O Juiz Federal Convocado Ney Gustavo Paes de Andrade (Relator):
Preliminarmente, rejeita-se a alegação de falta de interesse de agir, fundada na ausência de apresentação de todos os documentos comprobatórios do direito do segurado na esfera administrativa. Isso porque o entendimento jurisprudencial assenta no sentido de que, uma vez comprovado o prévio requerimento administrativo, torna-se desnecessária a demonstração de que todos os documentos apresentados na esfera judicial tenham sido igualmente apresentados na esfera administrativa. Afinal, no momento da formulação do pedido, cabe à autarquia federal orientar, de forma efetiva, os segurados acerca dos documentos necessários à comprovação do direito ao benefício.
Nesse sentido:
ApCiv 5000928-97.2017.4.03.6126, Rel. Juiz Federal Convocado CIRO BRANDANI FONSECA, DJEN 09/07/2025: "PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO. ATIVIDADE ESPECIAL. DOCUMENTOS NOVOS. INTERESSE DE AGIR. EFEITOS FINANCEIROS. HONORÁRIOS. TEMA 1.124 STJ. INOVAÇÃO RECURSAL. 1- Nos termos do art. 1.021 do Código de Processo Civil, cabe agravo interno, para o respectivo órgão colegiado, contra decisão proferida pelo relator. 2- A parte autora ajuizou ação judicial para requerer o reconhecimento da especialidade dos períodos de 09/01/1985 a 31/07/1986 e de 06/03/1997 a 21/07/2011, com a consequente transformação da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, a partir da data de entrada do requerimento administrativo, em 21/07/2011. 3- O magistrado de primeiro grau julgou procedente os pedidos, nos termos pretendidos pelo autor. Posteriormente, a decisão foi reformada parcialmente por este Tribunal, de forma monocrática, para excluir o reconhecimento da especialidade do período de 09/01/1985 a 31/07/1986 e alterar o termo inicial do benefício para a data da citação. Contudo, houve juízo de retratação para manter a sentença nos mesmos termos fixados pelo juízo a quo. 4- O INSS alega que não teve conhecimento dos documentos comprobatórios em âmbito administrativo, devendo ser declarada a falta de interesse de agir da autora, além da fixação dos efeitos financeiros a partir da citação e afastamento da condenação em honorários advocatícios. 5- Em relação à falta de interesse de agir, por se tratar de matéria de ordem pública, faz-se necessária apreciação no sentido de afastar o argumento da autarquia federal, em razão de ser ponto pacífico na jurisprudência que, uma vez comprovado o prévio requerimento do benefício previdenciário em âmbito administrativo, torna-se desnecessária a demonstração de que todos os documentos foram juntados na esfera judicial. 6- Não há que se falar em documento novo no pedido de revisão de benefício, vez que o primeiro PPP apresentado pela parte autora, no processo administrativo, data de 30/08/2010. O PPP apresentado posteriormente, de 29/04/2015, está incorreto e veio ser retificado por novo PPP em 2017. Este último PPP de 2017 apenas veio corroborar as informações constantes do PPP de 30/08/2010. Tanto é assim, que, na decisão ora impugnada do Exmo. Desembargador Federal Luiz Stefanini, restou consignado o reconhecimento do período especial de 09/01/1985 a 21/07/1986 com base no primeiro PPP apresentado, de 30/08/2010. 7- Agravo interno desprovido." (g.n.)
De mais a mais, ainda que apresentados novos documentos - relativos aos mesmos fatos - nos autos da ação judicial, remanescendo a negativa da autarquia, com expressa resistência à pretensão judicial, não há pertinência na alegação da ausência de interesse de agir.
O Tema 1.124 do STJ determina que cabe ao INSS o dever legal de intimar o segurado a complementar a documentação ou a prova, por carta de exigência ou outro meio idôneo, e caso não o faça, o interesse de agir estará configurado. No caso dos autos, verifica-se o descumprimento do Tema 1.124 por parte da autarquia federal, ao deixar de agir de forma colaborativa e de oportunizar ao segurado a complementação da documentação ou a produção de prova.
A jurisprudência consolidada do STF no Tema 350 e do STJ no Tema 660 exige prévio requerimento administrativo quando há matéria de fato nova, o que não se aplica ao presente caso, onde houve pedido administrativo e, inclusive, indeferimento expresso.
No mérito, a controvérsia dos autos consiste na possibilidade de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição à parte autora, mediante o reconhecimento do tempo de trabalho em atividade rural e em atividade especial.
O artigo 55, §3º, da Lei 8213/1991 prevê a necessidade de início de prova material contemporânea aos fatos para comprovação do tempo de serviço, inclusive o rural, vedando a produção de prova exclusivamente testemunhal.
Como início de prova material, foram apresentados: (1) documento comprovando a aquisição de uma propriedade rural pelo pai do autor, datada de 1961 (ID 251423430, f. 38/39); (2) certidão de nascimento do filho do autor (ID 251423430, f. 42), constando a profissão do autor como "lavrador", datada de 16/10/1991; (3) notas fiscais de aquisição de produtos rurais pelo segurado datadas de 1992 a 1994 (ID 251423430, f. 40/47). Inclusive, tais documentos são hábeis a comprovar que a atividade rural desenvolvida pela família do autor era exercida em regime de economia familiar.
Os depoimentos das testemunhas Antônio Carlos Vieira e Antônio de Melo corroboram e reforçam a eficácia probatória da prova documental apresentada pelo autor como início de prova material, evidenciando, de forma consistente, a atividade rural em regime familiar no período de 1979 a 1995.
Considerando que o período de trabalho rural reconhecido é anterior a 1991, é possível o cômputo do tempo de serviço, independentemente do recolhimento das contribuições correspondentes, nos termos do artigo 55, § 2º, da Lei 8.213/1991.
Nesse sentido:
ApCiv 6072828-76.2019.4.03.9999, Rel. Des. Fed. LOUISE VILELA LEITE FILGUEIRAS, DJEN 23/07/2025: "DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. CÔMPUTO DO TEMPO PARA FINS DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. BENEFÍCIO DEVIDO. RECURSO PROVIDO. [...] A prova testemunhal idônea e harmônica com início de prova material é suficiente para reconhecer tempo de serviço rural em regime de economia familiar. O tempo rural reconhecido pode ser computado para fins de aposentadoria por tempo de contribuição, independentemente de indenização, se prestado antes de 1991. O termo inicial da aposentadoria deve ser a data do requerimento administrativo, quando já preenchidos os requisitos legais. É assegurado ao segurado o direito de opção pelo benefício previdenciário mais vantajoso, nos termos da legislação e normativas aplicáveis. A ausência da autodeclaração prevista na Portaria INSS nº 450/2020 não impede a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição." (g.n.).
Em relação ao período que se pretende reconhecer como exercício de atividade especial, registra-se que a legislação aplicável para fins de reconhecimento do labor especial é a do tempo da prestação do serviço, em respeito aos direitos adquiridos.
A caracterização da atividade especial até 28/04/1995 opera-se pelo simples enquadramento às ocupações constantes dos anexos dos Decretos 53.831/1964 e 83.080/1979. Após essa data, nos termos do artigo 68, §2º, do Decreto 3.048/1999, a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), que deve ser expedido pela empresa ou preposto, com base em laudo técnico, de modo que apenas a indicação do nome do responsável técnico no documento é suficiente, prescindindo-se da assinatura do responsável técnico, cuja formalidade somente é exigível no laudo de aferição dos fatores nocivos.
Destaca-se que eventual fornecimento e utilização de equipamentos de proteção individual não desnatura, por si só, a natureza especial da atividade insalubre, e que a descaracterização da insalubridade deve ser demonstrada mediante perícia técnica especializada e pela comprovação do efetivo uso do equipamento de proteção durante a jornada de trabalho.
Nesse sentido:
AgRg no AREsp 402.122/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 25/10/2013: "PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. SOBRESTAMENTO DO FEITO. TEMA SOB REPERCUSSÃO GERAL. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. COMPROVAÇÃO DA NEUTRALIZAÇÃO DA INSALUBRIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 1. O reconhecimento da repercussão geral pela Suprema Corte não enseja o sobrestamento do julgamento dos recursos especiais que tramitam neste Superior Tribunal de Justiça. 2. Nâo há violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso. 3. É assente nesta Corte que o fornecimento pela empresa ao empregado Equipamento de Proteção Individual - EPI não afasta, por si só, o direito ao benefício de aposentadoria com a contagem de tempo especial, devendo ser apreciado caso a caso, a fim de comprovar sua real efetividade por meio de perícia técnica especializada e desde que devidamente demonstrado o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho. 4. É incabível, em sede de recurso especial, a análise da eficácia do EPI para determinar a eliminação ou neutralização da insalubridade, devido ao óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido." (g.n.).
Acrescenta-se, ainda, que o formulário extemporâneo não invalida as informações nele contidas. Seu valor probatório remanesce intacto, haja vista que a lei não impõe seja ele contemporâneo ao exercício das atividades. A empresa detém o conhecimento das condições insalubres a que estão sujeitos seus funcionários e por isso deve emitir os formulários ainda que a qualquer tempo, cabendo ao INSS o ônus probatório de invalidar seus dados.
No caso em análise, resta clara a especialidade das atividades reconhecidas pelo Juízo a quo. Isso porque, em relação aos períodos de 01/07/1997 até a data do requerimento administrativo, os Perfis Profissiográficos Previdenciários (ID 251423430, f. 48/51) evidenciam que o autor esteve exposto ao agente físico ruído, na frequência 87,5 dB(A), ao frio e ao agente biológico amônia, o que justifica o reconhecimento da especialidade nos períodos mencionados, observando as diretrizes já descritas na r. sentença.
Dessa forma, como o reconhecimento do tempo de labor rural em regime de economia familiar e em atividade especial se deu em conformidade com a legislação aplicável ao caso, conclui-se pela manutenção da r. sentença em seus exatos termos
Para fins de prequestionamento, é suficiente que sejam expostas as razões de decidir do julgador, para que se dê por completa e acabada a prestação jurisdicional, não havendo necessidade de expressa menção a todo e qualquer dispositivo legal mencionado. Não se vislumbra dos argumentos deduzidos no processo qualquer outro fundamento relevante capaz de, em tese, infirmar a conclusão adotada.
Tratando os consectários legais de matéria de ordem pública, o efeito translativo do recurso permite a reapreciação da questão pelo órgão ad quem, ainda que de ofício. Nesse ponto, a sentença merece correção.
As parcelas vencidas deverão ser objeto de um único pagamento e serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810 da Repercussão Geral), até a entrada em vigor da EC 113/2021, quando então passará a incidir, de forma exclusiva, a taxa Selic, conforme disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal e na Nota Técnica 02/2025 do CJF, emitida após a entrada em vigor da EC 136/2025.
Em decorrência da interposição da presente apelação, os honorários advocatícios, a cargo do INSS, por ocasião da liquidação, deverão ser acrescidos de percentual de 1% (um por cento), nos termos do artigo 85, § 11, do CPC.
Ante o exposto, nego provimento à apelação. Corrijo, de ofício, o capítulo da sentença referente aos consectários legais.
É o voto.