
D.E. Publicado em 09/06/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006297-57.2012.4.03.6119/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por MARIA SEVERINA DE OLIVEIRA, em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 99/102 julgou improcedente o pedido inicial e isentou a parte autora do pagamento dos ônus de sucumbência, em razão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.
Em razões recursais de fls. 109/114, a parte autora pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de haver preenchido os requisitos necessários à concessão do benefício. Por fim, prequestiona a matéria.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 122/125), no sentido do provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelos Decretos nº 6.214, de 26 de setembro de 2007 e nº 7.788, de 15 de agosto de 2012.
O art. 20 da Lei Assistencial e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente portador de deficiência ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa portadora de deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser provido pela sua família.
Pessoa portadora de deficiência é a incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade para a vida independente, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento sem o amparo de alguém.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo, expressamente disposto no art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, tanto em sua redação original como na que lhe fora atribuída pela Lei nº 12.435/11, anoto que fora ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, pelo Procurador-Geral da República, julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, oportunidade em que declarou a constitucionalidade do dispositivo em questão.
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
A propósito, trago à colação ementa do seguinte julgado:
Tal entendimento descortina, a meu julgar, a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova"; de fato, da normação preconizada no citado art. 20, §3º, depreende-se que, para aqueles que ostentem a idade mínima ou incapacidade para o trabalho e cuja renda mensal per capita seja inferior a valor equivalente a ¼ do salário-mínimo, é, objetivamente, assegurada a percepção do benefício vindicado. Todavia, contemplada a hipótese da existência de renda individualizada que refoge àquela estabelecida, tal fato, per si, não afasta o reconhecimento do direito ao benefício, mas implica revolver todo o conjunto probatório, através do qual se possa aferir eventual miserabilidade. E assim o é diante do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, já mencionado no início desta decisão, com vistas à garantia de suas necessidades básicas de subsistência, o que leva o julgador a interpretar a normação legal de sorte a conceder proteção social ao cidadão economicamente vulnerável.
A questão não se mostrou tranquila na jurisprudência, o que levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Da mesma forma, impende registrar que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE nº 580.963/PR, assentou a inconstitucionalidade por omissão - sem pronúncia de nulidade - do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, por infringência ao princípio da isonomia.
Referido julgamento, realizado na forma do art. 543-B do CPC/73, está assim ementado:
Pleiteia a autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é idosa e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O requisito etário fora devidamente preenchido, considerando o implemento da idade mínima de 65 anos em 13/10/2011 (fls. 11/12), anteriormente à propositura da presente demanda (25/06/2012 - fl. 02).
No entanto, não restou comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 1º de outubro de 2012 (fls. 40/45) informou ser o núcleo familiar composto pela autora e seu cônjuge, os quais residem em imóvel alugado, situado em região bem urbanizada, servida com redes de água, energia elétrica e pavimentação. Com aspecto higiênico regular e construído em alvenaria, o sobrado, inacabado, contém dois dormitórios e demais dependências, além de computador.
A renda familiar decorre dos proventos de aposentadoria auferidos pelo marido da requerente, "no montante de um salário mínimo", além do trabalho eventual por ele exercido como "catador de sucatas", pelo qual recebe, aproximadamente, o valor de R$80,00.
A assistente social noticiou, ainda, que o casal possui um filho, casado e residente em outra cidade. Além das despesas gerais de manutenção da casa, há gastos com o aluguel da moradia, no importe de R$400,00, devidamente comprovados pelo recibo acostado à fl. 23.
Por fim, o estudo social revelou que tanto os tratamentos realizados pela autora e seu cônjuge, quanto os medicamentos por eles utilizados, são obtidos através da rede pública de saúde.
No entanto, dados extraídos do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS de fl. 83 revelaram ser o marido da demandante beneficiário de aposentadoria por invalidez, tendo auferido proventos, na competência novembro/2012, da ordem de R$841,88, montante equivalente a 1,35 salários mínimos, considerado o valor nominal então vigente (R$622,00).
Informações atualizadas do mesmo banco de dados, as quais integram o presente voto, dão conta da remuneração atual por ele percebida (R$1.115,65 - março/2016).
Dessa forma, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo, portanto, a autora, jus ao benefício pleiteado.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ciente está este julgador de que, infelizmente, grande parte dos trabalhadores de nosso país não possui qualificação técnica regular, em sua imensa maioria provenientes das classes mais humildes da população, e, portanto, não têm efetivas condições de competir no mercado de trabalho. Esta dolorosa situação resulta de uma ineficiente política educacional levada a efeito pelo Estado, que não fornece educação que atenda níveis mínimos de qualidade, demonstrando o desinteresse estatal na preparação de seus trabalhadores para competição no atual mercado de trabalho, que vem se tornando cada vez mais exigente.
Entretanto, o benefício assistencial da prestação continuada não existe para a correção deste tipo de mazela, mas sim para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Cumpre consignar que, diante de todo o explanado, esta decisão não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento apresentado pela parte autora.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação da autora, mantendo íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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Signatário (a): | CARLOS EDUARDO DELGADO:10177 |
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Data e Hora: | 31/05/2016 17:56:31 |