Ação Rescisória (Seção) Nº 5046275-06.2019.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal GISELE LEMKE
AUTOR: ADÃO HELIO MATTES
RÉU: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
RELATÓRIO
Trata-se de ação rescisória proposta por Adão Hélio Mattes contra a Caixa Econômica Federal em 04/11/2019, objetivando a desconstituição do acórdão proferido no processo de n.º 5008538-33.2015.4.04.7202/TRF, onde foi determinada a retomada, pela CEF, do imóvel onde o autor reside.
A rescisória está fundamentada na alegação de violação a dispositivo de lei (art. 966, V, do CPC/2015), no caso, aos artigos 5º, XXIII, 6º, 8º e 170, III da Constituição Federal, no art. 37 do Estatuto do Idoso, e no art. 17 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Decreto 592/1992).
Afirma sempre ter agido de boa-fé em relação à aquisição do imóvel objeto da ação de origem, tendo efetuado todos os pagamentos. Aduz ser pessoa simples, não tendo conhecimento de que as pessoas de quem adquiriu o imóvel não poderiam repassá-lo a terceiros, em razão dos termos do Programa Minha Casa, Minha Vida. Assevera que, em razão de seu desconhecimento da legislação, sequer pôde constituir defesa no processo de origem.
Requereu a concessão de AJG e o deferimento de liminar, para suspender o trâmite do cumprimento de sentença n.º 5008538-33.2015.4.04.7202/TRF, afirmando estar comprovado o direito, bem como o risco, pela possibilidade de ser obrigado a deixar o imóvel. Postulou a rescisão do acórdão proferido, e a prolação de novo provimento, que o autorize a efetuar a regularização da quitação do pagamento do imóvel.
O pedido de concessão de liminar foi indeferido, e deferido o pedido de concessão de AJG (Evento 06).
Foi apresentada contestação no Evento 23.
No Evento 26, foi determinada a remessa do processo ao SISTCOM, tendo a CEF informado desinteresse na conciliação (Evento 39).
É o relatório.
VOTO
A recisória está fundamentada na alegação de violação a dispositivo de lei (art. 966, V, do CPC/2015). O autor assim se manifesta na inicial:
A ação foi originalmente proposta com vistas à retomada do imóvel situado no Residencial Expoente II, na Rua Antônio da Silveira, 71-D, Bloco 06, Apto 03, bairro Seminário, cidade de Chapecó/SC, adquirido através do financiamento com a CEF em nome de Vanderléa Bazilio da Silva.
O referido imóvel é parte do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida, conforme faz prova contrato de compra e venda direta de imóvel residencial comparcelamento e alienação fiduciária no programa minha casa minha vida – PMCMV – com e quem realizou o financiamento com a requerida foi a Sra. Vanderléa. A requerida concedeu à Sra. Vanderléa o financiamento no valor de R$44.565,63 (quarenta e quatro mil e quinhentos e sessenta e cinco mil e sessenta e três centavos), a ser saldado em 120 parcelas mensais, com início em 08/08/2011.
Por sua vez, o requerente adquiriu as chaves do imóvel pelo valor de R$16.800,00 (dezesseis mil e oitocentos reais) na data de 05/06/2012, comprometendo-se a efetuar o pagamento das parcelas do financiamento, cujo restante do valor seria pago conforme as parcelas faltantes. Nesse ponto, é importante esclarecer que o requerente é pessoa extremamente humilde, de parcos recursos e letras, desconhecedor, portanto, dos entraves legais que impediriam a venda das chaves, ocupação do bem e reconhecimento de seus direitos sobre o objeto da lide. Na verdade, o requerente, pessoa idosa, não possui onde morar, dependendo dos recursos de sua aposentadoria junto ao INSS para a subsistência.
Anote-se que as parcelas vêm sendo pagas até hoje pelo requerente (conforme documentos anexos), com término dos pagamentos previsto para o ano de 2021. Denota-se que as parcelas vêm sendo pagas – e aceitas pela credora – em dia até o presente momento, através do cartão da Caixa Econômica Federal da própria Vanderléa.
Ajuizada a ação em outubro de 2015, foi inicialmente determinada a citação da ré, Sra. Vanderléa, e demais terceiros que estivesse na posse do imóvel, em novembro de 2015 (evento 11). A Sra. Vanderléa e o Sr. Nelson Morais, seu ex-marido, foram citados em fevereiro de 2016 (evento 18). Por ocasião do cumprimento do mandado citatório, o Sr. Oficial de Justiça constatou que o Sr. Adão e sua companheira residiam no local. Isso em 17/11/2015.
Pessoa extremamente carente de recursos e, desconhecedor de seus direitos e formas de seu exercício, o Sr. Adão não conseguiu localizar à época quem defendesse seus interesses, deixando transcorrer in albis o prazo para apresentação de resposta ao pedido da inicial (evento 22). Diante da ausência de contestação, o feito foi submetido a julgamento antecipado, tendo sido proferida sentença de procedência dos pedidos da Caixa Econômica Federal, reconhecida a revelia e, no mérito, reputados preenchidos os requisitos autorizadores da reintegração, com a declaração de resolução do contrato por instrumento particular de compra e venda direta de imóvel residencial com parcelamento e alienação fiduciária no programa minha casa minha vida – PMCMV – recursos FAR, para reintegrar a posse definitivamente à CEF e, determinar aos réus e ocupantes que desocupassem o imóvel.
Ciente da decisão, o Sr. Adão conseguiu obter atendimento junto ao NPJ da UNOESC, que, na defesa de seus interesses, interpôs recurso contra a decisão, decorrendo daí a intimação da requerida para a apresentação de contrarrazões ao recurso. Com a subida dos autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, foram os autos submetidos a parecer do Ministério Público Federal, que pugnou pela procedência parcial do recurso, para fins de que fosse concedido prazo razoável para a desocupação do imóvel, ampliando-se, assim, o prazo inicialmente estabelecido (sic).
O v. acórdão, da lavra do e. Des. Cândido Alfredo S. Leal Jr., porém, negou provimento à apelação, majorando, ademais, a carga sucumbencial. Esgotados os recursos, transitou em julgado a decisão de fls.109/114, que julgou pela procedência do pedido autoral, para o fim de garantir a retomada do imóvel pela CEF.
O autor alega sempre ter agido de boa-fé em relação à aquisição do imóvel objeto da ação de origem, tendo efetuado todos os pagamentos em nome da Sra. Valéria. Aduz ser pessoa simples, não tendo conhecimento de que as pessoas de quem adquiriu o imóvel não poderiam repassá-lo a terceiros, em razão dos termos do Programa Minha Casa, Minha Vida. Assevera que, em razão de seu desconhecimento da legislação, sequer pôde constituir defesa no processo de origem, o que vem lhe causando inúmeros prejuízos.
Afirma residir numa região carente da cidade de Chapecó, com índices significativos de violência urbana, e não possuir cadastro em qualquer programa assistencial da prefeitura local, de modo que, na hipótese de eventual despejo, não teria onde residir. Aduz que sua idade e baixa escolaridade dificultam muito sua inserção no mercado de trabalho.
Invoca os princípios da função social da propriedade contidos nos artigos 5º, XXIII e 170, III, da Constituição Federal, o direito à moradia e o princípio da dignidade humana (artigos 6º e 8º da CF), bem como o art. 37 do Estatuto do Idoso, e no art. 17 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Decreto 592/1992).
Discorre sobre posse pública e política habitacional, e refere que a CEF vem recebendo regularmente as parcelas do financiamento, em valor superior ao devido. Postula a rescisão do acórdão proferido, e a prolação de novo provimento que o autorize a efetuar a regularização da quitação do pagamento do imóvel.
A situação fática que deu ensejo ao ajuizamento da ação de origem (n.º 5008538-33.2015.4.04.7202/TRF) não é controvertida. Transcrevo do voto do Relator da apelação neste Tribunal, Des. Fed. Luís Alberto Aurvalle (Evento 09):
Por meio da Lei nº 10.188/01 foi criado o Plano de Arrendamento Residencial e instituído o arrendamento residencial com opção de compra. Tal programa tem o evidente intuito de permitir a pessoas de baixa renda a aquisição da casa própria. Para tanto, os arrendatários comprometem-se a pagar ao arrendador taxa mensal durante certo prazo, ao final do qual poderão optar pela compra do imóvel ou pela prorrogação do contrato original.
Por se tratar de contrato de arrendamento residencial, a propriedade do imóvel não é transferida para os arrendatários, permanecendo do Fundo de Arrendamento Residencial, que é operado pela CEF, exsurgindo daí a legitimidade desta instituição para pleitear a reintegração de posse.
Segundo o artigo 9º da Lei nº 10.188/2001, na hipótese de inadimplemento no arrendamento, findo o prazo da notificação ou interpelação, sem pagamento dos encargos em atraso, fica configurado o esbulho possessório que autoriza o arrendador a propor a competente ação de reintegração de posse.
A inadimplência do arrendatário gera a inviabilidade do programa e, sendo assim, tantas outras pessoas que poderiam utilizar-se do programa terão este direito suprimido. Consequentemente, a função social da propriedade é desviada quando se mantém no programa arrendatário inadimplente, em detrimento de outros cidadãos que almejam dele participar. Por essa razão, a inadimplência do arrendatário é causa suficiente a rescindir o contrato, nos termos da previsão legal e contratual.
Ocorre a mesma consequência em relação ao beneficiário comprador no caso do programa de financiamento Minha Casa Minha Vida regulado pela Lei nº 11.977/2009.
No presente caso, a parte ré descumpriu o contrato foi notificada e não regularizou a situação, restando configurado o esbulho possessório, conforme constatou a r. sentença, verbis:
No caso concreto, o Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), representado pela Caixa Econômica Federal, é proprietário fiduciário do imóvel (evento 1, CONTR3), o que o coloca na posição de possuidor indireto, estando cumprido, portanto, o primeiro requisito exigido pelo art. 561 do CPC.
A CEF apresentou relatório de vistoria lavrado pela Secretaria Municipal de Habitação, no dia 28/07/2015, que constatou que os mutuários não residem no apartamento (evento 1, OUT4). De acordo com informações prestadas pelo vizinhos, "o imóvel foi vendido para terceiros".
Tal situação restou confirmada pelas certidões lavradas pelos Oficiais de Justiça que, ao cumprir a ordem de citação exarada neste processo, confirmaram que os mutuários não residem no local do imóvel, encontrando-se atualmente na Rua Rua Vinte e Cinco de Julho, 1045, bairro Efapi, local onde foram encontrados na ocasião da citação (evento 18, CERT1).
Tratando-se de imóvel adquirido com recursos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), o abandono do imóvel ou a não utilização para fins de residência efetiva caracteriza hipótese de esbulho possessório. O parágrafo único da cláusula décima primeira é expresso ao dispor que é obrigação do mutuário ocupar o imóvel adquirido, no prazo de 30 dias da data de assinatura do contrato, sob pena de resolução e rescisão contratual.
A certidão lavrada pelo Oficial de Justiça também demonstrou que o imóvel foi objeto de cessão ou transferência indevida a terceiros (Adão Helio Mattes e Roseni Fátima de Castro), o que, de acordo com o contrato firmado pelos mutuários (cláusula décima primeira, item I), também autoriza a rescisão contratual.
Não há dúvida, portanto, que houve descumprimento de cláusula contratual a ensejar a rescisão do contrato de financiamento habitacional pela CEF. O que o autor opõe a isso, nesta rescisória, são princípios e regras abrangentes que objetivam garantir o direito à habitação e à existência digna. No entanto, tais dispositivos não podem ser aplicados de forma abstrata ou desvinculada da realidade dos fatos.
Como já dito, no caso a aquisição do imóvel violou de forma frontal o artigo 9º da Lei nº 10.188/2001, cujo escopo é permitir que o imóvel atenda sua função de proporcionar moradia ao cidadão de baixa renda, em conformidade com os critérios e a ordem de seleção estabelecidos pelo órgão de fomento. Nessas condições, não há como concluir que o acórdão rescindendo tenha incidido em violação de qualquer dispositivo legal ou contrariado normas gerais do sistema juridico, como alega o autor. Nesse mesmo sentido, o seguinte precedente desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA JURÍDICA. NÃO OCORRÊNCIA. 1. O cabimento da ação rescisória com base em violação literal à disposição de lei somente se justifica quando a ofensa seja evidente, consubstanciada no desprezo do sistema jurídico (normas e princípios) pelo julgado rescindendo, não sendo, conforme jurisprudência reiterada desta Corte, meio adequado para corrigir suposta injustiça da sentença, apreciar má interpretação dos fatos, reexaminar as provas produzidas ou complementá-las. 2. Improcedência de ação rescisória que busca a aplicação de tese fixada em precedente repetitivo após o julgado rescindendo, a revelar nítido escopo revisional jurisprudencial. (TRF4, ARS 5018648-22.2022.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 03/11/2022)
Observo que o adimplemento regular das prestações do financiamento, enfatizado na inicial desta ação, não altera o raciocínio acima exposto e nem permite a rescisão do acórdão, cujo fundamento é diverso: o esbulho pela venda do imóvel a terceiros, o que não é permitido pelas regras do Programa Minha Casa, Minha Vida.
Consigno que a CEF não aceitou a proposta de mediação através do SISTCOM. No entanto, ao autor é possível postular a devolução de valores que entenda indevidamente pagos, seja na via administrativa ou judicial.
Sendo improcedente a ação rescisória, condeno o autor ao pagamento de custas e honorários, estes fixados em 10% do valor da causa, verbas cuja exigibilidade fica suspensa pelo deferimento de AJG.
Ante o exposto, voto por julgar improcedente a ação rescisória.
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Ação Rescisória (Seção) Nº 5046275-06.2019.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal GISELE LEMKE
AUTOR: ADÃO HELIO MATTES
RÉU: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
EMENTA
administrativo. ação rescisória. violação a literal dispositivo de lei. inocorrência.
Conforme reiterada jurisprudência desta Corte, a ação rescisória não é o meio adequado para corrigir suposta injustiça da sentença, apreciar má interpretação dos fatos, reexaminar as provas produzidas ou complementá-las.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, julgar improcedente a ação rescisória, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de maio de 2023.
Documento eletrônico assinado por ANA BEATRIZ VIEIRA DA LUZ PALUMBO, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003749644v7 e do código CRC ef015b28.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA DE 11/05/2023
Ação Rescisória (Seção) Nº 5046275-06.2019.4.04.0000/RS
RELATORA: Juíza Federal ANA BEATRIZ VIEIRA DA LUZ PALUMBO
PRESIDENTE: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
PROCURADOR(A): ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI
AUTOR: ADÃO HELIO MATTES
ADVOGADO(A): ANDRE FOSSA (OAB SC033378)
RÉU: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 11/05/2023, na sequência 25, disponibilizada no DE de 28/04/2023.
Certifico que a 2ª Seção, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 2ª SEÇÃO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO RESCISÓRIA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ANA BEATRIZ VIEIRA DA LUZ PALUMBO
Votante: Juíza Federal ANA BEATRIZ VIEIRA DA LUZ PALUMBO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargador Federal LUIZ ANTONIO BONAT
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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