
D.E. Publicado em 28/07/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 19/07/2016 17:40:31 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016795-76.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação em ação de conhecimento, que tem por objeto condenar o réu a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa idosa.
O MM. Juízo a quo julgou improcedente o pedido, condenando a autoria no pagamento das verbas sucumbenciais e honorários advocatícios de 10% sobre o valor atribuído à causa, observado o disposto no Art. 12, da Lei 1.060/50 para a execução dessas verbas.
Apela a autoria, pugnando pela reforma da sentença, sustentando em apertada síntese, que "a renda 'per capita' exigida pelo ilustre magistrado a 'quo', proveniente de mera disposição ordinária, não pode constituir óbice à concessão do benefício pleiteado". Prequestiona a matéria debatida para fins recursais.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer.
É o relatório.
VOTO
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No presente caso, a parte autora cumpriu o requisito etário. Para os efeitos do Art. 20, da Lei 8.742/93 e do Art. 34, da Lei 10.741/03, na data do ajuizamento da ação, a parte autora já era considerada idosa, pois já havia atingido a idade de 73 anos (fl. 13).
Além disso, cumpria à parte autora demonstrar que não possui meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Para os fins do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar é constituído pela autora Maria José Machado de Campos, nascida aos 19/04/1942 e seu esposo Carlos Nunes de Campos, nascido aos 14/11/1938, funcionário público aposentado por invalidez.
A averiguação social constatou que o núcleo familiar reside em imóvel próprio, composta por três quartos, sala, cozinha, sala de jantar, banheiro e lavanderia e consta que nos fundos do terreno está sendo edificada uma edícula com banheiro, que está sendo custeada pelo filho Marcos.
A renda familiar era proveniente da aposentadoria por invalidez do cônjuge, no valor de R$1.163,18, referente ao mês de julho de 2015.
Foram comprovadas despesas no montante de R$1.256,73, com alimentação (R$584,65), água (R$68,15), energia elétrica (R$113,93), gás de cozinha (R$40,00), farmácia (R$200,00) e despesas com pagamento da clínica de recuperação onde está internado o filho José Madalena Nunes Campos está internado há aproximadamente 10 anos por uso abusivo de álcool (R$250,00).
Colhe-se do laudo pericial que a autora informou que "atualmente não passa por dificuldades para prover o sustento familiar considerando a renda familiar e os auxílios do filho Marcos e de seus familiares."
Quanto ao filho Marcos, embora não conste dos autos a sua qualificação e profissão, foi constado pelo experto que um dos três quartos continha uma cama de casal, cômoda, guarda roupa, armário de metal, duas cômodas, ferramentas, máquina de solda profissional, lavadora de alta pressão, dois colchões de solteiro e de casal, arquivo de pasta suspensa A/Z e armário de madeira, que a autora afirmou "ser o quarto de Marcos que não reside na moradia" (fls. 84/87).
A autora afirmou que recebia ajuda do filho e de familiares para as despesas e que Marcos estava arcando com os custos da construção da edícula nos fundos do terreno "considerando que essas melhorias na residência aumenta o espaço físico", donde se depreende que Marcos aufere renda, pois auxilia a mãe e está suportando os gastos da construção.
O estudo social foi impugnado pela parte autora e em resposta, informou o Assistente Social que o laudo continha todas as respostas aos quesitos formulados pelas partes, consignando que "Entretanto suas afirmações nas questões da renda familiar e as condições de moradia, fica evidente que não se trata de família em extrema vulnerabilidade social e/ou miserabilidade a níveis de extrema pobreza evidenciados e apensado ao elaborar o Estudo Social." (fl. 104 - g.n.)
Em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
O critério da renda per capita do núcleo familiar não é o único a ser utilizado para se comprovar a condição de miserabilidade do idoso ou do deficiente que pleiteia o benefício.
Ainda que seja excluído o valor de um salário mínimo da renda familiar, que se destina à manutenção do cônjuge idoso, o valor remanescente, somado à ajuda prestada pelos seus familiares e as condições narradas no estudo social, denotam que a autora não se encontra em situação de penúria ou risco social, ainda que se considere que sua família viva em condições econômicas modestas.
Desse modo, ausente um dos requisitos indispensáveis, decerto que a parte autora não faz jus ao benefício assistencial de prestação continuada do Art. 20, da Lei nº 8.742/93.
Nessa esteira, traz-se a lume jurisprudência desta Corte Regional:
Cabe relembrar que o escopo da assistência social é prover as necessidades básicas das pessoas, sem as quais não sobreviveriam e que o benefício não se destina à complementação de renda.
Consigno que, com a eventual alteração das condições descritas, a parte autora poderá formular novamente seu pedido.
Quanto ao prequestionamento da matéria para fins recursais, não há falar-se em afronta a dispositivos legais e constitucionais, porquanto o recurso foi analisado em todos os seus aspectos.
Ante o exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 19/07/2016 17:40:35 |