
D.E. Publicado em 02/06/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0021421-46.2013.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 03/05/2012, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
Após a realização da perícia médica, o MM. Juízo a quo, fundamentado na ausência de incapacidade atestada pelo laudo médico pericial, julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em R$800,00, condicionando a execução dessas verbas à perda da condição de beneficiária da justiça gratuita.
Apela a parte autora, pleiteando em preliminar, a anulação da sentença para que seja complementado o laudo médico pericial e respondidos os quesitos formulados. Quanto ao mérito, sustenta que preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo desprovimento do recurso interposto.
Às fls. 151/152 foi proferida decisão monocrática convertendo o julgamento em diligência, para a realização do estudo social e após o cumprimento da determinação, os autos foram devolvidos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
De início, anoto que não há que se falar em cerceamento de defesa se o Juízo sentenciante entendeu suficientes os elementos contidos no laudo pericial apresentado para formar o seu convencimento.
Nesse sentido, confira-se o entendimento das Turmas que integram a 3ª Seção da Corte:
Passo ao exame da matéria de fundo.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, § 3º, estabeleceu que faz jus ao benefício a pessoa, deficiente ou idoso maior de sessenta e cinco anos, cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que Margarida Caetano de Almeida Santos, nascida aos 10/06/1950, é portadora de doença degenerativa incipiente na coluna lombar, concluindo o experto que não há incapacidade para o trabalho em virtude dessa moléstia (fls. 103/104).
Em que pese a conclusão do laudo médico pericial, cabe frisar que o julgador não está adstrito apenas à prova técnica para formar a sua convicção, pois a efetiva ausência de aptidão do beneficiário para o trabalho decorre de suas condições pessoais, tais como faixa etária, habilidades, grau de instrução e limitações físicas.
Extrai-se dos autos que a autora completou 62 anos de idade em 10/06/2012, logo após o ajuizamento no dia 03 de maio do mesmo ano, não concluiu o ensino fundamental, trabalhou formalmente como prestadora de serviço e ajudante de cozinha, conforme comprovam as cópias da CTPS e as informações assentadas no CNIS (fls. 16/20) e referiu na inicial que trabalhava como empregada doméstica sem registro, quando sua saúde permitia.
O receituário emitido Secretaria de Saúde na data de 07/02/2011, encaminha a autora para tratamento fisioterápico, por ser portadora de Osteoporose (M80.9), Lombalgia (M54.5), AO coluna (M19.9) e Fratura em úmero proximal E (T92.9) e solicita "fisioterapia motora, com treino de propriocepção e equilíbrio, fortalecimento de antigravitacionais e avaliação de marcha com bengala de 1 ponto", bem como declara que ela está em acompanhamento fisioterápico por tempo indeterminado (fls. 34 e 38).
Desta feita, em virtude dos males que padece, as limitações físicas decorrentes da idade avançada, o baixo grau de instrução e ausência de qualificação profissional para exercer outras atividades que não demandem esforços físicos, conclui-se que a autora preenche o requisito da deficiência para usufruir do benefício assistencial, porquanto não é crível que consiga ser reinserida no competitivo mercado de trabalho frente a esse quadro.
Nesse sentido, a jurisprudência da Colenda Corte Superior:
Na mesma esteira, dispõe a Súmula 29 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), in verbis:
Ademais, cabe elucidar que a autora completou 65 anos de idade no curso do processo, em 10/06/2015 e a partir dessa data, a sua incapacidade é presumida.
Destarte, o conjunto probatório comprova que mesmo antes de ter implementado o requisito etário, a autora preenchia o requisito da deficiência para a concessão do benefício assistencial, à luz do Art. 20, § 2º da Lei 8.742/93.
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Não há entidade familiar para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, porquanto foi constatado pela Assistente Social que a autora Margarida Caetano de Almeida Santos, nascida aos 10/06/1950, é divorciada consensualmente, por sentença judicial proferida em 11/02/1998, e vive sozinha.
Na visita domiciliar realizada em 30/12/2013, constatou a experta que a autora residia no mesmo local há aproximadamente 30 anos, em uma casa pequena construída em alvenaria, sem acabamento, composta por dois cômodos e um banheiro.
As fotografias extraídas do local dão conta que está em precárias condições de habitabilidade, tendo sido esclarecido que se trata de área pertencente à Fepasa e embora a autora tenha a posse do referido imóvel há muitos anos, corre o risco de ter que desocupar o local (fls. 171/160).
A renda familiar era incerta e variável, em torno de R$100,00, pois dependia da revenda de roupas de cama de um fornecedor, tendo a autora relatado que não estava conseguindo sair para revender os produtos, devido às condições precárias de saúde.
A autora esclareceu que não recebia ajuda dos filhos e que era beneficiária do programa Bolsa Família e recebia o valor mensal de R$50,00. Todavia, o benefício foi suspenso desde que seu filho completou a maioridade e foi morar com sua companheira e que tem sobrevivido com doações de alimentos e roupas de alguns vizinhos (fls. 167/168).
A requerimento da Autarquia, foi procedida a complementação do estudo social, para que a autora informasse os nomes dos seus filhos e os respectivos CPF, para possibilitar a consulta ao CNIS.
O relatório acostado às fls. 194/196 informa que a autora tinha quatro filhos, Claudeci Almeida Santos, que morava sozinho em São Paulo, Claudinei Almeida Santos, e José Pedro de Almeida Santos, casado, com quatro filhos e Rosilene Almeida Santos, casada, residentes na mesma cidade.
Em consulta ao sistema de dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS Cidadão, constata-se que Claudinei Almeida dos Santos não possui nenhum vínculo trabalhista assentado em seus registros e que Claudeci Almeida Santos reside em São Paulo, como informado pela autora, e que está desempregado, conforme comprovam as planilhas anexas a esta decisão.
Destarte, extrai-se do conjunto probatório não só a situação de penúria em que vive a autora, mais ainda, que não tem meios de prover a sua manutenção e nem de tê-la provida por sua família, de modo que preenchidos os requisitos legais, faz jus à percepção do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação da Autarquia, formalizada aos 01/06/2012 (fl. 52), em conformidade com o entendimento assente no c. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde a citação, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo e. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme entendimento consolidado na c. 3ª Seção desta Corte (AL em EI nº 0001940-31.2002.4.03.610). A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação interposta, nos termos em que explicitado.
Independentemente do trânsito em julgado desta decisão, determino seja enviado e-mail ao INSS, instruído com os documentos da parte autora, em cumprimento ao Provimento Conjunto nº 69/2006, alterado pelo Provimento Conjunto nº 71/2006, ambos da Corregedoria Regional da Justiça Federal da Terceira Região e da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, a fim de que se adotem as providências cabíveis à imediata concessão do benefício especificado, conforme os dados do tópico síntese do julgado abaixo transcrito, com observância, inclusive, das disposições do Art. 461 e §§ 4º e 5º, do CPC.
Tópico síntese do julgado:
a) Margarida Caetano de Almeida Santos;
b) benefício: benefício assistencial (LOAS);
c) renda mensal: RMI - um salário mínimo;
d) DIB: 01/06/2012 - data da citação;
e) número do benefício: a ser indicado pelo INSS.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 24/05/2016 19:04:20 |