D.E. Publicado em 04/05/2015 |
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0000569-61.2014.404.0000/RS
RELATOR | : | Juiz Federal MARCELO MALUCELLI |
AUTOR | : | ANDRE TEIXEIRA LESSA |
ADVOGADO | : | Teodoro Matos Tomaz e outro |
REU | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO/SERVIÇO PELA SOMA DE TEMPO RURAL E URBANO. SENTENÇA QUE AFASTA A CONCESSÃO DE BENEFÍCIO POR FALTA DE CARÊNCIA, PARA TANTO CONSIDERADO O PERÍODO DE LABOR RURAL. TEMPO URBANO SUFICIENTE PARA FINS DO IMPLEMENTO DA CARÊNCIA. ALEGAÇÃO DE ERRO DE FATO. OCORRÊNCIA.
1. O erro de fato recai sobre qualidades essenciais da pessoa ou da coisa (circunstância de fato), decorrendo da desatenção do julgador, que admite fato inexistente ou considera inexistente fato efetivamente ocorrido (art. 485, §1º do CPC), sendo imprescindível, ainda, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre a questão (art. 485, § 2º), significando dizer que o acórdão chegou à conclusão diversa em face daquele vício, diferente sendo o resultado caso o julgador tivesse atentado para a prova.
2. Caso em que a sentença afastou a concessão de benefício por falta de carência, para tanto considerado o período de labor rural, desprezando a prova do tempo urbano constante dos autos, suficiente para fins do implemento da carência.
3. Nos termos do § 3º do art. 55 da LBPS, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a eles correspondentes, exceto para efeito de carência. Muito embora o tempo de serviço rural reconhecido nesta demanda não possa ser computado para a carência, as contribuições decorrentes do tempo de atividade urbana são suficientes para o implemento desta.
4. Comprovado o tempo de serviço/contribuição suficiente e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de serviço proporcional, com base no direito adquirido em 16-12-1998, bem como aposentadoria por tempo de contribuição proporcional na data do requerimento administrativo, ocasião em que a idade mínima de 53 anos também já havia sido cumprida, devendo a Autarquia realizar os cálculos e implantar o benefício que resultar mais vantajoso, a contar da data do protocolo do benefício, nos termos do art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, julgar procedente a ação rescisória, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de abril de 2015.
Juiz Federal MARCELO MALUCELLI
Relator
Documento eletrônico assinado por Juiz Federal MARCELO MALUCELLI, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7454949v7 e, se solicitado, do código CRC 1B85FB4C. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Marcelo Malucelli |
Data e Hora: | 17/04/2015 14:22 |
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0000569-61.2014.404.0000/RS
RELATOR | : | Juiz Federal MARCELO MALUCELLI |
AUTOR | : | ANDRE TEIXEIRA LESSA |
ADVOGADO | : | Teodoro Matos Tomaz e outro |
REU | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação rescisória ajuizada por ANDRÉ TEIXEIRA LESSA, objetivando, com base no disposto no art. 485, IX, do CPC, rescindir sentença do juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Osório/RS, que apenas reconheceu o efetivo exercício, pelo autor, de atividades agrícolas nos períodos de 29-05-1961 a 31-01-1977, 01-10-1982 a 05-01-1983, 01-08-1985 a 30-04-1986, 01-09-1986 a 31-07-1987 e de 01-02-1991 a 23-07-1991, sem, no entanto, conceder-lhe a aposentadoria por tempo de serviço, uma vez que não cumprido o requisito da carência.
Na presente ação rescisória, alega o autor que na data do requerimento administrativo (11-06-2008) contava 31 anos, 08 meses e 01 dia de tempo de serviço, e até 15-12-1998 (EC 20/98), contava 30 anos e 14 dias de tempo de serviço, suficientes à inativação pretendida. Refere, ainda, que implementava a carência necessária, tendo a sentença incorrido em erro de fato, razão pela qual pleiteia sua rescisão, com o rejulgamento da causa e a concessão do benefício.
Valorou a causa em R$ 50.000,00.
A AJG foi concedida no despacho da fl. 98.
A contestação foi juntada às fls. 102-109.
Saneado o feito (fl. 111), sobreveio parecer do Ministério Público Federal pela improcedência da ação rescisória.
É o relatório.
VOTO
Admissibilidade
A certidão da fl. 50 verso informa o feito originário transitou em julgado em fevereiro de 2014, sendo tempestivo, portanto, o ajuizamento da ação rescisória em 30-05-2014 (fl. 02). Ademais, impugnando sentença que resolveu o mérito da causa e, ainda, estando formalmente fundada em hipótese do art. 485 do CPC (inciso IX - erro de fato), deve a presente ação rescisória ser conhecida.
Dos fatos
No caso concreto, o autor requereu, na ação ordinária, a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição (NB 42/127.694.868-6, DER 11-06-2008) mediante a soma do período de atividades urbanas reconhecidas na via administrativa pelo INSS (12 anos, 07 meses e 26 dias em 16-12-1998 e 14 anos, 03 meses e 11 dias na data da DER) com o tempo de serviço rural cujo reconhecimento pleiteava judicialmente.
A sentença foi de parcial procedência, para reconhecer o labor agrícola nos períodos de 29-05-1961 a 31-01-1977, 01-10-1982 a 05-01-1983, 01-08-1985 a 30-04-1986, 01-09-1986 a 31-07-1987 e de 01-02-1991 a 23-07-1991 (18 anos, 01 mês e 02 dias), deixando de conceder o benefício de aposentadoria por tempo de serviço por falta de carência, uma vez que o período reconhecido como "de efetivo exercício de atividade rural não corresponde à carência exigida para tanto." (fl. 85).
Tendo apelado apenas o INSS, e tendo sido improvido o recurso, bem assim a remessa oficial, a sentença restou mantida pelo acórdão da Quinta Turma desta Corte (fls. 86-90).
Pois bem, como se pode depreender do relato acima, considerando a ausência de recurso da parte autora, não poderia mesmo o Colegiado analisar a questão relativa à negativa de concessão do benefício pela alegada falta de carência referida na sentença, em face dos limites da devolutividade. No entanto, o fato de a parte autora não ter apelado da sentença especificamente quanto a falta de carência não é óbice à rescisão. Veja-se: o fundamento da rescisória deve dirigir-se, sempre, à decisão substitutiva, e não à substituída. Ocorre, no entanto, que o efeito devolutivo se dá sempre nos limites da impugnação. É o que está disposto no art. 512 do CPC, verbis:
"Art. 512. O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso."
A propósito do tema, refere a doutrina:
"Extensão da substituição. A substituição pode ser total ou parcial, conforme a impugnação for total ou parcial. O efeito substitutivo do recurso só atinge a parte do recurso que for conhecida pelo tribunal. No mais, remanesce íntegra a decisão (ou parte dela) que não sofreu impugnação ou cuja parte do recurso não foi conhecida pelo tribunal.
(...).
Ação rescisória. Quando o recurso não é conhecido não há o efeito substitutivo, permanecendo íntegra a decisão recorrida, que pode ser objeto de ação rescisória, desde que preenchidos os requisitos do CPC 485. Quando o recurso for conhecido, haverá o efeito substitutivo e o acórdão que substituiu a decisão recorrida é que poderá ser impugnado pela ação rescisória. (...)."
(NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10.ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 849) (sublinhei)
"A substituição é total se, tendo o recurso atacado toda a decisão (por error in iudicando), o órgão ad quem lhe dá ou lhe nega provimento por inteiro. Mas também é total a substituição se provido parcialmente o recurso: apenas sucede, aí, que a decisão inferior se vê substituída em parte por outra de igual conteúdo e em parte por outra de conteúdo diferente.
A substituição é parcial:
a) se nem todo o conteúdo da decisão inferior foi abrangido pela impugnação: nessa hipótese, conforme reza o texto, só haverá substituição "no que tiver sido objeto de recurso";
b) se o órgão ad quem se limita a conhecer do recurso em relação a parte da matéria impugnada: quanto ao restante, como já se expôs, subsiste a decisão inferior."
(MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, volume V. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 397) (negritei)
"Se houver sucumbência parcial em primeiro grau e, da parte em que for vencido, o sucumbente não recorrer, opera-se aí a coisa julgada, que será rescindível, no particular. O outro litigante pode, contudo, recorrer contra a sentença da parte em que sucumbiu e ver reformada, a seu favor, a decisão em segundo grau. Se esta transitar em julgado, o vencido parcialmente, em primeiro grau, pode ajuizar rescisória daquilo que ali perdeu e, contra o acórdão de segundo grau, daquilo em que veio também a sucumbir. Não haverá substituição da sentença pelo acórdão superior, no ponto em que aquela produziu a res iudicata. São duas decisões, na mesma causa, excepcionalmente rescindíveis pelo mesmo litigante...(...).
(COSTA, Coqueijo. Ação Rescisória. 7.ª ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 144)
No caso dos autos, a questão relativa à existência/inexistência de contribuições suficientes à concessão do benefício pretendido (carência) não foi objeto de impugnação, não tendo ocorrido, pois, quanto ao ponto, o efeito substitutivo do acórdão, razão pela qual é possível o manejo da presente ação rescisória para a rescisão da sentença, no ponto.
Anoto, nesse sentido, precedentes desta Terceira Seção:
1. AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA EM PARTE CONTRADITÓRIA COM O RESPECTIVO DISPOSITIVO. AUSÊNCIA DE RECURSO DA PARTE AUTORA. LIMITAÇÃO DA DEVOLUTIVIDADE. RESCISÃO, NO PONTO, DA SENTENÇA. POSSIBILIDADE. ERRO DE FATO E VIOLAÇÃO LITERAL A DISPOSITIVO DE LEI (ART. 55, § 2.º DA LEI 8.213/91). CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO PROPORCIONAL. RESCISÓRIA PROCEDENTE. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. 1. O fato de a parte não haver apelado da sentença não é óbice à rescisão, uma vez que o efeito substitutivo se dá nos limites da impugnação (art. 512 do CPC) e não tendo sido substituída a sentença no ponto, é ela o alvo da ação rescisória. 2. Incide em erro de fato e viola literalmente texto de lei (art. 55, § 2.º, da Lei 8.213/91) o acórdão que considera reconhecido como de exercício de atividades agrícolas período restrito da atividade desenvolvida pelo segurado (25-04-1971 a 25-04-1973), olvidando toda a fundamentação da decisão logicamente congruente a considerar período mais amplo (25-04-1971 a 10-02-1977). 3. Ação Rescisória julgada procedente para, acrescentando o tempo rural mencionado, conceder aposentadoria por tempo de serviço proporcional ao autor a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91, em face do implemento do tempo de serviço até data da Emenda Constitucional n. 20, de 1998. 4. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do art. 461 do CPC. (TRF4, AR 0000321-32.2013.404.0000, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 20/05/2014)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. PRETENSÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE TÓPICO DA SENTENÇA NÃO IMPUGNADO POR MEIO DE RECURSO. POSSIBILIDADE. EFEITO SUBSTITUTIVO. EXTENSÃO. ART. 512 DO CPC. EXERCÍCIO DE ATIVIDADES AGRÍCOLAS ANTES DOS 14 (CATORZE) ANOS DE IDADE. MATÉRIA DE NATUREZA CONSTITUCIONAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343 DO STF. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO/SERVIÇO. CONTRIBUIÇÃO POSTERIOR AO REQUERIMENTO, MAS ANTERIOR AO INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO DO BENEFÍCIO. CÔMPUTO. POSSIBILIDADE.
1. É possível a rescisão, de forma concomitante, (a) do tópico da sentença não impugnado por meio de recurso e (b) de parte do acórdão, uma vez que o efeito substitutivo se dá nos limites da impugnação (art. 512 do CPC), e o fundamento da rescisória deve dirigir-se sempre à decisão substitutiva, sendo certo que "O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial." (Súmula 401 do STJ). 2. Acórdão que elege o fator de conversão 1.75, previsto no Decreto Regulamentador vigente à época da efetiva prestação do trabalho (Decreto n. 53.831/64 e n. 83.080/79), em detrimento da aplicação, de forma retroativa, do fator de conversão 1.4 de que trata o Decreto 2.172/97, não incide em violação literal a disposição de lei. 3. Entende o STF que a norma constitucional que proíbe o trabalho remunerado a quem não possua a idade mínima para tal [podendo ser 12 (art. 157, IX, da CF/1946; art. 158, X, da CF/1967 e art. 165, X, na redação dada pela EC n.º 1/1969), 14 (art. 7.º, XXXIII, da CF/1988, em sua redação original) ou 16 anos (art. 7.º, XXXIII, da CF/1988, com a redação dada pela EC n.º 20/1998), conforme a época] não pode ser aplicada em seu desfavor; em consequência, não podem ser negados aos menores que se encontram em tal situação os direitos previdenciários decorrentes do ato-fato-trabalho; que a decisão que não reconhece tais direitos viola o art. 165, XVI, da Constituição Federal de 1967, que encontra correspondência ou similitude, precisamente no tocante à questão em discussão neste processo, nos artigos 7.º, XXIV, e 201, § 7.º, da Constituição Federal de 1988, que, respectivamente, inclui a aposentadoria como um dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, e assegura a aposentadoria no regime geral de previdência social, observadas as condições que elenca (tempo de contribuição e idade). Precedentes. 4. O reconhecimento, para fins previdenciários, da atividade rural de segurados antes dos 14 anos de idade envolve questão de natureza constitucional. 5. Tratando-se de matéria de natureza constitucional, não incide a limitação da Súmula 343 do STF [Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais], de forma que "Cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal." (RE-ED 328.812/AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, Dje de 30-04-2008) 6. Comprovado o exercício de atividades agrícolas pelo autor no período de 20-02-1968 a 19-02-1970 (2 anos), tal tempo deve ser acrescido ao tempo reconhecido na ação originária (29 anos 03 meses e 29 dias), totalizando 31 anos, 03 meses e 29 dias de tempo de serviço, suficientes à inativação proporcional. 7. Implementando o autor a carência necessária por ocasião do indeferimento administrativo do benefício, resta cumprido também o referido requisito, com a fixação da DIB nessa mesma data. (TRF4, AR 0010036-69.2011.404.0000, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 24/09/2012, negritei)
Ainda: ARs n. 2009.04.00.036436-0/SC e n. 2009.04.00.029981-1/SC, publicadas no D.E. de 12-07-2010; AR n. 0023135-43.2010.404.0000/SC, D.E. de 16-05-2011.
Ademais, nos termos da Súmula 514 do STF "Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenha esgotado todos os recursos."
Possível, assim, a análise da presente ação rescisória em seu mérito.
Juízo Rescindendo
O erro de fato recai sobre qualidades essenciais da pessoa ou da coisa (circunstância de fato). Deve decorrer da desatenção do julgador, consistindo na admissão de um fato inexistente ou, ao contrário, na inexistência de um fato efetivamente ocorrido (art. 485, §1º do CPC), sendo imprescindível, ainda, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre tal (art. 485, § 2º). Significa dizer que o acórdão chegou à conclusão diversa em face daquele vício, diferente sendo o resultado caso o julgador houvesse atentado para a prova.
Nesse sentido, o magistério de José Carlos Barbosa Moreira:
"O pensamento da lei é o de que só se justifica a abertura da via para a rescisão quando seja razoável presumir que, se houvesse atentado na prova, o Juiz não teria julgado no sentido que julgou. Não, porém, quando haja ele julgado em tal ou qual sentido, por ter apreciado mal a prova em que atentou."
(Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, Vol.V, 11ª edição, p. 152)
Os pressupostos para a desconstituição do julgado com fundamento em erro de fato foram assim explicitados na abalizada obra acima referida, pp. 148/149:
"Quatro pressupostos hão de concorrer para que o erro de fato dê causa à rescindibilidade:
a) que a sentença nele seja fundada, isto é, que sem ela a conclusão do juiz houvesse de ser diferente;
b) que o erro seja apurável mediante o simples exame dos documentos e mais peças dos autos, não se admitindo de modo algum, na rescisória, a produção de quaisquer outras provas tendentes a demonstrar que não existia o fato admitido pelo juiz, ou que ocorrera o fato por ele considerado inexistente;
c) que "não tenha havido controvérsia" sobre o fato (§ 2º);
d) que sobre ele tampouco tenha havido "pronunciamento judicial (§ 2º)."
No caso concreto, ao pretensamente analisar os requisitos para a concessão do benefício, assim manifestou-se o magistrado singular na sentença:
"(...).
Concluo, assim, que o autor laborou como rurícola, em regime de economia familiar, nos períodos compreendidos entre 29-5-1961 e 31-01-1977; 01-10-1982 e 05-01-1983; 01-8-1985 e 30-4-1986; 01-9-1986 e 31-7-1987; 01-02-1991 e 23-7-1991.
Contudo, a concessão da aposentadoria depende, ainda, da demonstração do período de carência.
Nos termos do enunciado da Súmula n. 24 da TNU (Turma Nacional de Uniformização):
"O tempo de serviço do segurado trabalhador rural anterior ao advento da Lei nº 8.213/91, sem o recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser considerado para a concessão de benefício previdenciário do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), exceto para efeito de carência, conforme a regra do art. 55, § 2.º, da Lei nº 8.213/91."
Portanto, o período de trabalho rural anterior a novembro de 1991 pode ser averbado como tempo de serviço para fins de obtenção de aposentadoria por tempo de serviço, independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias, exceto para fins de carência.
(...).
Assim, diante da prova material acostada, corroborada pela prova testemunhal produzida, dando conta do labor rural, impõe-se a procedência parcial do pedido, tendo em vista que o demandante não comprovou o recolhimento das contribuições previdenciárias a partir de 24 de julho de 1991, ou seja, quando da entrada em vigor da Lei n. 8.213/91.
Quanto ao pleito de concessão da aposentadoria, inviável seu acolhimento, porquanto o período que ora reconheço como de efetivo exercício da atividade rural não corresponde à carência exigida para tanto." (negritei).
Nesse contexto, entendo caracterizado o erro de fato.
É bem verdade que, ao que parece, a sentença pretendeu manifestar-se acerca do requisito da carência, mas não o fez, propriamente, uma vez que, ao tempo em que afirmou que o tempo agrícola anterior a 1991 não se prestaria para fins de carência, asseverou que tal tempo não corresponderia à carência exigida para tanto, isto é, estabeleceu que o labor agrícola reconhecido era insuficiente para fins de carência, o que é totalmente equivocado, s.m.j., uma vez que a carência deveria ter sido extraída do tempo de atividades urbanas reconhecidas administrativamente pelo INSS. Posta assim a questão, não me parece se possa aceitar tenha havido manifestação efetiva da sentença quanto ao tópico, cuja ausência (de manifestação) é pressuposto para a caracterização do erro de fato.
Houve, na verdade, a admissão de um fato inexistente (ausência de carência), como referido no § 1.º do art. 485, do CPC, tendo a sentença chegado à conclusão diversa em face do apontado vício. Houvesse o magistrado singular atentado na prova constante dos autos, diferente teria sido o resultado da sentença, com a concessão do benefício.
Não fosse por isso, poder-se-ia até cogitar de ocorrência de violação literal ao disposto no art. 52 da Lei de Benefícios, segundo o qual "A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que completar 25 anos de tempo de serviço, se do sexo feminino, ou 30 anos, se do sexo masculino".
Por outro lado, não prejudica a rescisória a circunstância de a parte autora haver deixado de explicitar adequadamente os dispositivos de lei que considera violados, mencionando genericamente a legislação atinente à matéria (CF/88 e Lei de Benefícios), porquanto aplicáveis à espécie os princípios jura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus, pelos quais incumbe ao julgador subsumir o fato à norma, conferindo a adequada qualificação jurídica dos fatos apresentados na inicial.
Nesse contexto, o juízo rescindendo é de procedência.
Juízo rescisório.
No caso dos autos, a atividade urbana reconhecida administrativamente pelo INSS soma 12 anos, 07 meses e 26 dias em 16-12-1998 (fls. 64-65), e 14 anos, 03 meses e 11 dias na DER, em 11-06-2008 (fls. 68-69). Por outro lado, foram reconhecidos judicialmente 18 anos e 01 mês de atividades agrícolas anteriormente a 23-07-1991, o que perfaz a soma de 30 anos, 08 meses e 26 dias de tempo de serviço por ocasião do advento da Emenda Constitucional n. 20, de 1998, e 32 anos, 04 meses e 11 dias na data do requerimento administrativo.
Período de carência, nos termos do art. 24 da LBPS, é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, número este que está disposto no art. 25 da Lei de Benefícios, bem como na regra de transição prevista no art. 142 da referida norma.
Considerando que o autor era filiado à Previdência Social antes da vigência da Lei n. 8.213/91, a ele se aplica a regra de transição disciplinada no art. 142 acima mencionado, que exige o implemento de 102 contribuições previdenciárias para a concessão do benefício com base no direito adquirido em 16-12-1998, e 162 recolhimentos para a outorga do benefício a contar da data do protocolo administrativo, em 11-06-2008.
Veja-se que, nos termos do § 3º do art. 55 da LBPS, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a eles correspondentes, exceto para efeito de carência. Muito embora o tempo de serviço rural reconhecido nesta demanda não possa ser computado para a carência, as contribuições decorrentes do tempo de atividade urbana são suficientes para o implemento desta. Com efeito, consoante se verifica pelos documentos das fls. 64-65, o autor havia vertido, em 1998, mais de 150 recolhimentos previdenciários sem perda da condição de segurado; e, em 2008, mais de 170 contribuições previdenciárias, cumprindo, dessa forma, em ambas as datas, a carência mínima para a concessão da aposentadoria. Veja-se que, em 2008, é irrelevante eventual perda da condição de segurado, a teor do disposto na Lei n. 10.666/2003.
Assim, considerando que, em 16-12-1998, o autor implementa a carência mínima de 102 recolhimentos e perfaz 30 anos, 08 meses e 26 dias de tempo de serviço, tem direito à outorga da aposentadoria por tempo de serviço proporcional, com base no direito adquirido naquela data.
É possível, também, a concessão do benefício na data da entrada do requerimento administrativo efetuado em 11-06-2008, tendo em vista que o demandante cumpre a carência mínima de 162 contribuições previdenciárias e soma 32 anos, 04 meses e 11 dias de tempo de contribuição, suficiente para a outorga da aposentadoria proporcional. Observo que naquela data o autor já possuía a idade mínima de 53 anos necessária ao deferimento da aposentadoria por tempo de contribuição proporcional, uma vez que nasceu em 29-05-1949 (fl. 33), estando dispensado do pedágio, porquanto já possuía, na data da Emenda Constitucional n. 20, de 1998, o tempo mínimo para o deferimento da inativação proporcional, como visto acima.
Implementados os requisitos legais, o benefício é devido a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91.
No entanto, tão só o tempo de serviço apurado não é suficiente para identificar de pronto a alternativa mais favorável à parte autora, tendo em vista a consideração de diversos fatores que acarretam modificação na renda mensal inicial, tais como os salários de contribuição, o período básico de cálculo, o coeficiente de cálculo e a incidência ou não do fator previdenciário, para o qual contribuem diretamente a idade do segurado e a sua expectativa de vida, além do tempo de contribuição.
Na via administrativa, o INSS, ao processar pedidos de aposentadoria, simula o benefício mais vantajoso aos segurados, considerando as variáveis antes referidas. Assim, é razoável que, da mesma forma, já estando assegurado o deferimento judicial da inativação, como no caso, a Autarquia realize, conforme os parâmetros estipulados no presente julgado, os cálculos da renda mensal inicial e implante, a contar do marco inicial aqui estabelecido, a inativação cuja renda mensal inicial for mais benéfica ao segurado.
Correção monetária e juros de mora:
O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a constitucionalidade do art. 100 da Constituição Federal, com a redação que lhe foi dada pela EC 62/2009 (ADIs 4.357 e 4.425), além de declarar a inconstitucionalidade dos §§ 9.º e 10, da expressão "na data de expedição do precatório" contida no § 2.º e das expressões "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança" e "independentemente de sua natureza" do § 12, também declarou inconstitucional, por arrastamento, o art. 1.º-F da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5.º da Lei n. 11.960/2009, relativamente à sistemática de atualização monetária dos débitos judiciais.
Em outras palavras, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a utilização da TR como índice de atualização monetária dos créditos judiciais sem afastar, no entanto, os juros da caderneta de poupança para a recomposição da mora desses créditos, independentemente de sua natureza, exceto os tributários. Tal interpretação recentemente também foi adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp n. 1.270.439/PR, Relator Min. Castro Meira, tido por representativo de controvérsia.
Por conseguinte, no tocante à atualização monetária, deve ser restabelecida a sistemática anterior à Lei nº 11.960/09, uma vez que as disposições a ela relativas, constantes do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5.º da Lei nº 11.960/09, foram expungidas do ordenamento jurídico.
Assim, a atualização monetária, incidindo a contar do vencimento de cada prestação, deve-se dar pelos índices oficiais, e jurisprudencialmente aceitos, quais sejam: IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6.º, da Lei n.º 8.880/94) e INPC (a partir de 04/2006, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11-08-2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91, e REsp. n.º 1.103.122/PR).
Quanto aos juros de mora, até 29-06-2009 devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, a contar da citação, com base no art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2.322/1987, aplicável, analogicamente, aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte. A partir de 30-06-2009, por força da Lei n.º 11.960, de 29-06-2009, que alterou o art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97, para fins de apuração dos juros de mora haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança. Registre-se que a Lei 11.960/2009, segundo o entendimento do STJ, tem natureza instrumental, devendo ser aplicada aos processos em tramitação (EREsp 1.207.197/RS, Relator Min. Castro Meira, julgado em 18-05-2011).
Honorários advocatícios
Sucumbente, pagará o INSS verba honorária, que, no juízo rescisório, fixo em 10% sobre a condenação, e, em juízo rescindendo, em 10% sobre o valor atribuído à presente ação rescisória.
Implantação imediata do benefício:
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09-08-2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora (NB n. 144.342.676-5), a ser efetivada em 45 dias.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Ante o exposto, voto por julgar procedente a ação rescisória, nos termos da fundamentação.
Juiz Federal MARCELO MALUCELLI
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 16/04/2015
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0000569-61.2014.404.0000/RS
ORIGEM: RS 00027707020124049999
RELATOR | : | Juiz Federal MARCELO MALUCELLI |
PRESIDENTE | : | LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
PROCURADOR | : | Dr. Fabio Nesi Venzon |
AUTOR | : | ANDRE TEIXEIRA LESSA |
ADVOGADO | : | Teodoro Matos Tomaz e outro |
REU | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 16/04/2015, na seqüência 29, disponibilizada no DE de 06/04/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 3ª SEÇÃO, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A SEÇÃO, POR UNANIMIDADE, DECIDIU JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO RESCISÓRIA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal MARCELO MALUCELLI |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal MARCELO MALUCELLI |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Jaqueline Paiva Nunes Goron
Diretora de Secretaria
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