Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2076062 / SP
0004901-52.2010.4.03.6107
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
26/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/09/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. RURAL.
COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE CAMPESINA. PROVA MATERIAL INSUFICIENTE. SÚMULA
149 DO STJ. APLICABILIDADE. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO
DE OFÍCIO. AUSÊNCIA DE PROVA DO TRABALHO RURAL. VERBAS DE SUCUMBÊNCIA.
DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. APELAÇÃO DA PARTE
AUTORA PREJUDICADA.
1 - A Constituição reconhece como direitos sociais, a fim de assegurá-los, inclusive mediante
cobertura da Previdência Social, a proteção à maternidade e à infância (artigos 6º, 7º, XVIII, e
201, II). No âmbito do Regime Geral da Previdência Social, foi previsto o benefício de salário-
maternidade, a ser concedido de acordo com os ditames legais, observando-se o princípio
tempus regit actum.
2 - Em sua redação original, a Lei de Benefícios da Previdência Social previu a possibilidade de
concessão do salário-maternidade tão somente às seguradas empregada, trabalhadora avulsa
e empregada doméstica (artigo 71). Com a vigência, em 28.03.1994, da Lei n.º 8.861/94, a
segurada especial passou a constar do rol das beneficiárias do salário-maternidade, sendo-lhe
devido o benefício no valor de um salário mínimo (artigo 39, parágrafo único, da LBPS). Em
29.11.1999, com a vigência da Lei n.º 9.876/99, todas as seguradas do RGPS, independente de
sua classificação, passaram a ter direito ao benefício. Durante o período de graça, a segurada
desempregada fará jus ao recebimento do salário-maternidade nos casos de demissão antes da
gravidez, ou, durante a gestação, nas hipóteses de dispensa por justa causa ou a pedido (artigo
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
97, parágrafo único, do Decreto n.º 3.048/99).
3 - No que tange à carência, estabeleceu-se a seguinte distinção: (i) independe de carência
(artigo 26, VI, da LBPS) o benefício devido às seguradas empregada, trabalhadora avulsa e
empregada doméstica; (ii) devem contar com 10 (dez) contribuições mensais (artigo 25, III, da
LBPS) as seguradas contribuinte individual e facultativa; (iii) já a segurada especial deve
comprovar o exercício da atividade campesina pelo período imediatamente anterior ao início do
benefício, ainda que de forma descontínua, por doze (doze) meses, se o benefício for devido
antes da vigência da Lei n.º 9.876/99, ou por 10 (dez) meses, se devido após a vigência do
referido Diploma Legal, conforme disposto nos artigos 25, III, e 39, parágrafo único, da LBPS.
Registre-se que, na hipótese de parto antecipado, o período de carência será reduzido em
número de contribuições equivalente ao número de meses em que houve essa antecipação
(artigo 25, parágrafo único, da LBPS). No caso de perda da qualidade, as contribuições
anteriores serão computadas para efeito de carência, a partir da refiliação, quando a segurada
contar com: (i) 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da
carência definida para o benefício a ser requerido, no período anterior à vigência da Lei n.º
13.457/17 (artigo 24, parágrafo único, da LBPS); e (ii), a partir de 27.06.2017, metade do
número de contribuições exigidas (artigo 27-A da LBPS).
4 - O salário-maternidade é devido durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre
os 28 (vinte e oito) dias anteriores ao parto, até a data de ocorrência deste. No caso das mães
de crianças acometidas por sequelas neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo
Aedes aegypti, foi assegurado o recebimento do benefício por 180 (cento e oitenta) dias, na
forma do artigo 18, §§ 3º e 4º, da Lei n.º 13.301/16. Na hipótese de aborto não criminoso,
comprovado mediante atestado médico, a segurada terá direito ao salário-maternidade
correspondente a duas semanas (artigo 93, § 5º, do Decreto n.º 3.048/99).
5 - A partir de 16.04.2002, com a vigência da Lei n.º 10.421/02, que incluiu o artigo 71-A na Lei
n.º 8.213/91, o benefício também passou a ser devido no caso de adoção ou obtenção de
guarda judicial para fins de adoção de criança. Inicialmente, foi previsto o benefício pelo período
de 120 (cento e vinte) dias, se a criança tiver até 1(um) ano de idade, de 60 (sessenta) dias, se
a criança tiver entre 1 (um) e 4 (quatro) anos de idade, e de 30 (trinta) dias, se a criança tiver de
4 (quatro) a 8 (oito) anos de idade. Porém, em 07.06.2013, com a vigência da Medida Provisória
n.º 619/2013, convertida na Lei n.º 12.873/13, não mais prevaleceu a distinção de idade do
adotado, fixando-se o benefício como devido integralmente por 120 (cento e vinte) dias. Com a
vigência da Lei n.º 12.873/13, em 25.10.2013, também se garantiu direito ao salário-
maternidade ao segurado, e não apenas à segurada, que adotar ou obtiver guarda judicial para
fins de adoção de criança.
6 - A Lei n.º 12.873/13 ainda estabeleceu que, no caso de falecimento da segurada ou
segurado que fizer jus ao recebimento do salário-maternidade, o benefício será pago, por todo o
período ou pelo tempo restante a que teria direito, ao cônjuge ou companheiro sobrevivente que
tenha a qualidade de segurado, exceto no caso do falecimento do filho ou de seu abandono,
observadas as normas aplicáveis ao salário-maternidade e condicionada a sua percepção ao
afastamento do segurado do trabalho ou da atividade desempenhada, sob pena de suspensão
do benefício (artigos 71-B e 71-C da LBPS).
7 - No que tange à comprovação da atividade campesina, registro que a comprovação do tempo
de serviço, nos termos do artigo 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91, somente produzirá efeito quando
baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova
exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito.
Nesse sentido, o enunciado de Súmula n.º 149 do c. Superior Tribunal de justiça: "A prova
exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da
obtenção de beneficio previdenciário".
8 - Consoante o entendimento firmado pela 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, por
ocasião do julgamento do REsp nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do
Código de Processo Civil de 1973, inclusive objeto do enunciado de Súmula n.º 577, é possível
o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior ou posterior àquele
retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, mas
desde que tal período venha delineado em prova testemunhal idônea e robusta.
9 - É forte o entendimento de que, ainda que não se exija prova material para todo o período de
carência, a prova material indiciária deve se referir ao menos à parte desse interregno, isto é,
deve haver concomitância temporal entre a prova material inicial e o lapso que se pretende
comprovar em juízo, mormente quando verificado significativo decurso de tempo entre um e
outro. Precedentes desta Corte, do c. STJ e da TNU.
10 - Há remansosa jurisprudência no sentido de ser extensível à mulher a condição de rurícola
nos casos em que os documentos apresentados, para fins de comprovação da atividade
campesina, indiquem o marido como trabalhador rural. Em complementação ao tema, a 1ª
Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.304.479/SP, sob o rito
do artigo 543-C do CPC/1973, entendeu que o trabalho urbano de um dos membros do grupo
familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais,
devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo
familiar, sendo que, em exceção a essa regra geral, tem-se que a extensão de prova material
em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a
exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
11 - Também restou assentado pela 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento
do REsp nº 1.321.493/SP, em sede de recurso representativo de controvérsia, que é possível o
abrandamento da prova para configurar tempo de serviço rural dos trabalhadores rurais
denominados "boias-frias", considerando a inerente dificuldade probatória da condição de
trabalhador campesino, sendo, para tanto, imprescindível a apresentação de início de prova
material sobre parte do lapso temporal pretendido, a ser complementada por idônea e robusta
prova testemunhal.
12 - Registra-se que o aproveitamento por extensão de documentos em nome de terceiro deve
guardar correlação lógica com a situação que se pressupõe comum. Razoável a presunção de
que, ante a comprovação de que algum dos membros do núcleo familiar trabalhava em regime
de economia familiar, os demais também o fizessem, eis que é pressuposto necessário e
comum dessa atividade o apoio mútuo e o esforço comum, sem os quais o grupo não
conseguiria se manter. A mesma presunção, entretanto, não vale para o empregado, diarista,
volante etc., eis que o fato de um dos membros exercer funções laborativas nesta qualidade,
não faz presumir que os demais também o façam, ante a inexistência de pressuposto comum
ou de caraterística integrativa da parte ao todo.
13 - No caso concreto, não se reconhece a existência de prova material indiciária do labor
campesino, mormente considerando que a falecida autora constava qualificada como "do lar" à
época do nascimento de seu filho. Além de não apresentar qualquer documento em nome
próprio sobre o exercício do alegado mourejo rurícola, a prova material juntada aos autos -
vínculos empregatícios anotados na CTPS do genitor da criança - não guarda relação com a
atividade que se pretende demonstrar, haja vista que a falecida autora alegava ser trabalhadora
volante, não se tratando de agricultura de subsistência, em regime de economia familiar.
Outrossim, como bem fundamentado na sentença recorrida, não foi demonstrada a existência
de união estável, seja por documentos, ou pela prova testemunhal.
14 - A prova oral produzida tampouco se mostrou robusta o suficiente para ampliar a eficácia
probatória dos documentos, tendo sido informado que não houve exercício da atividade
campesina durante a gestação. Em relação ao período anterior à gestação, as testemunhas
afirmaram apenas que a autora lidava na roça, de uma forma bastante genérica, sem indicarem
quaisquer dados sobre propriedades rurais, empregadores, atividades exercidas etc.
15 - Ante a ausência de início de prova material contemporâneo aos fatos alegados, resta
inviabilizado o reconhecimento de labor rural pelo período de carência.
16 - Extinção da demanda, sem resolução do mérito, a fim de possibilitar a propositura de nova
ação, caso o requerente venha a conseguir documentos que comprovem o labor desenvolvido
na qualidade de rurícola até o implemento do requisito etário. Entendimento consolidado do C.
STJ, em julgado proferido sob a sistemática dos recursos repetitivos, conforme art. 543-C do
CPC/1973: REsp 1.352.721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE
ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016.
17 - Condenação da parte autora no pagamento das despesas processuais e dos honorários
advocatícios, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita (arts. 11, §2º, e 12,
ambos da Lei 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC), já que deu causa à extinção
do processo sem resolução do mérito.
18 - Extinção do processo sem resolução do mérito de ofício. Ausência de prova do trabalho
rural. Verbas de sucumbência. Dever de pagamento suspenso. Gratuidade da justiça. Apelação
da parte autora prejudicada.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, em atenção ao
determinado no REsp 1.352.721/SP, julgado na forma do art. 543-C do CPC/1973, extinguir o
processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 267, IV, do mesmo diploma legislativo
(art. 485, IV, do CPC/2015), diante da não comprovação do trabalho rural; por conseguinte,
julgar prejudicado o apelo da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
