Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0002114-08.2019.4.03.6310
Relator(a)
Juiz Federal FLAVIA DE TOLEDO CERA
Órgão Julgador
1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
09/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 16/11/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. PERÍODO RURAL EM REGIME DE
ECONOMIA FAMILIAR. RECONHECIMENTO PARCIAL. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO PARA
FINS DE CARÊNCIA. TRABALHO RURAL DO MENOR DE 16 ANOS. POSSIBILIDADE A
PARTIR DOS 12 ANOS NOS TERMOS DA JURISPRUDÊNCIA. RECURSO DO INSS PROVIDO
EM PARTE. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002114-08.2019.4.03.6310
RELATOR:2º Juiz Federal da 1ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: SONIA MARIA BUENO
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Advogado do(a) RECORRIDO: GUILHERME DE MATTOS CESARE PONCE - SP374781-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002114-08.2019.4.03.6310
RELATOR:2º Juiz Federal da 1ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: SONIA MARIA BUENO
Advogado do(a) RECORRIDO: GUILHERME DE MATTOS CESARE PONCE - SP374781-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Ação em que se requer a concessão de aposentadoria por idade com reconhecimento de labor
rural. Sentença de parcial procedência.Recorre o INSS, pugnando pela reforma integral da
sentença e improcedência do pedido, argumentando a impossibilidade de cômputo de tempo
rural, em regime de economia familiar, para menor de 16 anos. Sustenta que no caso em
concreto, foi reconhecido o labor a partir dos 8 anos de idade.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002114-08.2019.4.03.6310
RELATOR:2º Juiz Federal da 1ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: SONIA MARIA BUENO
Advogado do(a) RECORRIDO: GUILHERME DE MATTOS CESARE PONCE - SP374781-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Constou da sentença, in verbis:
“Do período rural pleiteado
Com relação ao período rural pleiteado de 23.05.1959 30.08.1972, verifica-se nos autos início
de prova material consistente na Certidão de Nascimento da autora e de seus irmãos (1951,
1956, 1957, 1958, 1960, 1962, 1964, 1966, 1970), Certidão de Nascimento com averbação de
casamento dos irmãos (1976, 1985, 1987 e 1994) e outros documentos correlatos, constando a
profissão de “lavradores” dos pais da autora.Quanto ao início de prova material em nome de
terceiro, entendo que a boa exegese do inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/91 impõe a
aceitação de tais documentos em favor da parte autora.Isto porque o mencionado dispositivo
estende-lhe a qualidade de segurado especial, a saber:“ VI I-como segurado especial: o
produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatá rio rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o
assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia
familiar, ainda que o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou
companheiros e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que
trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. (O garimpeiro está excluído por
força da Lei nº 8.398, de 7.1.92, que alterou a redação da Lei nº 8.212, de 24.7.91) “Assim,
deve a qualidade de segurado especial do arrimo ser provada para que se aproveite os demais
componentes do grupo familiar.
De outro lado, a atividade rural da parte autora restou demonstrada pelos depoimentos
colhidos.As informações trazidas pela documentação juntada foram devidamente corroboradas
pelas testemunhas ouvidas, isto é, o início de prova material, embasado em testemunhos
uniformes que demonstram que a autora trabalhou na lavoura durante o período de 23.05.1959
a 30.08.1972, é suficiente para comprovar o tempo de trabalho rural, para os fins no disposto no
artigo 55 da Lei 8.213/91. A exigência de maior segurança no conjunto probatório produzido
deve-se à qualidade do interesse em jogo. As questões previdenciárias envolvem interesse
público, pois se de um lado há o interesse do autor segurado de outro está o interesse de todos
os demais dependentes do sistema da previdência Social.Desta forma, entendo plenamente de
acordo com a Constituição Federal a exigência legal de início de prova material para a
comprovação de tempo de serviço.Do trabalho exercido por menorPretende a parte autora o
reconhecimento de tempo de atividade rural em período em que era menor de 16 anos.Ressalto
que sempre mantive entendimento que o trabalho do menor de 16 anos, exceto na condição de
aprendiz após 14 anos, não fora recepcionado pela Carta Magna vigente. Deste modo, era meu
entendimento que a sentença que reconhecesse tempo de trabalho rural do menor de 16 anos
careceria de pressuposto de validade.Contudo, à luz da jurisprudência superior dediquei-me ao
estudo da norma constitucional contida no inciso XXXIII do art. 7º :“Art.7ºXXXIII -proibição de
trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores
de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
De fato, numa análise estrita não existe, no dispositivo em comento, a possibilidade do trabalho
infantil válido para ordem constitucional vigente.Porém, ao combinarmos o disposto no inciso
XXXIII do art. 7º com os incisos I e II do § 3º do art. 227, todos da Constituição Federal, verifica-
se que outra não pode ser a interpretação da importância jurídica do trabalho do menor já
exercido.Senão vejamos, reza o artigo 227:“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.(...)§ 3º -
O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:I -idade mínima de quatorze
anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;II -garantia de direitos
previdenciários e trabalhistas.”Fica claro o intuito da norma do art. 7º de oferecer uma proteção
contemporânea, ou seja, não pode haver o trabalho do menor, contudo à luz dos incisos do §3º
do artigo 227, em tendo havido a prestação laboral, a Constituição Federal protege os direitos
tanto trabalhistas quanto previdenciários do infante.Portanto, à luz de uma interpretação
sistemática, concluo que outra não pode ser a aplicação do art. 7º senão para coibir a prática do
trabalho do menor e não para vedar-lhe reconhecimento quando demonstrado que este de fato
ocorreu.Outra, aliás, não tem sido a postura adotada pelo E. STF, que, julgando caso similar,
entendeu jurídica a contagem de tempo exercido por menor de 14 anos. O aresto encontra-se
assim ementado:
“Agravo de instrumento. 2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze anos. Contagem de
tempo de serviço. Art. 11, VII, da Lei nº. 8213. Possibilidade. Precedentes. 3. Alegação de
violação aos arts. 5º, XXXVI; e 97, da CF/88. Improcedente. Impossibilidade de declaração de
efeitos retroativos para o caso de declaração de nulidade de contratos trabalhistas. Tratamento
similar na doutrina do direito comparado: México, Alemanha, França e Itália. Norma de garantia
do trabalhador que não se interpreta em seu detrimento. Acórdão do STJ em conformidade com
a jurisprudência desta Corte. 4. Precedentes citados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir
Passarinho, DJ 02.04.86; e RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86 5. Agravo de
instrumento a que se nega provimento” (STF, AI 529694/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes).Assim,
revendo posicionamento anterior, reconheço para fins previdenciários o período laborado pela
parte autora com idade inferior a 16 anos consoante as provas apresentadas nestes autos”.
4. Com parcial razão o INSS, apenas no que tange ao período de reconhecimento do labor rural
do menor de 16 anos.
5. Isso porque, a jurisprudência tem reconhecido o trabalho do menor a partir dos 12 anos de
idade, posicionamento aqui adotado.
6. Sobre o tema o STJ já se posicionou no seguinte sentido:
“2. A intenção do legislador infraconstitucional ao impor o limite mínimo de 16 anos de idade
para a inscrição no RGPS era a de evitar a exploração do trabalho da criança e do adolescente,
ancorado no art. 7o., XXXIII da Constituição Federal. 3. Esta Corte já assentou a orientação de
que a legislação, ao vedar o trabalho infantil, teve por escopo a sua proteção, tendo sido
estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo, aplicando-se o princípio
da universalidade da cobertura da Seguridade Social. 4. Desta feita, não é admissível que o não
preenchimento do requisito etário para filiação ao RGPS, por uma jovem impelida a trabalhar
antes mesmo dos seus dezesseis anos, prejudique o acesso ao benefício previdenciário, sob
pena de desamparar não só a adolescente, mas também o nascituro, que seria privado não
apenas da proteção social, como do convívio familiar, já que sua mãe teria de voltar às lavouras
após seu nascimento. 5. Nessas condições, conclui-se que, comprovado o exercício de trabalho
rural pela menor de 16 anos durante o período de carência do salário-maternidade (10 meses),
é devida a concessão do benefício (...)” – Recurso Especial 1440024, Rel. Ministro Napoleão
Nunes Maia Filho, DJE 28/08/2015.
7. No mesmo sentido a TNU:
“Ora, a norma constitucional insculpida no artigo 7º, inciso XXXIII da Constituição Federal, tem
caráter protecionista, visando coibir o trabalho infantil, não podendo servir, porém, de restrição
aos direitos do trabalhador no que concerne à contagem de tempo de serviço para fins
previdenciários, ainda que não se trate de labor rural em regime de economia familiar. - Em
sendo assim, RECONHEÇO o labor urbano realizado pelo ora recorrente mesmo quando tiver
menos de 12 anos de idade, devendo o período de 1º/01/1963 a 20/05/1966 ser incluído em
seu tempo de serviço” - PEDILEF 00021182320064036303, Relator Juiz Federal Frederico
Augusto Leopoldino Koehler, DOU 10/06/2016.
8. Dito isso, possível o reconhecimento do labor a partir de 1963, quanto então, a autora
completou 12 anos de idade. Logo, o período de 23.05.1959 a 22.05.1963 resta afastado.
9. Quanto aos demais argumento, verifico que os documentos apresentados constituem
suficiente início de prova material e foram corroborados por prova testemunhal. Destarte, é de
se manter o reconhecimento do período rural de 23.05.1963 30.08.1972, o qual deverá ser
averbado pelo INSS.
10. Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso interposto pelo INSS, para afastar o
reconhecimento do período rural de 23.05.1959 a 22.05.1963, nos termos da fundamentação.
11. Caberá ao juízo de origem determinar o recálculo do tempo de contribuição total,
adequando os cálculos ao teor do julgado.
12. Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. PERÍODO RURAL EM REGIME DE
ECONOMIA FAMILIAR. RECONHECIMENTO PARCIAL. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO
PARA FINS DE CARÊNCIA. TRABALHO RURAL DO MENOR DE 16 ANOS. POSSIBILIDADE
A PARTIR DOS 12 ANOS NOS TERMOS DA JURISPRUDÊNCIA. RECURSO DO INSS
PROVIDO EM PARTE. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Primeira Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo
decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso interposto pelo INSS, nos termos
do voto-ementa da Juíza Federal Relatora, Flávia de Toledo Cera., nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA