O Juiz Federal Convocado Ney Gustavo Paes de Andrade (Relator):
A controvérsia restringe-se à legalidade da cobrança, pelo INSS, dos valores pagos ao autor em decorrência do recebimento dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez concomitantemente, a despeito de inacumuláveis, pela retroação da data de início do benefício da aposentadoria ao período em que ainda vigente o auxílio-doença inicialmente percebido pelo autor, bem como os danos materiais e morais daí advindos.
Pois bem.
Conforme consta, o autor recebeu auxílio-doença de 24/05/2019 a 31/03/2021. Ocorre que, em 17/07/2021 o INSS reconheceu a incapacidade permanente do autor, concedendo-lhe aposentadoria por invalidez, a qual retroagiu, fixando-se como data de início do benefício o dia 12/03/2020, data da última perícia.
Com a retroação da data de início da aposentadoria, verificou-se a sobreposição dos períodos referentes ao auxílio-doença e à aposentadoria por invalidez, gerando um débito de R$ 51.802,12, tanto em razão de tal concomitância quanto em razão das diferenças dos salários de benefício.
Tal débito, em razão de ter superado o crédito devido pelo INSS ao autor a título da retroação em R$ 7.839,12, começou a ser descontado do atual benefício concedido ao autor, no importe de 30% de seus vencimentos líquidos.
Resta analisar a validade de tais descontos.
O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a questão da devolução dos valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má-aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social, firmou a tese de que: "com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com a demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido" (Tema 979).
Assim, verifica-se que nas hipóteses de erro material ou operacional, como a do presente feito, a análise deve ser feita caso a caso, averiguando-se a existência da boa-fé objetiva, vale dizer, as hipóteses em que o beneficiário tinha condições inequívocas de compreender que o valor não lhe era devido, sendo impossível exigir dele comportamento diverso.
In casu, não ficou demonstrado que o autor tenha agido de má-fé no recebimento das parcelas dos benefícios. Pelo contrário. Ao que consta, o INSS é que, por um lapso, fixou a data de início da aposentadoria por invalidez de forma retroativa e concomitante ao auxílio-doença, ainda que inacumuláveis os benefícios.
E, assim o fazendo, prejudicou o autor, que, de boa-fé, já havia recebido o auxílio-doença referente ao período e agora passou a ser cobrado de diferenças constituídas unicamente por falha da autarquia federal: seja em demorar mais de um ano para proceder à conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, seja porque quando o fez, fixou data retroativa sem se preocupar com a duplicidade a ser gerada.
De fato, como se vê, o motivo pelo qual ainda há uma diferença a ser paga pelo autor, mesmo quando compensados os valores da aposentadoria e do auxílio-doença dos períodos em duplicidade, reside no fato de que cada benefício tem uma renda diferente. In casu, o auxílio doença é pago na proporção de 91% do salário de benefício e a aposentadoria por invalidez, segundo as regras aplicáveis ao caso concreto, é pago na proporção de 60% do salário de benefício.
Assim, verifica-se que não há que se falar em má-fé do autor apelante quanto as diferenças das RMIs e sobreposição de pagamentos. Forçoso o reconhecimento de sua boa-fé, a afastar a cobrança da diferença perpetrada pelo INSS
Nesse sentido, mutatis mutandis, precedente desta Corte:
(ApCiv 5006222-12.2024.4.03.6183, Rel. Juíza Federal Convocada Diana Brunstein, DJEN: 12/08/2025). "PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. FAZENDA PÚBLICA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. COMPROVAÇÃO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS. TORNEIRO MECÂNICO. AGENTES QUÍMICOS. EXPOSIÇÃO PERMANENTE. PRÉVIO CUSTEIO. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. DIB. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INDEVIDO. VERBA ALIMENTAR. NÃO DEMONSTRADA EXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. RESP 1.381.734/RN. TEMA 979. DANO MORAL NÃO COMPROVADO. DEMORA NA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. MERO DISSABOR. [...]. 12. A restituição de valores recebidos indevidamente da autarquia previdenciária encontra previsão no artigo 115, da Lei 8.213/91. 13. A questão relativa à "Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social" foi definida pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento pelo regime de repetitividade - Tema 979 (REsp 1.381.734/RN). 14. Não comprovado o dolo/má-fé da parte autora. Sentença que declara a inexigibilidade do débito mantida. [...]".
Reconhecida a boa-fé do autor, é procedente o pedido de suspensão dos descontos, conforme já reconhecido em sentença, restando afastada, no mais, a ressalva de apuração em sede de cumprimento de sentença, posto que indevido o débito.
Como consequência lógica do decidido, devem as partes retornar ao status quo ante, o que enseja a necessidade de que o INSS proceda à devolução de tudo que indevidamente debitou do benefício do autor, à exceção da compensação dos períodos em duplicidade e afastada qualquer diferença por conta da RMI (R$ 7.839,32 - ID 283723122, f. 32).
Quanto aos danos materiais, enquadram-se no decidido acima, posto que, ao que consta, o INSS deixou de pagar as competências do benefício de aposentadoria referentes à abril, maio, junho e julho de 2021 já em compensação ao débito que foi afastado. Portanto, procede o pedido, conforme determinado em sentença, mas novamente afastada a ressalva de abatimento dos valores porventura pagos a esse título e compensados.
Por fim, quanto aos danos morais, irretocável a sentença de primeiro grau. Isto porque, conforme bem pontuado, não se verifica in casu qualquer ilícito apto a ensejar danos ao patrimônio imaterial do autor.
O procedimento administrativo conduzido pelo INSS, à míngua de qualquer insurgência em sentido contrário, transcorreu em conformidade com o princípio do devido processo legal, assegurando-se o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa ao segurado, que foi previamente cientificado sobre as decisões, inclusive com oportunidade de apresentar defesa administrativa e acesso à via recursal.
E, em assim sendo, o caso atrai a regra geral de que o dano moral deve ser comprovado, sendo certo que o autor não se desincumbiu do ônus de fazê-lo, pois o abalo íntimo sofrido se mostrou compatível e proporcional às consequências normalmente impostas ao segurado por ato de cessação ou desconto em benefício previdenciário, afigurando-se inviável presumir o fato como suficiente para atingir desproporcionalmente o patrimônio moral do autor.
Sem a comprovação do ilícito ou do dano, inviável a condenação na respectiva indenização.
Fica reformada a sentença para: (1) reconhecer a boa-fé objetiva do autor e afastar o pagamento da diferença entre o valor da retroação da data de início da aposentadoria e o quantum já pago a título de auxílio-doença; (2) determinar a suspensão dos descontos perpetrados em benefício previdenciário do autor; e (3) condenar o INSS a pagar ao autor, a título de dano material, não só os valores referentes às competências de abril a julho de 2021, referentes à sua aposentadoria, mas também a reembolsá-lo quanto ao já descontado de seu benefício, sendo devidos juros e correção monetária desde cada desconto.
As parcelas vencidas deverão ser objeto de um único pagamento e serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810 da Repercussão Geral), até a entrada em vigor da EC 113/2021, quando então passará a incidir, de forma exclusiva, a taxa Selic, conforme disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal e na Nota Técnica 02/2025 do CJF, emitida após a entrada em vigor da EC 136/2025.
Quanto às custas e despesas processuais, as autarquias são isentas do pagamento de custas na Justiça Federal, a teor do disposto no artigo 4º, I, da Lei 9.289/1996. Ocorre que, não obstante tal fato, a normatização sobre a respectiva cobrança nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da competência delegada, nos termos do artigo 1º, § 1º, do mesmo diploma legal, é delegada à legislação estadual.
Desta feita, quanto aos processos que tramitaram no Estado de Mato Grosso do Sul, tal qual o presente, é de se atribuir ao INSS o ônus do pagamento das custas processuais, nos termos do artigo 24, §§ 1º e 2º da Lei Estadual 3.779/2009, ressaltando-se que o recolhimento deve ser exigido somente ao final da demanda, do vencido.
Por fim, com a modificação da sucumbência, atribuível agora, inteiramente, ao INSS, cabe a ele arcar com o ressarcimento das custas e despesas processuais eventualmente desembolsadas pelo autor, bem como honorários advocatícios de 10% do valor atualizado da condenação.
Ante o exposto, dou provimento parcial à apelação para reformar a sentença nos termos supracitados.
É como voto.