
POLO ATIVO: JESUS FERREIRA DE FREITAS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: RENATO LEAO RIBEIRO - GO36600
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):EDUARDO MORAIS DA ROCHA
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1011825-89.2024.4.01.9999
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA (RELATOR):
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença que julgou improcedente seu pedido para concessão de benefício por incapacidade.
Requer o apelante a reforma da sentença, uma vez que, apesar de o perito não constatar sua incapacidade, o estudo social comprovou que vive em situação de extrema pobreza e vulnerabilidade social, desde à época em que deixou de recebeu o benefício, sem condições de suprir o mínimo para a sua sobrevivência, devendo ser observada a Súmula 78 do TNU.
Não houve apresentação de contrarrazões.
É o breve relatório.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
Relator
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1011825-89.2024.4.01.9999
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA (RELATOR):
A sentença foi proferida na vigência do CPC/2015.
Segundo os termos do Enunciado Administrativo n. 3/STJ, aprovado pelo Plenário da Corte na sessão de 9/3/2016: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.”
Trata-se de ação previdenciária objetivando a concessão de benefício por incapacidade. Sobreveio sentença de improcedência e apelação do autor aduzindo que a condição social do portador de HIV lhe dá direito ao benefício.
Os requisitos indispensáveis para a concessão de benefício previdenciário por incapacidade são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei n. 8.213/91; c) a incapacidade parcial ou total e temporária (auxílio-doença) ou permanente e total (aposentadoria por invalidez) para atividade laboral.
No caso dos autos, o autor teve concedida aposentadoria por invalidez nos autos 240460-67.2011.809.0023, tendo recebido o benefício de 28/04/2014 a 31/07/2018.
A perícia judicial, realizada em junho/2023, relatou que o autor é portador de diabetes e SIDA, não tendo sido constatada incapacidade para sua profissão de cozinheiro.
Realizado também estudo social que relatou que o autor se encontra em vulnerabilidade social, sem condições de suprir o mínimo para sua sobrevivência, sem família e vivendo de ajuda de terceiros, impossibilitado de conseguir emprego, pois quando descobrem sua doença é dispensado e que a maior parte da população sabe de sua doença.
Importa destacar que o fato de ser portador de SIDA não garante o automático reconhecimento de sua incapacidade laboral, isto porque o fato gerador do benefício não é a doença e sim a comprovação do estado de incapacidade. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO PELA CAPACIDADE DO SEGURADO. O BENEFÍCIO EXIGE A COMPROVAÇÃO DA INCAPACIDADE TOTAL DEFINITIVA DO SEGURADO, O QUE NÃO FICOU DEMONSTRADO NA HIPÓTESE DOS AUTOS. REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. AGRAVO DO SEGURADO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O Tribunal de origem, com base no conjunto fático- probatório dos autos, especialmente o laudo pericial produzido em juízo, concluiu que o Segurado possui capacidade laboral, uma vez que as patologias que apresenta não tem repercussões clínicas capazes de gerar incapacidade laboral total e permanente, não preenchendo, assim, os requisitos legais para a concessão do benefício. 2. Ao contrário do que sustenta o recorrente, o fato de ser portador de SIDA, não garante o automático reconhecimento de sua incapacidade total, isto porque o fato gerador do benefício não é a doença e sim a comprovação do estado de incapacidade, o que não ficou demonstrado nos autos. 3. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 550.168/MS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/09/2018, DJe 27/09/2018)
Assim, a ausência de incapacidade laboral total e definitiva inviabiliza a possibilidade de concessão do benefício de aposentadoria por invalidez postulado.
Por outro lado, em razão do princípio da fungibilidade dos benefícios, no direito previdenciário se permite que o magistrado reconheça o direito ao segurado de benefício diverso do que foi pretendido, quando preenchidos os requisitos legais para a sua concessão, sem que tal providência importe em julgamento extra ou ultra petita.
No caso específico do portador do vírus HIV, para fins de concessão de benefício assistencial, a jurisprudência tem adotado o entendimento de que o juízo deve considerar as condições pessoais e sociais da parte, de modo a verificar não apenas a sua incapacidade para o trabalho em si, mas também as dificuldades de encontrar o emprego em razão do estigma social que acompanha o portador dessa patologia, que dificulta a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho. (AC n. 0072359-69.2016.4.01.9199, Relator Desembargador Federal César Cintra Jatahy Fonseca, Segunda Turma, e-DJF1 22/03/2017).
Ainda, no mesmo sentido é a Súmula 78 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais também autoriza tal interpretação ao dispor que "Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença".
Levando em consideração que a perícia afirma que o autor é portador de patologias crônicas que necessitam de tratamento contínuo e regular com orientação médica, a fim de detectar complicações em órgãos alvos, além do caráter estigmatizante da doença e as suas condições pessoais, forçoso reconhecer que dificilmente conseguirá desenvolver uma atividade laboral. Ademais, o estudo social demonstrou a sua situação de vulnerabilidade social.
Diante desse cenário, deve ser reconhecido à parte autora o direito ao benefício de amparo social ao portador de deficiência, a partir da data de cessação do benefício de aposentadoria por invalidez na via administrativa.
Atrasados: correção monetária e juros moratórios conforme Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Honorários de advogado fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações devidas até a prolação deste acórdão.
É devido, na espécie, o deferimento da tutela de urgência, porque presentes os requisitos necessários para a sua concessão. Ademais, os recursos eventualmente interpostos contra o acórdão têm previsão de ser recebidos apenas no efeito devolutivo.
Em face do exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
É como voto.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
Relator
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1011825-89.2024.4.01.9999
RELATOR: Des. MORAIS DA ROCHA
APELANTE: JESUS FERREIRA DE FREITAS
Advogado do(a) APELANTE: RENATO LEAO RIBEIRO - GO36600
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. PORTADOR DE HIV. INCAPACIDADE LABORAL NÃO CONSTATADA EM PERÍCIA JUDICIAL. ESTUDO SOCIAL DEMONSTRANDO SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. DOENÇA ESTIGMATIZANTE. CONDIÇÕES PESSOAIS, SOCIAIS E ECONÔMICAS DA PARTE. REQUISITOS LEGAIS ATENDIDOS. LEI N. 8.742/91. TERMO INICIAL. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Os requisitos indispensáveis para a concessão de benefício previdenciário por incapacidade são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei n. 8.213/91; c) a incapacidade parcial ou total e temporária (auxílio-doença) ou permanente e total (aposentadoria por invalidez) para atividade laboral.
2. No caso dos autos, o autor teve concedida aposentadoria por invalidez por força de decisão judicial, tendo recebido o benefício de 28/04/2014 a 31/07/2018, e a perícia judicial realizada nestes autos em junho/2023 relatou que, a despeito de ser portador de diabetes e SIDA, não fio constatada incapacidade para a profissão de cozinheiro. Realizado também estudo social que relatou que o autor se encontra em vulnerabilidade social, sem condições de suprir o mínimo para sua sobrevivência, sem família e vivendo de ajuda de terceiros, impossibilitado de conseguir emprego, pois quando descobrem sua doença é dispensado, e que a maior parte da população sabe de sua doença.
4. O fato de ser o segurado ser portador de SIDA não garante o automático reconhecimento de sua incapacidade laboral, isto porque o fato gerador do benefício não é a doença e sim a comprovação do estado de incapacidade. Precendente: AgInt no AREsp 550.168/MS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/09/2018, DJe 27/09/2018.
5. Assim, a ausência de incapacidade laboral total e definitiva inviabiliza a possibilidade de concessão do benefício de aposentadoria por invalidez postulado.
6. Por outro lado, em razão do princípio da fungibilidade dos benefícios, no direito previdenciário se permite que o magistrado reconheça o direito ao segurado de benefício diverso do que foi pretendido, quando preenchidos os requisitos legais para a sua concessão, sem que tal providência importe em julgamento extra ou ultra petita.
7. No caso específico do portador do vírus HIV, para fins de concessão de benefício assistencial, a jurisprudência tem adotado o entendimento de que o juízo deve considerar as condições pessoais e sociais da parte, de modo a verificar não apenas a sua incapacidade para o trabalho em si, mas também as dificuldades de encontrar o emprego em razão do estigma social que acompanha o portador dessa patologia, que dificulta a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho. (AC n. 0072359-69.2016.4.01.9199, Relator Desembargador Federal César Cintra Jatahy Fonseca, Segunda Turma, e-DJF1 22/03/2017).
8. Ainda, no mesmo sentido é a Súmula 78 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais também autoriza tal interpretação ao dispor que "Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença".
9. Levando em consideração que a perícia afirma que o autor é portador de patologias crônicas que necessitam de tratamento contínuo e regular com orientação médica, a fim de detectar complicações em órgãos alvos, além do caráter estigmatizante da doença e as suas condições pessoais, forçoso reconhecer que dificilmente conseguirá desenvolver uma atividade laboral. Ademais, o estudo social demonstrou a sua situação de vulnerabilidade social.
10. Diante desse cenário, deve ser reconhecido à parte autora o direito ao benefício de amparo social ao portador de deficiência, a partir da data de cessação do benefício de aposentadoria por invalidez na via administrativa.
11. Atrasados: correção monetária e juros moratórios conforme Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
12. Honorários de advogado fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações devidas até a prolação deste acórdão.
13. É devido, na espécie, o deferimento da tutela de urgência, porque presentes os requisitos necessários para a sua concessão. Ademais, os recursos eventualmente interpostos contra o acórdão têm previsão de ser recebidos apenas no efeito devolutivo.
14. Apelação da parte autora parcialmente provida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Primeira Turma, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA