - MT18933-A
RELATÓRIO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL EDUARDO DE MELO GAMA (RELATOR CONVOCADO):
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em face de sentença que julgou procedente o pedido formulado pela parte demandante, determinando a concessão do benefício de prestação continuada estabelecido pela Lei nº 8.742/93 em favor de K. P. D. A..
Em suas razões, alega que foram não preenchidos os requisitos previstos no art. 20 da LOAS.
Foram apresentadas contrarrazões.
O Ministério Público Federal, embora intimado, não emitiu parecer.
É o relatório.
Juiz Federal EDUARDO DE MELO GAMA
Relator Convocado
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1006007-59.2024.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REPRESENTANTE: LEANDRA FRANCISCO PEREIRA
APELADO: LEANDRA FRANCISCO PEREIRA, K. P. D. A.
Advogado do(a) APELADO: GENIS SOUZA DA HORA - MT18933-A
VOTO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL EDUARDO DE MELO GAMA (RELATOR CONVOCADO):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
Efeito suspensivo
Diante do julgamento da apelação nesta oportunidade, resta prejudicado o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso.
DO MÉRITO
Nos termos do art. 20, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
A compreensão de “família” é elucidada no § 1º do artigo supracitado e compreende, além do requerente, seu cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Para fazer jus ao benefício assistencial, o idoso ou o deficiente devem comprovar o seu estado de miserabilidade, sendo que, de acordo com a legislação em vigor, a renda mensal per capita da família não pode ultrapassar ¼ do salário mínimo.
Na análise do requisito da renda per capita, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Recursos Extraordinários nº 567.985/MT e 580.963/PR, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, da lei nº 8.742/93, e a inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, em observância ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e da isonomia, com a finalidade de alargar os critérios de aferição da hipossuficiência, não limitando apenas à análise da renda inferior a 1/4 do salário mínimo, bem como para determinar a exclusão do cálculo da renda familiar per capita os benefícios assistenciais conferidos a deficientes e os benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo percebidos por idosos.
O laudo médico pericial (fls. 195/198, ID 414804652) comprova o impedimento de longo prazo (art. 20, § 2º e 10 da LOAS):
“(...)Doença/ diagnóstico.
CID R46.3 (hiperatividade), F84.8 (outros transtornos globais do desenvolvimento).
(...)
Conclusão: Comprova incapacidade total e temporária até 29/05/2025, para acompanhamento, investigação e tratamento. Se necessário, nova perícia após essa data.
Data da incapacidade: congênito”.
O laudo socioeconômico (fls. 204/208, ID 414804652) e o laudo social complementar (fls. 220/225, ID 414804652) indicam que a parte autora reside com sua genitora e um irmão. A assistente social consignou que outro irmão e sua esposa estão temporariamente na residência, aguardando deslocamento para a fazenda onde iniciarão atividade laboral. Destarte, verifica-se que o núcleo familiar é composto por apenas três pessoas.
A assistente social acrescenta que a renda familiar provém exclusivamente do salário da genitora da parte autora, no valor de R$ 2.700,00. Por fim, a especialista concluiu pela vulnerabilidade socioeconômica, nos seguintes termos:
“(...)
Diante do exposto ficou constatado que a autora Kemily Pereira de Araújo, não possui renda mensal por ser menor de idade, sendo dependente de sua genitora, senhora Leandra Francisco Pereira para tal. Porém o valor que ela obtém de seu trabalho para manter a manutenção da habitação, compra de remédios de uso contínuo para a autora e ajustar tudo isso com o pagamento de um empréstimo citado acima, é exíguo.
(...)
a aplicação ao autor, do benefício por ele buscado, não o enriquecerá nem mudará seu estilo e condições de vida da “água para o vinho”, mas, lhe proporcionará um mínimo de dignidade em sua condição social e econômica como ser humano, inclusive possibilitará adquirir medicamentos que às vezes o poder público não disponibiliza, e dentro do possível, busca melhorias, ainda que limitadas, para si e o seu habitat”. (Sem grifos no original).
Ocorre que o magistrado não está adstrito ao laudo pericial, sobretudo quando sua conclusão parece conflitar com a descrição das situações apresentadas.
A autora trouxe despesas com procedimentos e consultas médicas, procedimentos e consultas odontológicos (fls. 30/36, 120/123 e 128) e medicamento: a) eletroencefalograma com laudo – R$ 250,00 em 27/08/2018; b) consulta neurológica – R$ 270,00, em 27/08/2018; c) tomografia do crânio – R$ 500,00, em 12/11/2018; d) consulta médica – R$ 350,00, em 26/06/2021; e) eletroencefalograma com mapeamento – R$ 300,00, em 28/06/2021; f) tomografia do crânio – R$ 500,00, em 28/06/2021; g) tomografia de tórax – R$ 500,00, em 28/06/2021; h) gastos com serviços odontológicos, entre os anos de 2018 a 2020, em valor médio de R$ 130,00; i) nota fiscal da compra de medicamento “venvanse” – R$ 290,32, em 26/02/2020.
Em que pese as despesas apresentadas, o valor auferido pela mãe, de R$ 2.700,00, é suficiente para afastar a vulnerabilidade socioeconômica, mesmo considerando os gastos descritos acima. A média mensal de gastos com saúde da requerente, no ano em que foram mais apresentados documentos com despesas médicas (2020), não ultrapassa R$ 300,00.
Ressalta-se que certos gastos, como os relacionados à tomografia e à encefalografia, não possuem periodicidade mensal. Além disso, não há evidências de que tais procedimentos não sejam oferecidos pelo SUS. Outrossim, a autora juntou aos autos apenas um comprovante da compra de medicamento, sendo crível que nos demais meses recebeu por meio de farmácia custeada pelo auxílio estatal. Por fim, não se demonstrou que as despesas ortodônticas são imprescindíveis para a manutenção da saúde e da vida da parte autora.
Assim, com base nas informações apresentadas no processo, embora seja possível observar que a parte autora vive em uma situação socioeconômica modesta, não se evidencia a existência de vulnerabilidade social que justifique a concessão do benefício pretendido.
Acrescento que, embora em 2018, ano em que a parte autora requereu administrativamente o benefício, o núcleo familiar contasse com 4 integrantes (sendo o genitor da autora vivo na época), a renda dele superava R$ 2.800,00 (fls. 99/101, ID 414804652). Tal constatação, considerando os motivos acima expostos, indica a ausência de vulnerabilidade socioeconômica da parte autora.
O BPC não tem como finalidade ser um complemento de renda, para garantir melhores condições a quem tem baixo poder aquisitivo. Trata-se, sim, de prestação que visa retirar pessoas da situação de miséria, conferindo uma renda mínima para que possam preservar a sua dignidade, o que não se verifica na hipótese dos autos.
Portanto, não comprovada a hipossuficiência socioeconômica da parte autora, a reforma da sentença é medida que se impõe.
Inverto os ônus da sucumbência, ficando a parte vencida condenada em custas e honorários advocatícios em favor da parte vencedora, englobando trabalho do advogado em primeiro e segundo graus (art. 85, §11, CPC), que ora fixo em 1% (um por cento) acima dos percentuais mínimos previstos no art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC, sobre o valor atualizado da causa. Suspensa sua exigibilidade em razão da assistência judiciária gratuita deferida.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido de concessão benefício assistencial, nos termos acima explicitados.
Eventuais valores pagos a título de tutela provisória estarão sujeitos a restituição, conforme Tema 692/STJ: “A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago”.
É como voto.
Juiz Federal EDUARDO DE MELO GAMA
Relator Convocado
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1006007-59.2024.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REPRESENTANTE: LEANDRA FRANCISCO PEREIRA
APELADO: LEANDRA FRANCISCO PEREIRA, K. P. D. A.
Advogado do(a) APELADO: GENIS SOUZA DA HORA - MT18933-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA E AO IDOSO. LOAS. ART. 203, V, DA CF/88. HIPERATIVIDADE E OUTROS. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO COMPROVADO. HIPOSSUFICIÊNCIA SOCIOECONÔMICA NÃO COMPROVADA. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Nos termos do art. 20, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
2. O laudo médico pericial (fls. 195/198, ID 414804652) comprova o impedimento de longo prazo (art. 20, § 2º e 10 da LOAS): “(...)Doença/ diagnóstico. CID R46.3 (hiperatividade), F84.8 (outros transtornos globais do desenvolvimento).(...)Conclusão: Comprova incapacidade total e temporária até 29/05/2025, para acompanhamento, investigação e tratamento. Se necessário, nova perícia após essa data. Data da incapacidade: congênito”.
3. O laudo socioeconômico (fls. 204/208, ID 414804652) e o laudo social complementar (fls. 220/225, ID 414804652) indicam que a parte autora reside com sua genitora e um irmão. A assistente social consignou que outro irmão e sua esposa estão temporariamente na residência, aguardando deslocamento para a fazenda onde iniciarão atividade laboral. Destarte, verifica-se que o núcleo familiar é composto por apenas três pessoas. A assistente social acrescenta que a renda familiar provém exclusivamente do salário da genitora da parte autora, no valor de R$ 2.700,00. Por fim, a especialista concluiu pela vulnerabilidade socioeconômica.
4. A autora trouxe despesas com procedimentos e consultas médicas, procedimentos e consultas odontológicos (fls. 30/36, 120/123 e 128) e medicamento: a) eletroencefalograma com laudo – R$ 250,00 em 27/08/2018; b) consulta neurológica – R$ 270,00, em 27/08/2018; c) tomografia do crânio – R$ 500,00, em 12/11/2018; d) consulta médica – R$ 350,00, em 26/06/2021; e) eletroencefalograma com mapeamento – R$ 300,00, em 28/06/2021; f) tomografia do crânio – R$ 500,00, em 28/06/2021; g) tomografia de tórax – R$ 500,00, em 28/06/2021; h) gastos com serviços odontológicos, entre os anos de 2018 a 2020, em valor médio de R$ 130,00; i) nota fiscal da compra de medicamento “venvanse” – R$ 290,32, em 26/02/2020.
5. Caso em que o valor auferido pela mãe, de R$ 2.700,00, é suficiente para afastar a vulnerabilidade socioeconômica, mesmo considerando os gastos descritos acima. A média mensal de gastos com saúde da requerente, no ano em que foram mais apresentados documentos com despesas médicas (2020), não ultrapassa R$ 300,00. Portanto, não ficou evidenciada a vulnerabilidade socioeconômica da parte autora.
6. Ressalta-se que, certos gastos, como os relacionados à tomografia e à encefalografia, não possuem periodicidade mensal. Além disso, não há evidências de que tais procedimentos não sejam oferecidos pelo SUS. Outrossim, a autora juntou aos autos apenas um comprovante da compra de medicamento, sendo crível que nos demais meses recebeu por meio de farmácia custeada pelo auxílio estatal. Por fim, não se demonstrou que as despesas ortodônticas são imprescindíveis para a manutenção da saúde e da vida da parte autora.
7. De igual modo, em 2018, ano em que a parte autora requereu administrativamente o benefício, embora o núcleo familiar contasse com 4 integrantes (sendo o genitor da autora vivo na época), a renda dele superava R$ 2.800,00 (fls. 99/101, ID 414804652). Tal constatação, considerando os motivos acima expostos, indica a ausência de vulnerabilidade socioeconômica da parte autora.
8. Neste contexto, embora seja possível observar que a parte autora vive em uma situação socioeconômica modesta, não se evidencia a existência de vulnerabilidade social que justifique a concessão do benefício pretendido.
9. O BPC não tem como finalidade ser um complemento de renda, para garantir melhores condições a quem tem baixo poder aquisitivo. Trata-se, sim, de prestação que visa retirar pessoas da situação de miséria, conferindo uma renda mínima para que possam preservar a sua dignidade, o que não se verifica na hipótese dos autos.
10. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Juiz Federal EDUARDO DE MELO GAMA
Relator Convocado