D.E. Publicado em 07/12/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, afastar as preliminares arguidas, negar provimento à remessa necessária e à apelação do INSS, dar parcial provimento à apelação da parte autora e fixar, de ofício, os consectários legais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0001336-52.2012.4.03.6126/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, ajuizado por Benicio Dos Santos Ferraz em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Juntou procuração e documentos (fls. 12/375).
Indeferida a antecipação dos efeitos da tutela (fl. 378).
Contestação do INSS às fls. 389/403, na qual sustenta, preliminarmente, a ocorrência de prescrição e decadência. No mérito, argumenta pela impossibilidade de acolhimento do labor rural sem registro, bem como pugna pelo não enquadramento das atividades exercidas pela parte autora como sendo de natureza especial, requerendo, ao final, a improcedência total do pedido.
Réplica da parte autora (fls. 412/429).
Oitiva de testemunhas (fls. 457/458 e 474).
Sentença às fls. 486/489, pela parcial procedência do pedido, fixando a sucumbência e a remessa necessária. Foi concedida a tutela antecipada.
Opostos embargos de declaração (fls. 505/506), estes foram parcialmente acolhidos (fl. 508).
Apelação da parte autora, pleiteando o reconhecimento de todos os períodos indicados na inicial como de labor campesino, bem como da especialidade dos períodos apontados, não reconhecidos pela sentença. Ao final, manifesta-se sobre a correta aplicação dos consectários legais (fls. 518/546).
Apelação do INSS, na qual reitera os argumentos deduzidos na contestação (fls. 547/568).
Com contrarrazões (fls. 570/585), subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Pretende a parte autora, nascida em 01.11.1951, a averbação de atividade rural sem registro em CTPS, no período de 01.01.1965 a 31.07.1972, bem como o reconhecimento do exercício de atividades especiais nos períodos de 01.09.1972 a 13.12.1974, 05.01.1978 a 13.10.1986 e 20.10.1986 a 10.12.1997, além da ratificação dos interregnos de 24.01.1975 a 05.12.1976, 13.01.1977 a 04.01.1978 e 11.12.1997 a 29.10.1998, em que desenvolveu atividades urbanas comuns, com a consequente revisão da sua aposentadoria por tempo de contribuição, a partir do requerimento administrativo (D.E.R. 29.10.1998).
Das preliminares.
Inicialmente, afasto as preliminares de decadência e prescrição arguidas pelo INSS. O presento feito versa sobre concessão de benefício previdenciário, e não de revisão, motivo pelo qual não há que se falar em decadência. Já no que diz respeito à prescrição, verificando-se a formulação de requerimento administrativo indeferido em 29.10.1998 (fl. 119), e a interposição de recurso em 16.12.1998 (fl. 121), absorvido por mandado de segurança, que transitou em julgado apenas na data de 26.11.2010 (fl. 492), tem-se que não transcorreu o prazo legal, uma vez que o ajuizamento da ação se deu 08.03.2012 (fl. 02).
Da atividade rural.
É certo que a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que é insuficiente apenas a produção de prova testemunhal para a comprovação de atividade rural, nos termos da Súmula 149: (...) A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário (...).
Nesse sentido:
Importante anotar, contudo, que não se exige que a prova material se estenda por todo o período de carência, mas é imprescindível que a prova testemunhal amplie a eficácia probatória dos documentos, como se verifica nos autos.
No mesmo sentido:
A matéria, a propósito, foi objeto de Recurso Especial Representativo de Controvérsia:
Ocorre que o autor anexou aos autos razoável início de prova material em que consta o termo "lavrador" ou "rurícola" ou "volante" ou "trabalhador rural", consubstanciado nos seguintes documentos: i) ficha de alistamento militar (1969; fl. 33); ii) certidão emitida pelo Ministério do Exército (1969; fl. 34); iii) certificado de dispensa de incorporação ao Exército (1970; fl. 35); iv) título eleitoral (1970; fl. 36).
Nesse sentido:
As testemunhas ouvidas em Juízo (fls. 457/458 e 472)), por sua vez, corroboraram o alegado na exordial, não remanescendo quaisquer dúvidas quanto ao exercício, pelo requerente, de atividade rural no período pleiteado.
Ante o conjunto probatório, restou demonstrada a regular atividade rural da parte autora, no período de 01.01.1965 a 31.07.1972, sem registro em CTPS, devendo ser procedida a contagem de tempo de serviço cumprido no citado interregno, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência, nos termos do art. 55, parágrafo 2º, da Lei nº 8.213/91.
Da atividade especial.
No que se refere à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelo Decreto nº 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de contribuição para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95, como a seguir se verifica.
O art. 58 da Lei nº 8.213/91 dispunha, em sua redação original que "(...) A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica (...)". Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96, tal dispositivo legal teve sua redação alterada, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, na forma que segue:
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96 (reeditada até a MP nº 1.523-13 de 23.10.97 - republicado na MP nº 1.596-14, de 10.11.97 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação foi definida apenas com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV). Ocorre que, em se tratando de matéria reservada à lei, tal disposição somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual a apresentação de laudo técnico só pode ser exigida a partir dessa ultima data. Nesse sentido é o entendimento majoritário do E. STJ:
Assim, em tese, pode ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030 (exceto para o agente nocivo ruído, por depender de prova técnica).
Ressalto que os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
Saliento que não se encontra vedada a conversão de tempo especial em comum, exercida em período posterior a 28.05.1998, uma vez que ao ser editada a Lei nº 9.711/98, não foi mantida a redação do art. 28 da Medida Provisória nº 1.663-10, de 28.05.98, que revogava expressamente o parágrafo 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, devendo, portanto, prevalecer este último dispositivo legal, nos termos do art. 62 da Constituição da República.
Quanto ao agente nocivo ruído, o Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 decibéis como prejudicial à saúde. Por tais razões, até ser editado o referido decreto, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 decibéis como agente nocivo à saúde. Com o advento do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível passou a ser de 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99).
Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto nº 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruídos de 85 decibéis, a questão foi levada ao C. Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso Especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do art.543-C do Código de Processo Civil (Recurso Especial Repetitivo), fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis, na forma que segue:
Dessa forma, deve-se considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a ruídos superiores a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, a exposição a ruídos de 90 decibéis e, a partir de então, a ruídos de 85 decibéis.
De outra parte, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei nº 9.528/97, é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividades em condições especiais, fazendo às vezes do laudo técnico.
E não afasta a validade de suas conclusões o fato de ter sido o PPP ou laudo elaborado posteriormente à prestação do serviço, vez que tal requisito não está previsto em lei, mormente porque a responsabilidade por sua expedição é do empregador, não podendo o empregado arcar com o ônus de eventual desídia daquele e, ademais, a evolução tecnológica tende a propiciar condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas: "i) tese 1 - regra geral: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial; e ii) tese 2 - agente nocivo ruído: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos".
NO CASO DOS AUTOS, os períodos incontroversos em virtude de acolhimento na via administrativa totalizam 25 (vinte e cinco) anos, 11 (onze) meses e 06 (seis) dias (fls. 112), sendo reconhecidos como tempo de contribuição comum os interregnos de 21.04.1975 a 05.12.1976, 13.01.1977 a 04.01.1978 e 11.12.1997 a 29.10.1998. Portanto, a controvérsia colocada nos autos engloba tanto o período rural acima analisado, quanto o reconhecimento da natureza especial das atividades exercidas nos períodos de 01.09.1972 a 13.12.1974, 05.01.1978 a 13.10.1986 e 20.10.1986 a 10.12.1997.
Ocorre que, nos períodos de 01.09.1972 a 13.12.1974, 05.01.1978 a 13.10.1986 e 20.10.1986 a 05.03.1997, a parte autora, nas funções de servente, inspetor de qualidade e inspetor de ferramentaria, esteve exposta a ruídos acima dos limites legalmente admitidos (fls. 57/99), devendo também ser reconhecida a natureza especial das atividades exercidas nesses períodos, conforme código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79, código 2.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e código 2.0.1 do Decreto nº 3.048/99, neste ponto observado, ainda, o Decreto nº 4.882/03.
Ainda, finalizando, o período de 06.03.1997 a 10.12.1997 deve ser reconhecido como tempo de contribuição comum, ante a ausência de comprovação de exposição a quaisquer agentes físicos, químicos ou biológicos (fls. 97/99).
Sendo assim, somados todos os períodos comuns, inclusive rurais sem registro, e especiais, estes devidamente convertidos, totaliza a parte autora 42 (quarenta e dois) anos, 01 (um) mês e 04 (quatro) dias de tempo de contribuição até a data do requerimento administrativo (D.E.R. 29.10.1998), observado o conjunto probatório produzido nos autos e os fundamentos jurídicos explicitados na presente decisão.
Restaram atendidos pela parte autora, ainda, os requisitos da qualidade de segurado (art. 15 e seguintes da Lei nº 8.213/91) e carência para a concessão do benefício almejado (art. 24 e seguintes da Lei nº 8.213/91).
Destarte, a parte autora faz jus à aposentadoria por tempo de contribuição, com valor calculado na forma prevista no art. 29, caput, da Lei nº 8.213/91, na sua redação original.
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Os honorários advocatícios devem ser fixados em 15% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença de primeiro grau, nos termos da Súmula 111 do E. STJ.
Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único).
Caso a parte autora esteja recebendo benefício previdenciário concedido administrativamente, deverá optar, à época da liquidação de sentença, pelo beneficio judicial ou administrativo que entenda ser mais vantajoso. Se a opção recair no benefício judicial, deverão ser compensadas as parcelas já recebidas em sede administrativa, face à vedação da cumulação dos benefícios.
Diante do exposto, afasto as preliminares arguidas, nego provimento à remessa necessária e à apelação do INSS e dou parcial provimento à apelação da parte autora, para, fixando, de ofício, os consectários legais, julgar parcialmente procedente o pedido e condenar o réu a conceder-lhe o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir do requerimento administrativo (D.E.R. 29.10.1998), tudo na forma acima explicitada.
As verbas acessórias e as prestações em atraso também deverão ser calculadas na forma acima estabelecida, em fase de liquidação de sentença.
É como voto.
NELSON PORFIRIO
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 28/11/2017 17:38:38 |